domingo, 28 de janeiro de 2018

Entrevista com Laurinda Seabra

Ciclo de entrevistas realizadas pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul como título o ambiente é de todos.




O ambiente é de todos     

Temos o dever de pensar na sustentabilidade das futuras gerações

Entrevista com Laurinda Seabra 
Jornalista: Paula Ferro


                
A sexta entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” que o Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa vem realizando no diariOnline do Região Sul é com Laurinda Seabra e aborda a problemática da extracção do petróleo no Algarve.
Laurinda Seabra nasceu em Luanda, em 1955. Na puberdade foi viver para a África do Sul onde se licenciou em Engenharia Mecânica. Em 1975, ainda como estudante estagiária, começou a trabalhar numa empresa petrolífera.
É Mestre em Gestão de Negócios, pela Milpark Business School, e a sua carreira profissional foi feita dentro da indústria petroquímica, onde ocupou diversas funções, incluindo administração.
Em 2004 Laurinda Seabra decidiu mudar de rumo profissional e passou a ser a Directora da Empowerment Gatewey Consulting, uma empresa de consultadoria e empreendedorismo social, registada na Inglaterra e na África do Sul, sediada em Lagos.
Em 2012 funda uma associação, a ASMAA (Algarve Surf and Marine Activities Association), a que preside.
Aos 15 anos de idade Laurinda começa por ser activista pela defesa dos direitos humanos. Devido à sua carreira profissional compreendeu a necessidade de se proteger o ambiente e o seu activismo estendeu-se a esta área.
“Em Julho de 2015 foram publicados na internet, na página oficial da organização do governo responsável pela área do petróleo e gás natural, ENMC, contratos entre o governo e empresas petrolíferas, já realizados”, conta Laurinda Seabra, “nós analisámos os contratos e pedimos um parecer jurídico que nos disse que os benefícios para Portugal eram muito poucos ou quase nulos e que traziam muitos riscos”.
Em Setembro, a ENMC publicou dois novos contratos para o Algarve, desta vez, relativos a concessões em terra, com os nomes de Tavira e Aljezur”, continua a presidente da ASMAA, “se estávamos preocupados com as explorações no mar, quando percebemos que estes novos contractos vão deixar entrar no Algarve as tecnologias de “fracking”, a situação tornou-se muito mais seria, porque se há riscos na exploração no “offshore”, os riscos que o processo de “fracking” traz são muito maiores e têm impactos negativos permanentes”.
“Na Europa o “fracking” está proibido em alguns países e nos EUA há um intenso debate cercando a exploração por “fracking” devido aos danos já causados”, comunica a engenheira mecânica, “este tipo de extração agride gravemente o meio ambiente por se tratar de um processo que consiste na perfuração e injeção de fluídos químicos no solo para elevar a pressão, fazendo com que haja fratura das rochas e a liberação do gás natural. Nos fluídos usados existem cerca de 600 produtos tóxicos, incluindo agentes cancerígenos. Cada poço pode ser fraturado até 18 vezes e são necessários, de 400 a 600 caminhões tanque de água, para cada operação. O fluido que é usado é deixado a céu aberto para evaporar, tornando o ar contaminado e contribuindo para o surgimento de chuvas ácidas” e continua, “durante o processo, as águas subterrâneas próximas que são usadas para abastecer as cidades da região, também ficam poluídas. Houve mais de mil casos de contaminação próximos a áreas de perfuração já confirmados”.
No respeitante à exploração “offshore”, os danos podem ser imensos, “quanto à indústria da pesca no Algarve, pois a pesca comercial é um dos nossos mecanismos económicos que precisa de ser preservado e a pesca desportiva é uma das atividades mais populares na região. Um desastre de petróleo ou de gás no mar irá impactar diretamente nas nossas indústrias de pesca, resultando em perdas de valiosos recursos e também a perda de muitos postos de trabalho nesta indústria”, explica Laurinda Seabra, “a nível da indústria do turismo do Algarve, as zonas costeiras que estão ainda imaculadas, onde ainda está presente a vida selvagem, atrai dezenas de milhares de turistas por ano, injetando um impulso económico para a região. O perigo de um desastre de petróleo terá um papel negativo na decisão dos turistas para visitarem o Algarve”.
“Sejamos nós algarvios ou tenhamos decidido viver aqui, nós temos a responsabilidade de proteger a costa algarvia, não só para nós próprios e para as nossas famílias mas também para todos os visitantes e turistas”, conclui Laurinda Seabra “e temos o dever de pensar no bem-estar e na sustentabilidade das futuras gerações”.

A entrevista com Laurinda Seabra vai acontecer no diariOnline do Região Sul, no dia 2 de Janeiro de 2016, às 15:30 horas.




O ambiente é de todos

Temos o dever de pensar na sustentabilidade das futuras gerações

Entrevista com Laurinda Seabra    
            
Laurinda Seabra nasceu em Luanda, em 1955. Na puberdade foi viver para a África do Sul onde se licenciou em Engenharia Mecânica. Em 1975, ainda como estudante estagiária, começou a trabalhar numa empresa petrolífera.
É Mestre em Gestão de Negócios, pela Milpark Business School, e a sua carreira profissional foi feita dentro da indústria petroquímica, onde ocupou diversas funções, incluindo administração.
Em 2004 Laurinda Seabra decidiu mudar de rumo profissional e passou a ser a Directora da Empowerment Gatewey Consulting, uma empresa de consultadoria e empreendedorismo social, registada na Inglaterra e na África do Sul, sediada em Lagos.
Em 2012 funda uma associação, a ASMAA, a que preside.
Aos 15 anos de idade Laurinda começa por ser ativista pela defesa dos direitos humanos. Devido à sua carreira profissional compreendeu a necessidade de se proteger o ambiente e o seu ativismo estendeu-se a esta área.

O que é a ASMAA, quando nasceu e quais os seus objectivos?

