domingo, 25 de outubro de 2009

Jornalismo - Entrevista reportagem com Teresa Patrício

in Postal do Algarve
Março 2008



(in "Geografias Variáveis" - Palácio da Galeria - Tavira)







“A arte é longa, a vida é breve”
In "Aforismos" de Hipócrates

















O trabalho da artista prende-se com o ordenamento do território





É o sul, tenho raízes e estou apaixonada por Cacela Velha







Criar harmonias e envolventes que possam favorecer essa harmonia central


Teresa Patrício começou a interessar-se por actividades criativas quando o pai lhe ofereceu uma caixa de lápis de cor, “tinha talvez três ou quatro aninhos. Os lápis de cor eram assim uma grande alegria”, faz um gesto com os braços e fala pausadamente, “depois fui fazendo coisas. Desenhos. Depois encontrei as tintas, depois chateei-me com as tintas. Então descobri a tapeçaria e foi a grande paixão” e o rosto queda-se iluminado.
Está no Algarve desde 1981 “e o que me mantém aqui é tudo. Nunca tinha pensado muito bem na minha ascendência paterna mas é um facto que ela está cá. Tenho ascendência em Silves e Alcantarilha”. Parou o olhar num ponto do infinito só dela e… “é o sul, tenho raízes e é o sul, o Mediterrâneo, é uma questão de clima e estou apaixonada por Cacela Velha”. Riu, deixando transparecer uma imensa jovialidade.
Também fez teatro, “representei com o Grupo de Teatro António Aleixo”. Em Vila Real de Sto António aconteceram dois festivais de Teatro, “um foi organizado por mim e o Nuno Osório”. Fez “fotografia para a Revista Sul, as capas. Já não existe, saíram oito números e infelizmente acabou”.
Mas, chateou-se com as tintas? Perguntei. “Sim, as tintas são um grande susto”. E voltou a rir com tranquilo ar jovial, “assustam-me muito os pincéis, sinto-me mais à vontade com o têxtil”.
No entanto mostrou vários trabalhos onde os pincéis e as tintas estão presentes, quadros pintados a pastel de óleo diluído em aguarrás sobre pano porque “gosto da textura do pano, é muito menos agressivo do que aquela tela plastificada”. Encolheu os ombros e sorriu com ar de catraia, “tenho medo, não sou pintora”.





Acordo, olho para o meu cão e digo “vamos começar um bom dia?”





