O ambiente é de todos
Os autarcas foram os
principais obreiros na liquidação das belezas e riquezas culturais da região.
Entrevista com Fernando
Silva Grade
Jornalista: Paula Ferro
A quarta entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” que o
Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa tem vindo a realizar no
diariOnline do Região Sul é com Fernando Silva Grade.
Fernando Silva Grade nasceu em Faro em 1955. Em 1983
licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Faculdade de Ciências de
Lisboa e em 1993 concluiu o Curso de Pintura do Ar.Co. Expõe com regularidade,
desde 1988, individual ou colectivamente, em diversas cidades do país e do
estrangeiro. É artista da Galeria Monumental, em Lisboa.
Ao longo dos anos, Fernando Silva Grade tem participado em
diversas actividades ligadas à defesa do património cultural e do ambiente e
faz parte da associação Almargem. Em 2011 foi eleito personalidade do ano da
cidade de Faro pelo grupo cívico “Tertúlia Farense” e é autor do livro “O
Algarve tal como o destruímos”, um livro que confronta o Algarve do passado e
do presente no que respeita aos seus valores naturais e culturais. O livro
presenta ainda algumas entrevistas com personalidades de relevância regional
sobre estas problemáticas.
A segunda edição de “O Algarve tal como o destruímos” foi
publicada em Outubro de 2014.
“O livro ‘O Algarve Tal Como o Destruímos’ estrutura-se a
partir do blogue ‘A Defesa de Faro’, que esteve activo entre 2006 e 2012, e que
constituiu uma importante tribuna de debate de ideias em torno de problemáticas
inerentes à cidade de Faro e à região algarvia”, explica o autor do livro, “as
temáticas que abordei, tanto nos textos como nas entrevistas que realizei,
situavam-se em torno de questões relativas ao ambiente, à cultura e ao
património arquitectónico. Estas áreas foram, nos últimos 40 anos, sujeitas a
um ataque cerrado, tendo-se, nas palavras do historiador António Rosa Mendes, provocado
um genocídio cultural”.
“O Algarve era, de facto, uma região com uma riqueza natural,
paisagística e arquitectónica excepcionais, à qual uma rara diversidade de
cenários em tão pequeno território ainda mais amplificava. Tudo no Algarve era
extasiante, o litoral, o barrocal, a serra e as cidades, vilas e aldeias. Ainda
não há 50 anos não havia elementos dissonantes nessa sinfonia genial”, afirma
Fernando Silva Grade, “as novas gerações, que não conhecem outra coisa senão o
mundo caótico actual, terão dificuldade em perceber do que estou a falar.”
“Acontece que tecnologia e ignorância é uma mistura altamente
destrutiva e o homem não evoluiu em termos civilizacionais o suficiente para
poder lidar adequadamente com aquela”, explica o biólogo e artista, “No Algarve
deu-se uma autêntica corrida ao ouro, em que os autarcas, sem excepção durante
três décadas, foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das
belezas e riquezas culturais da nossa região. Autarcas ignorantes, parolos e
gananciosos que, juntamente com uma aculturada população conivente ou
indiferente, permitiram o assalto dos interesses económicos que, através da
especulação imobiliária, arrasaram por completo cidades, vilas, aldeias,
barrocal e litoral, não deixando quase nada intacto da beleza e harmonia
originária”.
A entrevista com Fernando Silva Grade vai acontecer no dia 22
de Dezembro de 2015, às 18:00 horas, no diariOnline do Região Sul.
Os autarcas foram os
principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas
culturais da nossa região.
Entrevista com Fernando
Silva Grade
Fernando Silva Grade nasceu em Faro em 1955. Em 1983
licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Faculdade de Ciências de
Lisboa e em 1993 concluiu o Curso de Pintura do Ar.Co. Expõe com regularidade,
desde 1988, individual ou colectivamente, em diversas cidades do país e do
estrangeiro. É artista da Galeria
Monumental, em Lisboa.