ASMAA quer dizer Algarve Surf and Marine Activities Association. Foi registada no dia 3 de Dezembro de 2012. Tem como finalidade dinamizar a economia do Algarve usando o mar e as zonas costeiras como ferramentas de desenvolvimento turístico.
Cabe à ASMAA promover a coesão social e os valores democráticos, incluindo a defesa dos Direitos Humanos e das minorias, assim como lutar contra discriminações;
Cabe-lhe promover o diálogo e a colaboração intercultural, assim como participar na conceção e aplicação de políticas públicas, regionais e locais, especialmente as que afetam a sustentabilidade das pequenas e médias empresas, e cabe-lhe ainda promover o empreendedorismo responsável, especialmente nos sectores do surf e outras atividades englobados no sector marítimo.
Cabe à ASMAA também representar as empresas de atividades de surf e de outras atividades marítimas que lhe estão associadas e defender os seus direitos e legítimos interesses, assim como representar e defender os legítimos interesses dos turistas, visitantes e residentes que estão associados.
Esta associação pretende também defender o ambiente e refrear as zonas costeiras contra o incremento desajustado e desenfreado de construções urbanísticas.
Uma das atividades da ASMAA, neste momento, é dar a conhecer a sua luta contra a exploração de petróleo na costa Algarvia e Oeste e sensibilizar as pessoas para a nossa causa, desenvolver esforços no sentido de, não só prevenir mas também impedir, a contaminação do mar e praias, assim como impedir outros danos ambientais;
Está nos nossos objetivos desenvolver esforços no sentido de impedir que se continue a encaminhar para o mar e zonas adjacentes, os esgotos domésticos e de explorações agropecuárias.
 A ASMAA pretende ainda proteger os espaços verdes, pressionando as autoridades competentes a obrigar os madeireiros, aquando do abate de árvores para a indústria da celulose, a recolher os excedentes não aproveitados das árvores, com o exclusivo propósito de contribuir para a diminuição de fogos florestais.
Pretendemos ainda incentivar e formar pessoas interessadas no aproveitamento dos resíduos florestais como elemento fundamental de compostagem por meio de trituração mecanizada.

O que aconteceu em Julho de 2015 que tornou a situação da exploração de petróleo no Algarve mais alarmante?

Em Julho de 2015 foram publicados na internet, na página oficial da organização do governo responsável pela área do petróleo e gás natural, ENMC (http:/enmc.pt), contratos entre o governo e empresas petrolíferas, já realizados. Nós analisámos os contratos e pedimos um parecer jurídico que nos disse que os benefícios para Portugal eram muito poucos, ou quase nulos, e que traziam muitos riscos.
Estes contractos, publicados em Julho de 2015, eram para concessões no mar (“offshore”). Mas, em Setembro, a ENMC publicou dois novos contratos para o Algarve, desta vez, relativos a concessões em terra, com os nomes de Tavira e Aljezur.
Se estávamos preocupados com as explorações no mar, quando percebemos que estes novos contratos vão deixar entrar no Algarve as tecnologias de “fracking”, então a situação tornou-se muito mais séria, porque se há riscos na exploração no “offshore”, os riscos que o processo de “fracking” traz são muito maiores e têm impactos negativos permanentes.

O que é o “fracking” e quais os perigos desta técnica para as regiões onde ela é utilizada?
“Fracking”, “fraccing” ou “fracing” é uma técnica usada para libertar gás natural ou outras substâncias para a extração e utilização econômica.
O fraturamento hidráulico ou “hydraulic fracturing” é a propagação de fraturas numa camada de rocha por um fluido pressurizado. Algumas fraturas hidráulicas formam-se naturalmente e podem criar canais com petróleo ou gás que vêm de reservatórios de rochas.
Para fragmentar a rocha são usados tubos que contém água e químicos que fazem pressão sobre a rocha até quebrarem ou fraturarem a rocha. É como um mini terremoto. Pela porosidade, injeta-se também areia em quantidade suficiente para manter o canal aberto e permitir a condução do gás. O “fracturing” pode provocar impactos ambientais sérios, com prejuízo para a saúde humana pela contaminação dos canais subterrâneos e por causar danos na qualidade do ar porque provoca a migração de gases e produtos químicos para a superfície.
Na Europa o “fracking” está proibido em alguns países e nos EUA há um intenso debate cercando a exploração por “fracking” devido aos danos já causados.
Este tipo de extração agride gravemente o meio ambiente por se tratar de um processo que consiste na perfuração e injeção de fluídos químicos no solo para elevar a pressão, fazendo com que haja fratura das rochas e a liberação do gás natural. Nos fluídos usados existem cerca de 600 produtos tóxicos, incluindo agentes cancerígenos. Cada poço pode ser fraturado até 12 vezes e são necessários, de 400 a 600 caminhões tanque de água, para cada operação. O fluido que é usado é deixado a céu aberto para evaporar, tornando o ar contaminado e contribuindo para o surgimento de chuvas ácidas.
Durante o processo, as águas subterrâneas próximas que são usadas para abastecer as cidades da região, também podem ficar poluídas. Houve mais de 14 mil casos de contaminação próximos a áreas de perfuração, já confirmados.
A exploração do gás é muito comum nos EUA, onde existem mais de 500 mil poços ativos. As toxinas que vazam durante o processo estão a causar a morte de diversas espécies aquáticas, pois prejudicam a qualidade da água, tornam-na mais ácida, o que provoca graves lesões nos peixes.
Este processo de extração está sendo fortemente questionado por um grupo de ambientalistas e pela sociedade civil que querem a suspensão imediata desta prática. Um estudo publicado recentemente afirma que o “fracking” pode estar ligado à presença de terremotos. Conforme uma das nossas pesquisas, pelo menos 109 terremotos foram registrados no estado de Ohio (EUA), num período de 14 meses. Os fenómenos teriam começado após 13 dias do início das fraturas hidráulicas na região.
Neste momento a ASMAA já tem testemunhos de 16974 pessoas, dos Estados Unidos, relativos aos impactos negativos do “fracking” nas suas vidas.

Como funciona uma plataforma de petróleo e quais os perigos para a costa algarvia se aqui se instalarem plataformas de petróleo?