Outro tipo de trabalho com tintas e pincel é o restauro criativo e reorganizado de peças de barcos que “morrem na praia”. Peças que “pintei com as suas próprias cores e outras nem sequer pintei”. Usou “esmalte dos barcos, pregos dos barcos”, materiais como os de origem. “Fiz uma recolha de Vila Real de Sto António até Olhão. Peças lindíssimas!”
Conta que “para modernizar a frota pesqueira os pescadores que queriam um subsídio da comunidade europeia com 60 por cento a fundo perdido tinham que abater o seu pequeno e velho barco de pesca, muitas das vezes património marítimo absolutamente fascinante”. Fez uma pausa e sorriu tranquilamente. “Isso levou-me a fazer um trabalho com essas peças de barcos às quais chamei ‘Os Navegantes’” e esteve exposto na Casa Azul em Cacela Velha.
O quotidiano de Teresa Patrício é simples e sadio. O seu grande companheiro é um idoso cão de água algarvio que irradia simpatia. “Acordo, olho para o meu cão e digo ‘vamos começar um bom dia? ’ Ele dá uns grandes pinotes, tomamos o pequeno-almoço e vamos até à praia, depois ponho o meu cão em casa, pego na bicicleta e vou dar um passeio. Venho então para os meus trabalhos, quotidianamente”.
Para Teresa o acto criativo não se limita ao espaço de exposição, à galeria. Apesar da aparente rotina do seu quotidiano, a sua forma de estar na vida é interventiva, criativa e tem um objectivo muito forte. “Criar harmonias e envolventes que possam favorecer essa harmonia central. O objecto central e as envolventes trabalhadas é uma coisa que me fascina muito”.
Há cerca de vinte anos atrás, fez uma instalação na praia de Cacela “uma praia deserta, não tem caixotes… tinha muito lixo. Eu e o Ricardo Baptista, tivemos um mês de Agosto, inteirinho, todos os dias, a apanhar o lixo. Delimitámos trinta mil metros quadrados entre Cacela e a Manta Rota, centrámos Cacela e limpámos tudo até ao mais pequenino pormenor, e metíamos em sacos de plástico atrás da duna.” Parou, divertida. “Havia um amigo nosso muito preocupado, ‘e se vos roubam o lixo’!?” Um riso verdadeiro assomou-se-lhe ao rosto. “Enfim, ninguém nos roubou o lixo”, um sorriso-riso de pausa, “eram mil e quinhentos sacos de lixo e fizemos a instalação que era uma cruz de tóxico, das dunas até ao mar. Havia um panfletozinho explicativo onde também agradecíamos que cada pessoa que veio à exposição levasse um ou dois saquinhos para o contentor mais próximo. A areia agradece!” Fez um gesto largo com o braço, divertida com a lembrança. “A exposição chamava-se ‘O chamamento da Areia’. Bem, a praia ficou mais limpa!”
Teresa Patrício sente que “Cacela Velha devia ser a Pérola da Ria Formosa” e “apeteceu-me fazer coisas que mantivessem essa calma que existia em Cacela, essa cal e essa harmonia”. Passou a pertencer a uma associação, “a ADRIC, Associação de Defesa, Reabilitação do Património Natural e Cultura” onde permaneceu durante vinte anos. “Era uma associação muito novinha mas já existia. Deu origem a muitos trabalhos de defesa do património: caçar caçadores de fósseis, caçadores de pássaros, as arribas… enfim, toda a envolvente natural leva a querer preservar isto ao máximo e isso foi um trabalho…” buscou o adjectivo que a rondava, “… poético!” E sorriu.
“Uma vez que o parque nem sequer tem possibilidade de ter guardas por todo o lado, isto aqui em Cacela era um santuário de tiros e de redes ali no ribeiro que é um santuário de verdade. Deu-nos algum trabalho andar à caça dos caçadores. Criámos alguns inimigos”. Por outro lado, “gente de toda a banda vinha de picareta dar cabo das margens do ribeiro para apanhar fósseis. Foi outro trabalho. Vinham até de Universidades da Europa. O mundo soube antes de nós que aqui era a jazida fóssil mais importante da Península Ibérica. Está praticamente destruída, salvo alguns sítios onde há muita vegetação”.
Cacela é um ponto com importância arqueológica. “O início da arqueologia foi uma coisa nossa. Fazer com que as entidades dessem o devido valor à arqueologia. Passaram muitos povos por aqui antes de nós. Existem marcas romanas e islâmicas. Mas toda a história de Cacela está provavelmente por desvendar uma vez que o tremor de terra de 1755 deu cabo das provas históricas que poderiam existir e depois um fogo em Vila Real de Sto António também destruiu arquivos”.



Cacela está no meu trabalho mais do que tudo.