Ao longo dos anos, Fernando Silva Grade tem participado em
diversas actividades ligadas à defesa do património cultural e do ambiente e
faz parte da associação Almargem. Em 2011 foi eleito personalidade do ano da
cidade de Faro pelo grupo cívico “Tertúlia Farense” e é autor do livro “O
Algarve Tal Como o Destruímos”, um livro que confronta o Algarve do passado e
do presente no que respeita aos seus valores naturais e culturais. O livro
presenta ainda algumas entrevistas com personalidades de relevância regional
sobre estas problemáticas.
A segunda edição de “O Algarve Tal Como o Destruímos” foi
publicada em Outubro de 2014.
Como surge o livro “O
Algarve Tal Como o Destruímos” e porque sentiste necessidade de o escrever?
O livro “O Algarve Tal Como o Destruímos” estrutura-se a
partir do blogue “A Defesa de Faro”, que esteve activo entre 2006 e 2012, e que
constituiu uma importante tribuna de debate de ideias em torno de problemáticas
inerentes à cidade de Faro e à região algarvia.
Escrevi nesse blogue com muita frequência e levei a cabo um
conjunto alargado de entrevistas a personalidades relevantes da sociedade
algarvia. As temáticas que abordei, tanto nos textos como nas entrevistas que
realizei, situavam-se em torno de questões relativas ao ambiente, à cultura e
ao património arquitectónico. Estas áreas foram, nos últimos 40 anos, sujeitas
a um ataque cerrado, tendo-se, nas palavras do historiador António Rosa Mendes,
provocado um genocídio cultural. Esta circunstância histórica, tão
dramaticamente relevante, tinha de ser documentada, pois, tudo se tem feito
para branquear esse facto, passando a imagem de um Algarve de sucesso, de
divisas e de turismo.
Havia, pois, material escrito naquele blogue mais do que
suficiente para servir de base a um livro e, desse modo, poder ser descrito e
denunciado todo o processo de destruição e descaracterização que o Algarve,
outrora um autêntico paraíso, sofreu em pouco mais de três décadas.
Para além da questão
paisagística, o que mais te parece estar a destruir o Algarve e que não é
referido no teu livro?
Não menciono todos os casos particulares de destruição, que
são infindos, mas menciono as várias classes de destruições que ocorreram. O
Algarve era, de facto, uma região com uma riqueza natural, paisagística e
arquitectónica excepcionais, à qual uma rara diversidade de cenários em tão pequeno
território ainda mais amplificava. Tudo no Algarve era extasiante, o litoral, o
barrocal, a serra e as cidades, vilas e aldeias. Ainda não há 50 anos não havia
elementos dissonantes nessa sinfonia genial. De repente, deu-se uma espécie de
apocalipse e nada foi poupado à senda destruidora. Hoje em dia sobram alguns
pedaços desse éden perdido, pequenos trechos incólumes no meio da cacafonia
geral. Perdeu-se, sobretudo, o factor fulcral, que é o espírito dos lugares,
factor que nos dá acesso à fruição e compreensão profunda dos sítios e à sua
imanação mágica. As novas gerações, que não conhecem outra coisa senão o mundo
caótico actual, terão dificuldade em perceber do que estou a falar. Há poucos
dias visualizei um site com fotos do Artur Pastor do Algarve dos anos 50 e 60
(arturpastor.tumblr.com). Talvez elas possam contribuir para entrever um
território em que a interacção entre o mundo humano e o mundo natural era
exemplar, cultural e até artística. Nessa altura havia respeito e amor pela
terra de que as formas de intervenção humana na natureza revelavam à saciedade.
Como factos recentes que o livro ainda não cobre temos a
agressão ignóbil em curso a uma série de praias do Barlavento, de que a praia
de Dona Ana é o caso mais conhecido, com o enchimento das mesmas com a “areia”
mais miserável que se possa conceber e com o consequente soterramento de
arribas, rochedos e leixões desfigurando totalmente praias de deslumbrante
beleza. Também há a referir os recentes projectos de exploração de
hidrocarbonetos off-shore junto à costa algarvia, e on-shore em amplas zonas do
nosso território com a técnica terrivelmente destrutiva do fracking.