Existem dois tipos principais de plataformas de petróleo no mar: as de perfuração e as de produção. As de perfuração servem para encontrar petróleo em poços ainda não explorados e inicia-se com uma série de pesquisas geológicas e geofísicas que localizam bacias promissoras e analisam os melhores pontos para as perfurar.
As plataformas de produção aparecem quando um poço já foi descoberto e está pronto para ser explorado. São elas que efetivamente extraem o petróleo localizado no fundo do mar, levando-o à superfície, onde este é separado de outros compostos, como água e gás.
Dependendo da profundidade em que se encontra o poço, podem ser construídos dois tipos de plataforma de produção: as fixas e as flutuantes (chamadas de semi-submersíveis).
As fixas são instaladas em águas rasas (até 180 metros) e ficam ligadas ao subsolo oceânico por um grande "pilar".
As flutuantes possuem cascos como os de um navio e servem para explorar poços que se localizam em lugares muito profundos.
Os danos, vou referir por áreas específicas:
Relativamente à natureza do Algarve, o ambiente marinho desta região inclui muitos ecossistemas únicos e frágeis, é o lar de muitas espécies, incluindo aves marinhas, baleias e golfinhos entre elas. Um desastre de petróleo ou gás vai deixar a flora e a fauna marinha totalmente vulneráveis e até destruídas pelos efeitos tóxicos.
A pesca comercial é um dos nossos mecanismos económicos que precisa de ser preservado e a pesca desportiva é uma das atividades mais populares na região. Um desastre de petróleo ou de gás no mar irá impactar diretamente nas nossas indústrias de pesca, resultando em perdas de valiosos recursos e também de muitos postos de trabalho.
As zonas costeiras que estão ainda imaculadas, onde ainda está presente a vida selvagem, atrai dezenas de milhares de turistas por ano, injetando um impulso económico para a região. O perigo de um desastre de petróleo terá um papel negativo na decisão dos turistas para visitarem o Algarve.
Esta região oferece oportunidades sem paralelo para desportos marítimos e atividades de aventura, como o “surf”, caiaque, “windsurf”, “jet ski”, mergulho e passeios de barco, entre outros. Um desastre de petróleo ou de gás no mar, invariavelmente vai ter um impacto negativo nas muitas empresas que prestam estes servidos e para todas as organizações e indivíduos que gostam da praia, do mar e do sol que caracterizam o Algarve.
Os bens e recursos naturais do Algarve devem ser protegidos, e não, vendidos para serem explorados por empresas estrangeiras. Não podemos expô-los ao perigo de serem destruídos e daí resultar a perca da nossa sustentabilidade, só por causa da exploração do petróleo no mar Algarvio sem medidas de segurança adequadas e asseguradas.
Quanto ao clima, que também tanto o caracteriza o Algarve, os impactos climáticos devido a exploração de petróleo e gás são desastrosos.
Portugal deve investir em soluções de energia limpa e ecológica em vez de investir na extração das últimas gotas de petróleo dos confins da terra e do mar. Devemos ser pioneiros na área climática, e não, "maníacos" dos fósseis.
O modo de vida na zona costeira do Algarve está em perigo. Esta é uma parte fundamental do “viver no Algarve” e, sejamos nós algarvios ou tenhamos decidido viver aqui, temos a responsabilidade de proteger a costa algarvia, não só para nós próprios e para as nossas famílias, mas também para todos os visitantes e turistas, assim como temos o dever de pensar no bem-estar e na sustentabilidade das futuras gerações.

Entrevista com Benedicte Travaux

Ciclo de entrevistas realizadas pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul : o ambiente é de todos.
Jornalista: Paula Ferro

O ambiente é de todos

O descalabro que acontece no Algarve é da responsabilidade de todos

Entrevista com Benedicte Travaux





A quinta entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” que o Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa tem vindo a realizar no diariOnline do Região Sul é com Benedicte Travaux do movimento Tavira em Transição.
Benedicte Travaux nasceu em Paris em 1953. Foi professora de ténis, o que lhe permitiu viajar bastante e trouxe a Portugal em 1977, através do Club Mediterrane. Estabiliza-se em Paris e durante vários anos foi decoradora das lojas Pierre Frey e Yves Halard.
Em 1984 casou com um português e passou a residir em Tavira até hoje. Em 1986 montou a Galeria Spatium para acolher os artistas portugueses e estrangeiros que residiam na região e esteve activa até 2002.
É membro do movimento Tavira em Transição.
Em Setembro passado, Benedicte estava na Ria Formosa, na zona de Torre d’Aires e o seu olhar foi surpreendido por reflexos que vinham de terra. Foi tentar perceber de onde vinham aqueles reflexos e descobriu que estava a ser iniciada uma exploração agrícola para produção de framboesas com estufas para hidroponia, na Quinta da Torre d’Aires, onde se encontra uma parte da antiga cidade portuária romana de Balsa para além de pertencer ao Parque Natural da Ria Formosa.
“O meu primeiro e-mail, com fotos, foi para o presidente da Câmara Municipal de Tavira a quem perguntei o que se passava ali e se ele havia aprovado aquele projecto”, explica Benedicte Travaux, “a resposta foi um e-mail a perguntar o meu nome completo e o meu número fiscal”.
Benedicte procurou então outros contactos entre os quais, “o João Cunha da Rádio Renascença”, explica Benedicte, que “veio ao local e visitámos empresas de exploração agrícola com estufas, a HUBEL, uma empresa portuguesa que implantou estufas hidropónicas para frutos vermelhos em vários locais, estivemos na Quinta da Campina, e Maravilhas Farms, uma empresa espanhola que faz a sua exploração em Vale de Caranguejo, junto às salinas”.
Para instalar este tipo de estufas é necessário arrancar árvores, sendo algumas delas, espécies protegidas, nivelar a terra, “retirar entre 30 a 60 centímetros da camada superior da terra, que é a mais fértil”, mas “no caso da Balsa, é uma catástrofe total porque para além de retirar a terra arável, destrói todos os vestígios arqueológicos de forma irrecuperável” para além do que “a inclinação natural deste promontório faz com que as chuvas empurrem os resíduos químicos das explorações agrícolas directamente no Parque da Ria Formosa”. Acontece que “nesta zona existem produtores de ostras e ameijoas que servem grandes restaurantes em Lisboa. Está a ser criado um problema de saúde pública por um lado, e por outro, a destruir-se fontes de rendimento local que, com investimento e trabalho, têm vindo a evoluir”.
Benedicte Travaux informa que “em 2015 já existem 400.000 m2 de terreno plastificado no concelho de Tavira e estão previstas mais instalações” e afirma que “não há vantagem nenhuma em colocar estufas hidroponicas para frutos vermelhos em terrenos que, por si, já são férteis, terrenos de primeira que é o que está a acontecer no sotavento algarvio, terrenos que podiam ter outro tipo de culturas mais adequadas às características desta zona” porque para “o modo como estas culturas são feitas é indiferente o tipo de terra onde se faz o cultivo. As plantas estão em vasos com terra preparada, não são colocadas no solo”.
“E este descalabro todo no Algarve é da responsabilidade de quem?” pergunta Benedicte Travaux, que conclui “é de todas as instituições, começando por Bruxelas, com o modo como distribue os fundos comunitários, é do governo e do Cavaco Silva que há três anos veio aqui decretar que o sotavento algarvio era, em toda a Europa, o local mais indicado para a produção de frutos silvestres, é das Câmaras Municipais e dos Ministérios e Direcções Regionais que têm a seu cargo a agricultura, o ambiente, a ecologia, a Ria Formosa, a arqueologia, a cultura e o turismo, é de toda a região, incluindo os cidadãos pelo seu desinteresse, por não exercerem a sua cidadania, pois a partir do momento em que não estão contra e não travam o processo, compactuam com ele”.