Há que preservar e fazer viver. A casa que habita é uma prova disso. Recuperada adequando, de modo harmonioso e criativo, a resposta às necessidades actuais com a falta de espaço e a traça de sempre do edifício. Teresa gosta de raízes que prolongam e continuam a vida, de mexer nos materiais naturais, de os tratar com cuidado e preciosidade. “Descobri a cana”, exclama apontando para o tecto da parte térrea da casa, (todo o resto é escavado), tratado por ela “desde o canavial, cortar com um bisturi aquela parte da folha para não rasgar…” e prende o olhar às canas, impecavelmente tratadas, com amor e orgulho.
Contacta com outros artistas. “Infelizmente a pessoa com que me dava mais morreu, o René Bértholo. Morava aqui na Ribeira do Álamo, uma pessoa extraordinária, fazia parte do grupo dos pintores do Levante com Manuel Baptista, Jorge Martins, Costa Pinheiro, entre outros. A esposa dele, a Elna Hellwig, continua por cá e pinta, fotografa.”
Neste momento integra a exposição colectiva “Geografias Variáveis” que se encontra patente ao público no Palácio da Galeria. “O que exponho não é tapeçaria, chamo-lho ‘trapologia’ no sentido do estudo do pano pela arte. Gosto dos materiais e gosto de trabalhar com eles. Trabalho como se fosse um puzzle”. Quadros que em vez de serem construídos com tintas são construídos com pedaços de pano. Usa a máquina de costura, “começo pelo material, pela textura e pela cor. Linhos, de preferência. Isso tem-me dado a possibilidade de criar formas monocromáticas através de linhas de cosedura” vai buscar uma textura diferente, cose os panos, combina diferenças ordenadas, daí a relação entre o seu trabalho e o ordenamento do território. “Cacela está no meu trabalho mais do que tudo. A cal, as formas, os muros e as portas e as janelas e para dentro e para fora disso. Tem a ver com a paisagem natural e também com a urbana. Hoje já não podem ser separadas, temos a paisagem humanizada misturada com a paisagem natural e mais uma vez o ordenamento seria maravilhoso para não termos mais desastres como os que estão por aí à vista”.

Paula Ferro

Jornalismo - Entrevista reportagem com Patrícia Gonçalves

in Postal do Algarve
Fevereiro 2008
(in "Geografias Variáveis" -
- Palácio da Galeria - Tavira)



“A arte é o lugar da liberdade perfeita”
André Suarés




Tenho a certeza que fiz a opção correcta






Os diálogos com Bartolomeu dos Santos fizeram-me crescer









O desenho e a pintura têm o poder do prazer e da comunicação



Patrícia Gonçalves nasceu em Tavira em 1982. A tendência para a arte foi algo que foi crescendo com ela. Desde pequena que gostava de pintar, desenhar, misturar materiais, criar formas. “Quando cheguei à adolescência havia quem dissesse que o meu interesse pela pintura e por todo este mundo artístico era algo passageiro. Isso fazia-me pensar” Sorriu. “Mas a verdade é que não me via sem estar neste meio”. Fez uma pequena pausa e ofereceu-me um sorriso iluminado. “Hoje tenho a certeza que fiz a opção correcta!”
Tem bacharel em Pintura e licenciatura em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. Trabalhou com Bartolomeu Cid dos Santos no seu atelier onde aprendeu técnicas de gravura. “Mostrei-lhe o meu trabalho e ele convidou-me para trabalhar no seu atelier onde aprendi imenso com as nossas conversas e as histórias que ele me contava”. Parou um pouco como quem volta atrás nas recordações “Os diálogos entre nós fizeram-me crescer”. Sorriu com o seu peculiar jeito de menina crescida “Eu mostrava-lhe o meu ponto de vista que nem sempre era coincidente com o dele e conversávamos, como iguais,” sorriu mais uma vez, parou e ficou com ar sério, como se tivesse dito algo que não devia “apesar de eu ter uma noção bem definida das distâncias”. Fitou-me séria de modo a não deixar lugar para dúvidas. “Respeito imenso o seu percurso e o seu estatuto de Mestre que me parece quase inalcançável, sobretudo porque estou ainda no início de carreira”.
Relativamente a gravura “ainda estou a explorar as potencialidades desta técnica. Faz-me lembrar um pouco o processo da fotografia. Colocando a chapa nos ácidos, pouco a pouco vão surgindo resultados e não se sabe o que vai sair dali, só depois da prensa é que sabe. Ou seja, imagina-se e cria-se com uma ideia inicial, mas o resultado final é diferente”. Sorriu com ar de catraia, “principalmente para mim pois é uma técnica que ainda não domino, e por isso ainda não sei calcular tempos para deixar a chapa nos ácidos”. Pequena pausa. “Mas posso dizer que tenho gostado dos resultados”.