O que está, no teu
entender, por detrás de toda esta destruição?
O problema da destruição do ambiente e das culturas humanas é
um problema global. E é uma circunstância inédita na já longa odisseia do homem
no planeta. Nos cerca dos 200.000 anos de existência do Homo Sapiens nada de
semelhante jamais ocorreu. E isto está a ser possível devido ao desenvolvimento
espantoso da tecnologia.
Acontece que tecnologia e ignorância é uma mistura altamente
destrutiva e o homem não evoluiu em termos civilizacionais o suficiente para
poder lidar adequadamente com aquela. Por outro lado, e como resultado da
progressiva secularização das sociedades ocidentais nos últimos dois séculos,
com a perda da componente espiritual como elemento inerente à essência da
natureza humana, libertaram-se, de forma desmedida, as compulsões materialistas
de que a ganância é a mais feroz. E, hoje em dia, é esta compulsão o motor mais
determinante na dinâmica da sociedade de hiperconsumo em que habitamos.
O facto de vivermos cada vez mais apartados da natureza e das
suas imanações, tornou-nos, por outro lado, completamente incapazes de entender
minimamente o modo adequado de com ela nos relacionarmos.
Evidentemente que há diferenças de sítio para sítio e de país
para país. Portugal é um exemplo deplorável relativamente àquilo que fez à sua
cultura, à sua paisagem e à sua arquitectura tradicional.
No Algarve deu-se uma autêntica corrida ao ouro, em que os autarcas,
sem excepção durante três décadas, foram os principais obreiros na incentivação
da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região. Autarcas
ignorantes, parolos e gananciosos que, juntamente com uma aculturada população
conivente ou indiferente, permitiram o assalto dos interesses económicos que,
através da especulação imobiliária, desfiguraram cidades, vilas, aldeias,
barrocal e litoral, não deixando quase nada intacto da beleza e harmonia
originária.
Que medidas devem ser
tomadas no sentido de se travar este processo?
A onda de especulação imobiliária abrandou muitíssimo nos
últimos anos devido à crise e não devido a legislação adequada à salvaguarda
dos valores culturais e naturais ou à acção dos autarcas ou da sociedade civil.
Neste momento, contudo, já existe alguma consciência do
problema, mas não há meios para travar as ameaças que pairam no Algarve e que
irão inelutavelmente destruí-lo ainda mais. Por exemplo, existem vários
empreendimentos monstruosos prestes a avançar em zonas de grande sensibilidade
ambiental como é o caso da Quinta da Ombria, paredes meias com a Paisagem
Protegida Local da Fonte da Benémola, e a Quinta do Freixo, ambos em plena Rede
Natura 2000. Também na região de Alcoutim se perspectiva uma central solar
megalómana que vai arrasar, até ao último arbusto, uma área contínua de cerca
de 600 ha de serra algarvia até agora utilizada como reserva turística de caça.
Em termos de arquitectura sejamos claros. O que hoje em dia
se constrói de novo nas cidades ou no campo é arquitectonicamente desastroso. E
este facto tem um impacto tremendo na paisagem rural e urbana. Por outro lado,
a forma como se estão a reabilitar os edifícios antigos é tristemente risível.
Quase sem excepções as reabilitações são calamitosas na medida em que se usam
materiais inapropriados e dissonantes como o cimento, a tinta plástica e o
alumínio. O resultado final vai, na maior parte dos casos, para além do
pastiche, originando verdadeiros abortos que nada têm a ver com os edifícios
originários de genuína arquitectura algarvia.
E as recentes apostas em dinâmicas de agricultura intensiva
superagressiva (como certas estufas hidropónicas), não augura nada de bom na já
muito sacrificada paisagem rural algarvia.
A única coisa que poderia alterar o estado das coisas
era a existência de um alto sentido cívico e cultural das populações. Ora, isso
não existe nem irá existir nos próximos anos.
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