A entrevista com Benedicte Travaux vai acontecer, no diariOnline do Região Sul, no dia 30 de Dezembro de 2015, às 12:30 horas.

Momento de activismo com o Movimento Tavira em Transição:






O ambiente é de todos


O descalabro que acontece no Algarve é da responsabilidade de todos


Entrevista com Benedicte Travaux
Benedicte Travaux nasceu em Paris em 1953. Foi professora de ténis, o que lhe permitiu viajar bastante e trouxe a Portugal em 1977, através do Club Mediterrane. Estabiliza-se em Paris e durante vários anos foi decoradora das lojas Pierre Frey e Yves Halard. 
Em 1984 casou com um português e reside em Tavira desde essa altura. Em 1986 montou a Galeria Spatium para acolher os artistas portugueses e estrangeiros que residiam na região e esteve activa até 2002.
É membro do movimento Tavira em Transição.


Como se inicia esta polémica das estufas hidropónicas na zona da antiga cidade romana de Balsa?
Inicia-se em Setembro. Eu estava perto da Torre d’Aires, na ria, dentro de um barco, quando reparei nuns brilhos não habituais, vindos de terra. Fui averiguar e descobri o que para mim era impensável: o terreno estava completamente nivelado e a ser preparada uma exploração agrícola com estufas, cujos suportes em alumínio refletiam a luz solar. Isto era impensável para mim porque, para além de este local ser zona protegida da Ria Formosa, a Quinta da Torre d’Aires ocupa 17 ha da área da antiga cidade portuária romana de Balsa.
O meu primeiro e-mail, com fotos, foi para o presidente da Câmara Municipal de Tavira a quem perguntei o que se passava ali e se ele havia aprovado aquele projeto. A resposta foi um e-mail a perguntar o meu nome completo e o meu número fiscal. Contactei com amigos portugueses que vivem em Lisboa e me fizeram a ponte para outras pessoas que conhecem bem a região, onde se inclui Luís Fraga, autor de “A Cidade Perdida de Balsa.
Este assunto já me interessava há muito, tanto a cidade de Balsa como a “estufomania”. Contactei também com jornalistas. O João Cunha da Rádio Renascença veio ao local e visitámos empresas de exploração agrícola com estufas: HUBEL, uma empresa portuguesa que implantou estufas hidropónicas para frutos vermelhos em vários locais, nós estivemos na Quinta da Campina; e Maravilhas Farms, uma empresa espanhola que faz a sua exploração em Vale de Caranguejo, junto às salinas.
Contactei também o José António Cerejo, jornalista do Público, que redigiu um texto sobre este tema em 11 de Novembro.
O projeto dos 17 ha da Quinta da Torre d’Aires parou no dia 30 de Outubro mas desconheço quem travou realmente o processo.