O desenho e a pintura são testemunhos da vida





Seguidamente entrou no estágio profissional na Câmara de Tavira. Trabalha no Palácio da Galeria/ Museu Municipal de Tavira, na área do Serviço Educativo. Para Patrícia Gonçalves o desenho e a pintura são testemunhos da vida. “Desde a pré-histórica que temos vestígios destas duas formas de arte com as pinturas rupestres” e deixou sair aquela expressão de quem ainda não se despegou da escola. “Já aqui podemos notar que estas duas formas de arte são testemunhos da vida. São como um livro de história porque nos permitem analisar épocas. São duas formas de arte que comunicam”. Parou como quem busca uma forma melhor de dizer as coisas “Talvez me atreva a chamar-lhes ‘ferramentas para mostrar a vida’, o visível e não visível dela” Pequena pausa. “Mostram pensamentos ocultos, acontecimentos mais infelizes ou mais felizes, críticas, etc”. Sorriu, olhou para mim e continuou, “bem, nem sempre comunicam algo. Pode apenas fazer-nos usufruir da sua estética. Esse é o poder do desenho e da pintura. Tal como outras formas de arte, têm o poder do prazer e da comunicação”.







Não me parece que exista uma ‘definição universal’ do que é considerado arte







Tentar saber o que é a arte é uma questão complexa, “é tão complexa que leva sociólogos e filósofos a ocuparem-se dela e a desenvolverem imensas teorias. A arte está em constante reflexão intelectual. É repensada, redefinida, e muito trabalhada. Não tenho a ousadia de dar uma definição de arte”. Sorriu expressando humildade, “depois também não me parece que exista uma ‘definição universal’ do que é considerado arte. Para uns, algumas obras não são consideradas arte, já para outros são. Ou seja, com este paradoxo, parece-me que há necessidade de se saber primeiro o que poderá ser classificado como obra de arte” e o discurso flúi sem paragens. “Quais são as propriedades que levam a tal. Será que a obra para ser considerada uma obra de arte tem que estar no museu? É o museu que dá estatuto à obra? Têm que ser contemplada para ser arte? Quem poderá criar uma obra de arte? Quem é considerado artista? Quem considera que um determinado ‘trabalho’ tem estatuto para ser considerado de obra de arte?” Pequena pausa. “Poderia continuar com imensas questões. Parece-me que o mais adequado seria chegar a um consenso entre entendidos desta área. O que não me parece que seja possível”. Tanta divergência deve-se “talvez ao facto de o mundo estar em constante mudança e a arte ser o ‘espelho’ da vida. Sempre mudando. Isso faz com que as teorias sobre artes, mudem com ele”. Fez uma pausa, ficou séria e esclareceu, “quando iniciei o curso de artes plásticas, pensava que me ia ser dada uma definição de arte mas não.” Pausa. “O que é certo é que aprendi diversas maneiras de reflectir sobre arte, tive conhecimentos de várias teorias, problemas que surgiram ao longo dos anos, li opiniões de diferentes pensadores sobre este assunto. Mas apenas e uma única definição, não”.




O vidro permite que tudo seja visível tal como é





Os trabalhos que apresenta na exposição colectiva intitulada “Geografias Variáveis” que se encontra patente ao público no Palácio da Galeria são fotografias, instalação e escultura. “É um trabalho límpido, branco, translúcido, requintado e até frágil, pois o vidro é um dos materiais de eleição para a realização das peças. São peças visualmente leves mas fisicamente pesadas”.
Utiliza várias matérias e materiais, mas os de maior destaque são o vidro incolor, por vezes água, luz e gesso. “A escolha do vidro e não de outro material, tem haver com a sua característica primordial, a sua transparência. Esta permite que tudo seja visível, que possamos ver além de... É um trabalho com uma mensagem de valorização pelo que é genuíno, o espontâneo, o verdadeiro. O vidro não consegue esconder, permite que tudo seja visível tal como é”. O branco do gesso também está associado à pureza. “Já em latim ‘puro’ tem um sentido material, que é puro o que é limpo, sem mancha, ou seja, sem nódoa”. Reflectiu um pouco. “Apesar de achar que a pureza, a nível do humano não existe. Mas, há sempre pessoas que não vêm o mal onde ele, de facto, não está. Pelo contrário, há muitas outras que vêm mal em toda a parte. Eu procuro valorizar o bom da vida, como uma espécie de ‘hino à vida’”.

