quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Prosa poética

Quando o sol abriu o primeiro olhar sobre o mundo já eu te amava em canduras e deleites infantis. Há em ti um flanco intocado. Um lugar que se mantém guardado. Um mistério por revelar. E em mim, um encantamento, transportado num lamento, que tem vindo a vagar o tempo, magoado de tanto esperar.

Amo-te, pousada nas brumas da outra margem das coisas. Construo coroas de sorrisos floridos. Ainda há um romance por inventar.
Molho os pés nus nas águas de uma nova força por desatar. E brinco, distraída, nas chuvas dos passos que abrem o teu rosto, envergonhado, das formas refeitas onde se anuncia o nascer do sol e o luar.
Quem és tu cavaleiro de amplos gestos? Porque trazes tanta espada loura escondida nas dunas do teu olhar? Onde guardaste a raiz da tua candura? Quero ir à tua procura. Deixa-me perder-me no odor das tuas primaveras já desventradas. Solver os despojos da semente perdida daquela flor mesclada ainda por despontar.
Amo-te como quem ferve. Visto-me de pássaros de muitas cores e abeiro-me das nuvens por onde escapam os teus sonhos em sachos de rebuçado. Porque escondes os teus mistérios e os penduras lá no céu onde só transformada em asa branca consigo chegar? Porque guardas tanto pranto nas conchas dessas mãos com que me debulhas receoso de te revelar?

Lembras-te da manhã em que o sol acendeu o dia diante do nosso olhar? Depois pousou-se nos montes, abriu os braços e correu para nós. Veio dizer-nos que gosta de nos ver brincar.
Nessa noite havia-me esquecido do medo bebendo mel da tua força. Passeei pelos planaltos do teu corpo com o andar distraído de quem se perde em cada recanto. O tempo não existe quando o agora se transforma em pérola cheia de magias por navegar.
Os teus lábios vistos de cima, e aquietados em sorriso meigo alagam-me a alma. O teu olhar cheira a linho e o teu corpo goteja o assomar de uma paixão. Gosto de repousar nas tuas reentrâncias e lanço os lábios em aventuras de veludo nos montes fofos do teu peito, cortado por um ribeiro onde os peixinhos gostam de me contar contos de encantar. Os teus ombros são planícies serenas onde o meu rosto se estende para sentir melhor os teus malabarismos raros. As pontas dos teus dedos são rebentos de beijos encadeados e abrem-me caminhos cheios de sensações que estavam por rebentar. Os corpos misturam-se em dança. Alvoraçam-se os corações em tango e fado. Beijo-te como quem voa e ultrapassa o limite. E amo-te nas espumas breves que se soltam do chilrear dos pássaros matinais.
Beijas-me como quem embala uma criança há muito guardada dentro do peito e que agora quer brincar. Beijamo-nos com encantamento e deleite. Entretidos, embevecidos, estendendo o tempo, entregues ao que está a acontecer com a naturalidade de quem faz aquilo que sempre fez, porque nasceu para o fazer.
Escrito em 2006

1 comentário:

SERVIÇO SOCIAL INTERCAMBIO disse...

bom dia, em visita ao blog, acho espetacular! Não podemos deixar de ver as fotografia dos artistas da Ponte!
Mas o comentario de hoje vai para o texto Mar e Raizes! Ao mergulhar nessa leitura, em nossa mente se forma a imagem de uma artista apaixonada pela vida! Não podia ser melhor para dizer de Paula Ferro, não só por quem és! Mas pelo seu trabalho múltiplo realizado sincronicamente dentro do seu dia-dia! A arte expressada,na escrita, no desenho, na fotografia revelam os olhos do artista para o mundo!