Quais os inconvenientes destas estufas?
Muitos, se bem que a da cidade de Balsa seja especial devido ao acrescido valor arqueológico. Fora do centro histórico de Tavira, que é rico em memórias culturais, não há um património assim tão extraordinário que nos permita deitar fora pedaços da memória coletiva, muito menos com a relevância de Balsa que foi um local importante para todo o Império Romano, na época.
É importante saber que para instalar uma exploração agrícola com este tipo de estufas é necessário:
Arrancar árvores (algumas delas centenárias), como oliveiras, alfarrobeiras, azinheiras e sobreiros, sendo estas duas últimas, espécies protegidas;
Nivelar a terra com máquinas muito potentes;
Retirar entre 30 a 60 centímetros da camada superior da terra, que é a mais fértil, porque a sua riqueza pode, eventualmente, trazer doenças e contaminações às framboesas;
No caso da Balsa, é uma catástrofe total porque para além de retirar a terra arável, destrói todos os vestígios arqueológicos de forma irrecuperável;
Na zona da Balsa, a inclinação natural deste promontório faz com que as chuvas empurrem os resíduos químicos das explorações agrícolas diretamente no Parque da Ria Formosa. Pior, quando as marés altas são elevadas, as partes mais baixas, no lado Sul, ficam alagadas. Isto agrava-se quando existem, nesta zona, produtores de ostras e ameijoas que servem grandes restaurantes em Lisboa. Está a ser criado um problema de saúde pública por um lado, e por outro, a destruir-se fontes de rendimento locais que, com investimento e trabalho têm vindo a evoluir.
Não se percebe como é que há coisa de três anos interditaram a passagem de barcos a motor entre Sta Luzia e Torre d’Aires para proteção dos cavalos-marinhos, o que concordo, e agora expõem essa mesma zona a possíveis agressões por resíduos tóxicos deste tipo de exploração agrícola. Falo dos cavalos-marinhos mas podemos falar de outras espécies pois toda a fauna e flora marinha vai sofrer com este tipo de agressões que podem mesmo colocar em risco a atividade piscatória.
Este tipo de exploração agrícola exige grandes quantidades de água. Embora as águas da hidroponia sejam em grande parte reaproveitadas, a água é fundamental para uma série de tarefas obrigatórias. A seca é um dos problemas desta zona, 2015 tem sido um ano de seca severa. Parece-me pouco racional investir em projetos que exijam grandes quantidades de água nesta zona.
Todos estes projetos são aceites pelo Parlamento Europeu e subsidiados, em quantias muito simpáticas, tendo como um dos objetivos dar emprego aos cidadãos locais mas o que se passa é que 80% da mão-de-obra destas estufas provém de países asiáticos e da Europa de Leste, alojados em condições deploráveis e com horários muito pouco convencionais.
Outro dos objetivos destes subsídios é favorecer a exportação. Toda esta panóplia é feita para que plantas do Norte da Europa venham crescer ao Algarve, para aqui terem maior quantidade de frutos extemporâneos que regressam ao Norte da Europa.
Em 2015 já existem 400.000 m2 de terreno plastificado no concelho de Tavira e estão previstas mais instalações. Isso assusta-me. Para 2016 está previsto um projeto da Maravilha Farms, uma empresa espanhola, a realizar a Norte da EN125, entre a Cumeada e Sta Rita, de flores exóticas que, decerto, irão implicar estufas. Há outro proje4to de ervas aromáticas, também com estufas, previsto para a zona da Luz de Tavira… Mas será que já não se consegue fazer agricultura sem estufas?
Olhando para a paisagem. Para mim, as estufas são uma intrusão visual insuportável. A vista do alto de Sto Estêvão, ou de qualquer colina, é uma maré de branco plastificado que nos devolve os raios solares de um modo agressivo, incomodativo, mesmo insuportável.
O risco, a nível do turismo e dos futuros residentes, é muito grande. Há muitos proprietários de casas que decidiram vir residir nesta zona, fizeram investimentos nesse sentido, alguns deles até bastante caros e, com esta situação, querem-se ir embora, mas agora não conseguem vender as suas casas nem por metade do preço. Isto quer dizer que, independentemente da crise geral, todo o Algarve tem vindo a desvalorizar e cada vez mais. A nível de turismo, estamos a chamar pessoas para um turismo da natureza, que é o que faria sentido neste local, mas os turistas chegam aqui e veem estufas por todo o lado, projetos de “fracking” e plataformas de petróleo, coisas que eles recusam nos seus países. Claro que o turismo vai descer.
 Não há vantagem nenhuma em colocar estufas de hidroponia para frutos vermelhos em terrenos que, por si, já são férteis, terrenos de primeira que é o que está a acontecer no sotavento algarvio, terrenos que podiam ter outro tipo de culturas mais adequadas às características desta zona. Para o modo como estas culturas são feitas é indiferente o tipo de terra onde se faz o cultivo porque as plantas estão em vasos com terra preparada, não são colocadas no solo. Porque não colocam estas estufas num local já betonado? Numa zona industrial, por exemplo? Sim, até porque este tipo de exploração agrícola mais se parece com uma indústria do que com agricultura.
E este descalabro todo no Algarve é da responsabilidade de quem? De todas as instituições, começando por Bruxelas, com o modo como distribui os fundos comunitários, é do governo e do Cavaco Silva que há três anos veio aqui decretar que o sotavento algarvio era, em toda a Europa, o local mais indicado para a produção de frutos silvestres, é das Câmaras Municipais e dos Ministérios e Direções Regionais que têm a seu cargo a agricultura, o ambiente, a ecologia, a Ria Formosa, a arqueologia, a cultura e o turismo, é de toda a região, incluindo os cidadãos pelo seu desinteresse, por não exercerem a sua cidadania, pois a partir do momento em que não estão contra e não travam o processo, compactuam com ele.

Costumas dizer que a descaracterização da cidade de Tavira te entristece. Foram cometidos muitos erros?
Sim, muitos, mas vou só apontar alguns:
O monstro PLAZA, abaixo da EN125, dentro do perímetro da Ria Formosa.
Em Sta Margarida de Tavira, que é uma zona lindíssima, alta, onde colocaram um Parque Industrial (que são normalmente feios) com três ou quatro armazéns isolados e quase inativos.  Como é que isto é possível? Como é que se estipula uma zona destas para Parque Industrial e depois o que temos é betão sobre a terra e muito vazio sem movimento?
Outra coisa que me desola completamente é a ponte que sai do Mercado Municipal de Tavira. Retira toda a vista sobre o Rio Gilão em direção às Quatro Águas. Retira a vista do mar e das salinas.
Há mais… mas quero apenas deixar aqui uma outra constatação: no concelho de Tavira há 56 cabeleireiros(as), 15 lojas chinesas, 20 esteticistas, 20 imobiliárias e 7 grandes superfícies para produtos alimentares que têm vindo a obrigar as pequenas lojas a ter que fechar, mas não existe nem uma única livraria. O que é que isto quer dizer?


Entrevista com Fernando Silva Grade

Ciclo de entrevistas o ambiente é de todos realizadas pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul


O ambiente é de todos

Os autarcas foram os principais obreiros na liquidação das belezas e riquezas culturais da região.