As formas arredondadas são apelativas ao toque






A luz do dia, a luz emitida pelo sol, também é importante para a realização do seu trabalho. “A luz simboliza constantemente a vida e a felicidade, as minhas peças/instalações só vivem com luz. O vidro é um material reflectivo e absorve as energias da atmosfera em redor, envolvendo o meio onde se encontra e variando, consoante a hora do dia e até a estação do ano. Aproveito-me da luz inimitável para a realização das fotografias. A luz é o tema central das minhas fotos”.
Outra característica do trabalho apresentado nesta exposição, é o uso de formas arredondadas. “As formas arredondadas são apelativas ao toque ao passo que as pontiagudas, transmitem violência e agressividade” esclarece, “de modo geral é esta a razão da escolha das matérias e materiais para a realização do meu trabalho nesta exposição”.


Paula Ferro



































Jornalismo - Entrevista reportagem com Margarida Santos

in Postal do Algarve
Abril 2008
(in "Geografias Variáveis" - Palácio da Galeria - Tavira)

“A arte, um dos grandes valores da vida, deve ensinar aos homens humildade, tolerância, sabedoria e magnanimidade”
William Sommerset Maugham






Quando quero expressar algo tenho em conta a cor escolhida

Tanto a pintura como o desenho funcionam como catarse mas de modos diferentes.
A gravura permite-me libertar-me imenso
Margarida dos Santos nasceu em Tavira em 1968. Entrou para o Ar.Co em 1991 onde estudou Pintura, Desenho e História de Arte. Seguidamente estudou Temas de Estética e Teorias de Arte Contemporânea na Sociedade Nacional de Belas Artes. Concluiu vários outros cursos e então ingressou na Faculdade de Belas Artes onde se licenciou em Artes Plásticas – Pintura em 2002.
Começou a expor em 1993 numa colectiva do Ar.Co. A partir daí participou em diversas mostras colectivas em locais como o Museu de Angra do Heroísmo nos Açores e Casa das Artes de Tavira, entre outros. Expôs individualmente na Galeria Passage em Ayamonte, Igreja de Monsaraz e Galeria Gravura em Lisboa, entre outros locais.
Em 1995 “fiz um worshop de gravura com o Mestre Bartolomeu dos Santos na Casa das Artes de Tavira. Fui explorar técnicas de gravura que já me vinham despertando curiosidade há algum tempo, mais concretamente a textura e uma série de possibilidades dos materiais. Tirar partido da plasticidade, da técnica em si. Gostei muito”. Afirma “A gravura permite-me libertar-me imenso. Existe uma grande envolvência, e essencialmente permite-me ser mais criativa. Posso usar a fotografia, colagens, aguarela… é um conjunto de experiências que vai mais ao encontro daquilo que eu pretendo transmitir.”
Trabalhar com Bartolomeu dos Santos foi bastante gratificante e enriquecedor porque “partilha connosco as suas experiências, dialoga sobre os nossos trabalhos e fá-lo com imensa abertura. Isso incentiva-nos e ajuda a que o trabalho avance”, conta Margarida dos Santos, “fala muito sobre a influência de outros artistas no nosso trabalho e sobre as técnicas mas sublinha que estas não são mais do que meios para se chegar a algo que só se atinge se nos desligarmos do tecnicismo para outra coisa maior, a procura da nossa própria essência enquanto artistas. Isso conduz-me a uma maior reflexão sobre o meu próprio trabalho”.