Entrevista com Fernando Silva Grade
Jornalista: Paula Ferro


A quarta entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” que o Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa tem vindo a realizar no diariOnline do Região Sul é com Fernando Silva Grade.
Fernando Silva Grade nasceu em Faro em 1955. Em 1983 licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Faculdade de Ciências de Lisboa e em 1993 concluiu o Curso de Pintura do Ar.Co. Expõe com regularidade, desde 1988, individual ou colectivamente, em diversas cidades do país e do estrangeiro. É artista da Galeria Monumental, em Lisboa.
Ao longo dos anos, Fernando Silva Grade tem participado em diversas actividades ligadas à defesa do património cultural e do ambiente e faz parte da associação Almargem. Em 2011 foi eleito personalidade do ano da cidade de Faro pelo grupo cívico “Tertúlia Farense” e é autor do livro “O Algarve tal como o destruímos”, um livro que confronta o Algarve do passado e do presente no que respeita aos seus valores naturais e culturais. O livro presenta ainda algumas entrevistas com personalidades de relevância regional sobre estas problemáticas.
A segunda edição de “O Algarve tal como o destruímos” foi publicada em Outubro de 2014.
“O livro ‘O Algarve Tal Como o Destruímos’ estrutura-se a partir do blogue ‘A Defesa de Faro’, que esteve activo entre 2006 e 2012, e que constituiu uma importante tribuna de debate de ideias em torno de problemáticas inerentes à cidade de Faro e à região algarvia”, explica o autor do livro, “as temáticas que abordei, tanto nos textos como nas entrevistas que realizei, situavam-se em torno de questões relativas ao ambiente, à cultura e ao património arquitectónico. Estas áreas foram, nos últimos 40 anos, sujeitas a um ataque cerrado, tendo-se, nas palavras do historiador António Rosa Mendes, provocado um genocídio cultural”.
“O Algarve era, de facto, uma região com uma riqueza natural, paisagística e arquitectónica excepcionais, à qual uma rara diversidade de cenários em tão pequeno território ainda mais amplificava. Tudo no Algarve era extasiante, o litoral, o barrocal, a serra e as cidades, vilas e aldeias. Ainda não há 50 anos não havia elementos dissonantes nessa sinfonia genial”, afirma Fernando Silva Grade, “as novas gerações, que não conhecem outra coisa senão o mundo caótico actual, terão dificuldade em perceber do que estou a falar.”
“Acontece que tecnologia e ignorância é uma mistura altamente destrutiva e o homem não evoluiu em termos civilizacionais o suficiente para poder lidar adequadamente com aquela”, explica o biólogo e artista, “No Algarve deu-se uma autêntica corrida ao ouro, em que os autarcas, sem excepção durante três décadas, foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região. Autarcas ignorantes, parolos e gananciosos que, juntamente com uma aculturada população conivente ou indiferente, permitiram o assalto dos interesses económicos que, através da especulação imobiliária, arrasaram por completo cidades, vilas, aldeias, barrocal e litoral, não deixando quase nada intacto da beleza e harmonia originária”.

A entrevista com Fernando Silva Grade vai acontecer no dia 22 de Dezembro de 2015, às 18:00 horas, no diariOnline do Região Sul.




Os autarcas foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região.
Entrevista com Fernando Silva Grade

Fernando Silva Grade nasceu em Faro em 1955. Em 1983 licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Faculdade de Ciências de Lisboa e em 1993 concluiu o Curso de Pintura do Ar.Co. Expõe com regularidade, desde 1988, individual ou colectivamente, em diversas cidades do país e do estrangeiro.  É artista da Galeria Monumental, em Lisboa.
Ao longo dos anos, Fernando Silva Grade tem participado em diversas actividades ligadas à defesa do património cultural e do ambiente e faz parte da associação Almargem. Em 2011 foi eleito personalidade do ano da cidade de Faro pelo grupo cívico “Tertúlia Farense” e é autor do livro “O Algarve Tal Como o Destruímos”, um livro que confronta o Algarve do passado e do presente no que respeita aos seus valores naturais e culturais. O livro presenta ainda algumas entrevistas com personalidades de relevância regional sobre estas problemáticas.
A segunda edição de “O Algarve Tal Como o Destruímos” foi publicada em Outubro de 2014.

Como surge o livro “O Algarve Tal Como o Destruímos” e porque sentiste necessidade de o escrever?
O livro “O Algarve Tal Como o Destruímos” estrutura-se a partir do blogue “A Defesa de Faro”, que esteve activo entre 2006 e 2012, e que constituiu uma importante tribuna de debate de ideias em torno de problemáticas inerentes à cidade de Faro e à região algarvia.
Escrevi nesse blogue com muita frequência e levei a cabo um conjunto alargado de entrevistas a personalidades relevantes da sociedade algarvia. As temáticas que abordei, tanto nos textos como nas entrevistas que realizei, situavam-se em torno de questões relativas ao ambiente, à cultura e ao património arquitectónico. Estas áreas foram, nos últimos 40 anos, sujeitas a um ataque cerrado, tendo-se, nas palavras do historiador António Rosa Mendes, provocado um genocídio cultural. Esta circunstância histórica, tão dramaticamente relevante, tinha de ser documentada, pois, tudo se tem feito para branquear esse facto, passando a imagem de um Algarve de sucesso, de divisas e de turismo.
Havia, pois, material escrito naquele blogue mais do que suficiente para servir de base a um livro e, desse modo, poder ser descrito e denunciado todo o processo de destruição e descaracterização que o Algarve, outrora um autêntico paraíso, sofreu em pouco mais de três décadas.

Para além da questão paisagística, o que mais te parece estar a destruir o Algarve e que não é referido no teu livro?
Não menciono todos os casos particulares de destruição, que são infindos, mas menciono as várias classes de destruições que ocorreram. O Algarve era, de facto, uma região com uma riqueza natural, paisagística e arquitectónica excepcionais, à qual uma rara diversidade de cenários em tão pequeno território ainda mais amplificava. Tudo no Algarve era extasiante, o litoral, o barrocal, a serra e as cidades, vilas e aldeias. Ainda não há 50 anos não havia elementos dissonantes nessa sinfonia genial. De repente, deu-se uma espécie de apocalipse e nada foi poupado à senda destruidora. Hoje em dia sobram alguns pedaços desse éden perdido, pequenos trechos incólumes no meio da cacafonia geral. Perdeu-se, sobretudo, o factor fulcral, que é o espírito dos lugares, factor que nos dá acesso à fruição e compreensão profunda dos sítios e à sua imanação mágica. As novas gerações, que não conhecem outra coisa senão o mundo caótico actual, terão dificuldade em perceber do que estou a falar. Há poucos dias visualizei um site com fotos do Artur Pastor do Algarve dos anos 50 e 60 (arturpastor.tumblr.com). Talvez elas possam contribuir para entrever um território em que a interacção entre o mundo humano e o mundo natural era exemplar, cultural e até artística. Nessa altura havia respeito e amor pela terra de que as formas de intervenção humana na natureza revelavam à saciedade.
Como factos recentes que o livro ainda não cobre temos a agressão ignóbil em curso a uma série de praias do Barlavento, de que a praia de Dona Ana é o caso mais conhecido, com o enchimento das mesmas com a “areia” mais miserável que se possa conceber e com o consequente soterramento de arribas, rochedos e leixões desfigurando totalmente praias de deslumbrante beleza. Também há a referir os recentes projectos de exploração de hidrocarbonetos off-shore junto à costa algarvia, e on-shore em amplas zonas do nosso território com a técnica terrivelmente destrutiva do fracking.
                                                                                                              
O que está, no teu entender, por detrás de toda esta destruição?
O problema da destruição do ambiente e das culturas humanas é um problema global. E é uma circunstância inédita na já longa odisseia do homem no planeta. Nos cerca dos 200.000 anos de existência do Homo Sapiens nada de semelhante jamais ocorreu. E isto está a ser possível devido ao desenvolvimento espantoso da tecnologia.
Acontece que tecnologia e ignorância é uma mistura altamente destrutiva e o homem não evoluiu em termos civilizacionais o suficiente para poder lidar adequadamente com aquela. Por outro lado, e como resultado da progressiva secularização das sociedades ocidentais nos últimos dois séculos, com a perda da componente espiritual como elemento inerente à essência da natureza humana, libertaram-se, de forma desmedida, as compulsões materialistas de que a ganância é a mais feroz. E, hoje em dia, é esta compulsão o motor mais determinante na dinâmica da sociedade de hiperconsumo em que habitamos.
O facto de vivermos cada vez mais apartados da natureza e das suas imanações, tornou-nos, por outro lado, completamente incapazes de entender minimamente o modo adequado de com ela nos relacionarmos.
Evidentemente que há diferenças de sítio para sítio e de país para país. Portugal é um exemplo deplorável relativamente àquilo que fez à sua cultura, à sua paisagem e à sua arquitectura tradicional.
No Algarve deu-se uma autêntica corrida ao ouro, em que os autarcas, sem excepção durante três décadas, foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região. Autarcas ignorantes, parolos e gananciosos que, juntamente com uma aculturada população conivente ou indiferente, permitiram o assalto dos interesses económicos que, através da especulação imobiliária, desfiguraram cidades, vilas, aldeias, barrocal e litoral, não deixando quase nada intacto da beleza e harmonia originária.

Que medidas devem ser tomadas no sentido de se travar este processo?
A onda de especulação imobiliária abrandou muitíssimo nos últimos anos devido à crise e não devido a legislação adequada à salvaguarda dos valores culturais e naturais ou à acção dos autarcas ou da sociedade civil.
Neste momento, contudo, já existe alguma consciência do problema, mas não há meios para travar as ameaças que pairam no Algarve e que irão inelutavelmente destruí-lo ainda mais. Por exemplo, existem vários empreendimentos monstruosos prestes a avançar em zonas de grande sensibilidade ambiental como é o caso da Quinta da Ombria, paredes meias com a Paisagem Protegida Local da Fonte da Benémola, e a Quinta do Freixo, ambos em plena Rede Natura 2000. Também na região de Alcoutim se perspectiva uma central solar megalómana que vai arrasar, até ao último arbusto, uma área contínua de cerca de 600 ha de serra algarvia até agora utilizada como reserva turística de caça.
Em termos de arquitectura sejamos claros. O que hoje em dia se constrói de novo nas cidades ou no campo é arquitectonicamente desastroso. E este facto tem um impacto tremendo na paisagem rural e urbana. Por outro lado, a forma como se estão a reabilitar os edifícios antigos é tristemente risível. Quase sem excepções as reabilitações são calamitosas na medida em que se usam materiais inapropriados e dissonantes como o cimento, a tinta plástica e o alumínio. O resultado final vai, na maior parte dos casos, para além do pastiche, originando verdadeiros abortos que nada têm a ver com os edifícios originários de genuína arquitectura algarvia.
E as recentes apostas em dinâmicas de agricultura intensiva superagressiva (como certas estufas hidropónicas), não augura nada de bom na já muito sacrificada paisagem rural algarvia.
A única coisa que poderia alterar o estado das coisas era a existência de um alto sentido cívico e cultural das populações. Ora, isso não existe nem irá existir nos próximos anos.  

Entrevista com Petra Frey

Ciclo de entrevistas o ambiente é de todos realizadas pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul
Jornalista: Paula Ferro


O ambiente é de todos

Tudo o que existe é de todos




Entrevista com Petra Frey
A terceira entrevista do ciclo de entrevistas intitulado “o ambiente é de todos” que o Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa está a realizar no diariOnline do Região Sul, é com Petra Frey, cofundadora do movimento Tavira em Transição que desde 2008 é comerciante exclusivamente de produtos biológicos, em Tavira.
“Os princípios do Tavira em Transição nascem nos valores da Permacultura. A Permacultura respeita e valoriza aquilo que a terra tem e os métodos da agricultura são os mais naturais. Tudo é reaproveitado”, esclarece Petra Frey, “a filosofia da Permacultura estende-se para lá da agricultura, estende-se à vida quotidiana. É importante não criar lixo e por isso há que reaproveitar tudo o que há. Outro valor importante é o da partilha. Temos que aproveitar tudo o que existe e tudo o que existe é de todos”.
Neste preciso momento, a principal luta do Tavira em Transição “é contra o fracking e as plataformas de petróleo no Algarve. Temos feito algumas acções, sendo as principais informar os cidadãos que não estão ainda despertos para os malefícios de ambas as técnicas usadas na exploração de petróleo e também para as atitudes que o governo tem vindo a tomar no sentido da exploração do petróleo nesta zona, neste momento”, continua Petra, porque “estão a ser assinados contratos sem consultar a população e até sem consultar os próprios autarcas, o que é muito preocupante porque isto mostra que não existe poder local. Como é possível que o governo esteja tão centralizado? Como é possível que seja em gabinetes e longe da verdadeira realidade local que as decisões sejam tomadas? Como é possível que estejam a vender a ‘nossa terra’ sem nos consultar?”
Petra Frey é cofundadora da ARBIO, Associação dos Retalhistas de Produtos Biológicos em Portugal e explica: “A ARBIO defende que os produtos biológicos deviam ter o IVA mais baixo, a 6%, para que estes produtos sejam mais acessíveis à população porque ao contrário da agricultura convencional não trazem o mesmo tipo de gastos ao Estado na medida em que evitam que exista poluição”.

A entrevista com Petra Frey vai acontecer no diariOnline do Região Sul no dia 18 de Dezembro de 2015, às 15:15 horas.