Quando pinto existe uma enorme inquietação e no desenho não
No ano seguinte Bartolomeu dos Santos convidou Margarida para ser sua assistente num novo Workshop e “aí explorei um pouco mais esta forma de expressão artística. Foi nessa altura que ficou definitivamente marcado em mim o gosto pela gravura.” Em 2003/04 desenvolve a técnica da gravura na Galeria Diferença em Lisboa.
A pintura e o desenho são essenciais para o seu percurso artístico mas sente-os de modos diferentes. “Quando pinto existe uma enorme inquietação e no desenho não. O desenho permite-me deambular pelo espaço que eu crio”. Independentemente de se usar o desenho ou a pintura como suporte, o fundamental é chegar à profundidade do sentir. A música é muito importante para o seu trabalho. “Quando conseguimos mergulhar nas profundezas da própria arte na busca de tesouros invisíveis, aí está aberto o caminho para a Grande Arte É aqui que entra a música, desempenhando um papel muito importante no mundo da minha pintura. Esta funciona como um fio condutor entre o eu e a arte. Permite-me entrar no espaço criado e conduzir-me a uma maior reflexão. Ao som de Rachel’s, Maria Callas, Rodrigo Leão ou do piano de Keith Jarret, entre outros, vão surgindo novas etapas de um percurso criativo”.


O desenho é fundamental, quer a nível da estruturação do trabalho quer em termos de representação plástica

A cor é inevitável tanto no desenho como na pintura. “Bem, no desenho tento simplificar os meios. Mas, a cor transmite vibrações. Provoca em mim sensações muito fortes que chegam a ser incomodativas” e dá outra direcção ao caminho da reflexão. Impõe outro tipo de opções e de percursos. “Quando quero expressar algo tenho em conta a cor escolhida. Nada é por acaso. Isso torna a pintura mais expressiva e intensa. Quando pinto, o choque comigo mesma é inevitável porque a cor mexe em coisas ocultas, talvez ao nível do inconsciente” muito embora o uso do inconsciente no trabalho final tenha que ser feito com muita consciência. “Tanto a pintura como o desenho funcionam como catarse mas de modos diferentes porque o desenho se torna mais libertador, mais tranquilo, traz-me o encontro comigo própria. A pintura e o desenho quase que são opostos embora se toquem. Um não faz sentido sem o outro, completam-se. Na maioria dos meus trabalhos existe uma fusão entre dois”.
A nível da educação do olhar, o desenho é um mestre para todas as áreas, “é a base de tudo, é fundamental, quer a nível da estruturação do trabalho quer em termos de representação plástica”. Já a pintura “é essencialmente a representação das sensações comunicadas pelo espaço circundante. Bem, ultimamente, com os trabalhos que realizei em função de ‘Geografias Variáveis’ alterarei um pouco a minha opinião sobre o desenho. Tive sensações muito fortes. Começo a aproximar muito o desenho da pintura. Não sei mesmo se o que estou a fazer em desenho não irá ultrapassar o que experimentava antes apenas com a pintura.”
O seu trabalho pretende ter um papel de intervenção. “Quando pinto pretendo abarcar as questões contemporâneas que preocupam a humanidade, nomeadamente ambiente, guerra, sexo…. Interessa-me intervir, mexer com as consciências, essencialmente fazer pensar, sensibilizar, agitar, romper com os preconceitos”.
É importante o estudo da História de Arte porque todos os artistas recebem influências. “A presença constante dos artistas alemães no meu percurso surgiu quase de forma imediata. Inicialmente, aderindo inconscientemente. Hoje percebo que é pela sua força transmitida numa expressividade quase teatral”, explica. “Percursores que vão ao encontro da minha forma de pensar a arte? Vários, Anselm Kiefer, Gerard Richter, Joseph Beuys, William Kentridge, Luc Tuymans, Kiki Smiths e outros”.
Ultimamente “tenho enveredado pelo caminho do design gráfico e ilustração sem deixar de lado as artes plásticas. Tenho vindo a fazer formação nestas áreas, nomeadamente o Workshop de ilustração no AR.CO com Daniel Lima, ‘História da Ilustração’ com Jorge Silva, e ‘Design Gráfico’ em diversas instituições”.