Tudo o que existe é de todos

Petra Frey nasceu na Alemanha em 1966. Estudou línguas em Berlin. Visitou Tavira, pela primeira vez, em 1989. A partir de aí, esta cidade passou a ser um local de visitas frequentes até que decidiu, em 2001, residir nesta zona.
Entre 2004 e 2007, Petra Frey foi guia turística na Câmara Obscura, em Tavira. Em 2008 abriu um estabelecimento comercial, perto do Mercado Municipal de Tavira, para vender exclusivamente produtos biológicos.
Petra Frey é um dos elementos fundadores do Tavira em Transição, um movimento para a cidadania activa que se integra num outro movimento, a nível mundial, chamado Cidades em Transição que procura promover uma vida sustentável e tem como base os princípios da permacultura. Petra é ainda cofundadora da ARBIO (Associação dos Retalhistas de Produtos Biológicos em Portugal).

Porque te tornaste cofundadora do movimento Tavira em Transição?
Porque vivo em Tavira tal como os outros cidadãos que criaram e que participam neste movimento e é aqui, onde nós estamos, que devemos agir. Se queremos alterar os hábitos e mentalidades no sentido de construirmos um mundo melhor para todos, temos que começar por nós próprios e pelo meio envolvente, pelo local onde nos encontramos.
Há muitos valores que têm que ser alterados mas o mais importante de todos é recobrar o respeito pelo planeta Terra. Nós esquecemo-nos que somos apenas uma pequena migalha no meio do Universo e a primeira coisa a alterar é a arrogância do ser humano.
O movimento Tavira em Transição é um movimento de cidadania activa onde todos trabalham voluntariamente.
O voluntariado enriquece a própria pessoa que o faz enquanto, neste caso, enriquece o meio-ambiente.
Nós temos um projecto na Mata de Santa Rita, onde retiramos acácias, que são plantas invasoras, e plantamos árvores autóctones. A seguir há sempre um piquenique onde cada um traz alguma coisa e todos partilhamos o que trazemos. Precisamos de reaprender a partilhar e estas pequenas acções vão gerando hábitos comunitários.
Os princípios do Tavira em Transição nascem nos valores da permacultura. A Permacultura respeita e valoriza aquilo que a terra tem e os métodos da agricultura são os mais naturais. Tudo é reaproveitado.
A filosofia da permacultura estende-se para lá da agricultura, estende-se à vida quotidiana. É importante não criar lixo e por isso há que reaproveitar tudo o que há. Outro valor importante é o da partilha. Temos que aproveitar tudo o que existe e tudo o que existe é de todos.
Outras acções deste movimento focam-se muito na transmissão deste tipo de valores, na prática dos mesmos, o mais possível, e em mostrar casos de sucesso onde estes valores são aplicados em comunidades.

Qual a principal luta do Tavira em Transição neste momento e que acções está a promover nesse sentido?
Neste preciso momento é a luta contra o fracking e as plataformas de petróleo no Algarve. Temos feito algumas acções, sendo as principais, informar os cidadãos que não estão ainda despertos para os malefícios de ambas as técnicas para a exploração de petróleo e também para as atitudes que o governo tem vindo a tomar no sentido da exploração do petróleo nesta zona, neste momento, quando está mais que provado que temos que deixar 80% do petróleo onde ele está, ou seja, no subsolo, senão os nossos filhos e netos vão ter que pagar muito caro pela nossa permissividade e pelos nossos erros de hoje.
Estão a ser assinados contratos sem consultar a população e até sem consultar os próprios autarcas, o que é muito preocupante porque isto mostra que não existe poder local. Como é possível que o governo esteja tão centralizado? Como é possível que seja em gabinetes e longe da verdadeira realidade local que as decisões sejam tomadas? Como é possível que estejam a vender a “nossa terra” sem nos consultar?
E tudo isto num local turístico, rico em ofertas e em diferentes áreas, com tanto sol que poderia bem ser aproveitado como fonte de energia privilegiada.
Estamos a colaborar com outras associações na recolha de assinaturas para petições e em acções de esclarecimento.
Pretendemos incentivar os cidadãos e os autarcas para, todos juntos, reagirmos contra estes contratos que estão a ser feitos entre o governo e companhias petrolíferas sem consultar autarcas nem cidadãos, repito, o que é, no mínimo, uma grande falta de respeito por tudo e por todos.

És defensora dos produtos biológicos. Porquê e em que é que isso se liga aos valores do Tavira em Transição?
Porque opto por ter uma saúde não artificial. Quando comemos uma maçã provinda de uma macieira que foi desinfetada na fase da flor, o coração desta fruta, na minha opinião, já está envenenado, porque os químicos que lhe são aplicados afastam insectos e doenças da árvore, o que traz maior rentabilidade à macieira mas, ao mesmo tempo, pode trazer doenças e alergias ao consumidor dessa fruta. Uma maçã biológica, para além de ser mais saborosa, é mais rica nos seus nutrientes, logo é mais saudável e não polui a terra. É por isso que não percebo porque é que os agricultores de produtos biológicos têm que ser certificados por uma entidade a quem têm que pagar pela sua certificação enquanto os agricultores convencionais e que produzem em grande escala não têm que pagar por estarem a poluir a terra e o ambiente. Deveria ser ao contrário, até porque os agricultores biológicos têm mais trabalho e menor rentabilidade.
Sou cofundadora da ARBIO, Associação dos Retalhistas de Produtos Biológicos em Portugal. Esta associação promove a produção biológica nacional embora também importe produtos biológicos de outros locais. A ARBIO defende que os produtos biológicos deviam ter o IVA mais baixo, a 6%, para que estes produtos sejam mais acessíveis à população porque ao contrário da agricultura convencional não trazem o mesmo tipo de gastos ao Estado na medida em que evitam que exista poluição.
O Tavira em Transição e a agricultura biológica provém da mesma filosofia de vida: respeitar a natureza, o ambiente os seres vivos. A filosofia básica do Tavira em Transição assenta nos valores da permacultura que é ainda mais rígida nas suas regras do que a agricultura biológica, ou seja, a agricultura biológica está a caminho para a Permacultura, por isso é que a horta que criámos na Escola Secundária de Tavira é feita com os princípios da agricultura biológica, no sentido de se dar um passo em frente em direcção à permacultura.