Tenho feito imensas descobertas, essencialmente na exploração das novas tecnologias

Colabora em Lisboa com uma agência de talentos criativos (WHO) com ilustração e Design Gráfico, “tenho feito imensas descobertas, essencialmente na exploração das novas tecnologias que afinal de contas são o futuro e também servem de suporte para o meu trabalho plástico”.
Participou durante três anos consecutivos no Concurso de Ilustração da ETIC (Escola Técnica de Imagem e Comunicação). Ilustrou o “Clube da Poetisa Morta” Adília Lopes editado na Alemanha, assim como diversas capas de livros para o GEOTA (Associação Ambientalista) entre outros projectos gráficos.
“Colaborei com o arqueólogo João Caninas no âmbito da pesquisa documental sobre património arqueológico e etnológico na linha de metro entre o Lumiar e o aeroporto de Lisboa. Neste momento participo da exposição colectiva intitulada “Geografias Variáveis” para a qual fui convidada pelo Dr. Jorge Queiroz que se encontra no Palácio da Galeria em Tavira. Preparo também uma exposição de pintura na Alemanha (Dusseldorf). Paralelamente desenvolvo uma série de projectos gráficos no âmbito de colaborações com o departamento sócio-cultural da Câmara Municipal de Tavira e em trabalhos da Associação Campo Arqueológico de Tavira”.

Paula Ferro

Jornalismo - momentos marcantes- Casa das Artes de Tavira

in Postal do Algarve

Junho 2008


Dois olhares diferentes sobre o Algarve


O poético e o crítico completam-se no mesmo lugar
A Casa das Artes de Tavira iniciou a época “Verão-2008” no passado sábado pelas 22 horas com a inauguração de duas exposições de fotografia: “Portobello” de Patrícia Almeida e “Doce Sal” de Catarina Mendes. O tema explorado pelas fotógrafas é o Algarve.
“Portobello” de Patrícia Almeida debruça-se sobre os não lugares associados ao turismo de massa. Trata-se de uma série de fotografias realizadas no Algarve entre 2005 e 2007. Tal como acontece com nomes como «Acapulco», «Tahiti» ou «Éden», «Portobello» procura evocar um imaginário exótico genérico geralmente associado a uma ideia de natureza virgem e paradisíaca assim como às “insígnias luminescentes” de discotecas, bares, hotéis e outros registos das férias no Alagrve. O que incentiva Patrícia a este trabalho “começou por esse interesse sobre o que são as férias, esta coisa do tempo morto, um tempo para onde vamos para não fazer nada. Apagar o que está para trás. Sem passado, sem futuro, só para estar, para se viver o presente”. Conta a fotógrafa ao POSTAL.
Patrícia Almeida dá-nos uma ideia clara do que representa o Algarve para muitos turistas, um mundo artificial desligado de uma realidade particular para que seja permitido viver fantasias em segurança. Por outro lado Patrícia dá-nos também uma visão mordaz e irónica, “quase Parriana”, de uma zona do país e da forma como a reconstrução do espaço, a urbanização, é encarada . “Como se continua a construir desenfreadamente? Como é que ainda há espaço?” Questiona.
Em simultâneo, “Doce Sal” de Catarina Mendes, explora a magia do sal, a ambivalência que o faz balançar entre o sombrio e o solar, entre o que escurece e o que ilumina. Um percurso poético por várias características do sal.
Dois conjuntos de fotografias que apresentam duas formas diferentes e originais de olhar para o mesmo espaço. Duas formas diferentes de expressão sobre o mesmo tema, usando o mesmo suporte. Com caminhos e visões diferentes, dois olhares especiais e interessantes que nos ajudam a repensar o nosso espaço podem ser vistos na Casa das Artes de Tavira até 1 de Agosto, todos os dias, das 21 e 30 até às 0 e 30 horas. E depois, outras surpresas se seguirão.
Para mais informações pode consultar http://www.acasadasartes.com.
Paula Ferro

Jornalismo - momentos marcantes - Casa das Artes de Tavira

in Postal do Algarve
Junho de 2007



Casa das Artes de Tavira abriu a sua época de exposições







Exposição colectiva de fotografia, escultura, desenho, gravura e vídeo






Tibéria Rosa (à esquerda) e Nada Mandelbaum





Nada Mandelbaum com fotografia analógica a cores e a preto e branco


A Casa das Artes de Tavira abriu a sua época de exposições com uma exposição de fotografia da alemã Nada Mandelbaum e com a dupla de escultores portugueses Miguel Martinho e José Macedo Rodrigues no passado sábado pelas 21 e 30 horas.
Nada Mandelbaum nasceu em Dusseldorf /Alemanha onde estudou dança clássica nas escolas de bailado von Bulow e Pergel, a partir dos anos 80 Modern-Dance, Jazz, Afro, Dança Teatro e Butoh com Kazuo Ohno no Japão. Em 1979 licenciou-se em Arte na Escola Superior de Pedagogia em Neuss/Alemanha. Desde 1985 fez espectáculos de dança em Dusseldorf, Mettmann, Ratingen, Bruxelas e Nova York. Em Portugal fez performances na Galeria Trem, em Faro, na Quinta da Arte e na Casa das Artes em Tavira. Faz fotografia, pintura e cerâmica deste 1983.
A sua máquina fotográfica é um prolongamento de si própria. Através dela fixa momentos que são etapas da história da região onde vive actualmente, dos locais e por onde passa quotidianamente. A actual exposição é formada por um conjunto de fotografias em formato analógico seleccionadas entre muitas que foi tirando ao longo dos anos 2002/2003 e mostram a transformação da paisagem ao lado da EN 125, entre Faro e Olhão. São apresentadas fotografias a cores e a preto e branco. “A beleza é a cores, o mundo antigo do Algarve, os valores arquitectónicos, as casas antigas que nos atraem e vão desaparecer”, revela a artista ao Postal do Algarve, “depois vem o preto e branco que mostra o que vai aparecer a seguir: o betão, os gradeamentos, o mundo da industrialização que não têm a beleza da arquitectura tradicional que está desaparecendo e que está apresentada a cores.” A artista neste momento está trabalhando sobretudo em pintura, tem outra série de fotografias pronta a ser mostrada mas ainda não sabe exactamente onde as vai apresentar.

Miguel Martinho “mais uma tentativa de chamar a atenção para o estado do mundo”


Miguel Martinho, José Delgado Martins e José Macedo Rodrigues


Outra sala é ocupada pelos escultores Miguel Martinho e José Macedo Rodrigues com um projecto de escultura, gravura, desenho e vídeo intitulado “O pano a cair azul”.
Miguel Martinho realizou em 2003 a exposição “Redes Neuronais Artificiais” na Casa das Artes de Tavira, participou em 2005 na XIV Galeria Aberta do Museu Jorge Vieira em Beja e na Bienal de Gravura do Douro em Alijó. Em 2006 foi convidado a participar com um trabalho de vídeo na exposição 50 anos de Gravura em Portugal, Tavira/Lisboa.
José Macedo Rodrigues conta com cerca de 40 exposições colectivas e alguns prémios. Além das colecções privadas está representado em algumas institucionais: Centro de Arte Contemporânea – Palácio da Cerca (Almada), Caixa de Crédito Agrícola de Estremoz, Direcção Regional dos Assuntos Culturais – Secretaria Regional do Turismo e Cultura Funchal, Casa do Sal – Angra do Heroísmo, Casa da Cultura do Município de Santa Cruz – Madeira, Centro Cultural John dos Passos – Madeira.
Para Miguel Martinho há a necessidade de apelar à reflexão sobre a evolução, sobre o que o Ser Humano continua a fazer ao mundo em que vive. “Milhares de anos de evolução tecnológica entregues à sofisticação do fim. A cada dia que passa o ar que respiramos torna-se mais letal. Aparente inocência de insidiosa mercadoria, formatando mentalidades. Energia aplicada no desenvolvimento bélico é negra, visa a destruição. Já conseguimos abalar o equilíbrio precário de demasiados ecossistemas.” É o modo como anuncia o conjunto dos seus trabalhos.
Os dois escultores colaboram em termos técnicos, juntam-se uma vez por mês para desenvolverem trabalhos de fundição em conjunto mas cada um tem o seu caminho individual e os seus objectivos pessoais.
“Em certas coisas trabalhamos juntos, nós fundimos juntos”, explica Miguel Martinho ao Postal do Algarve, “isto é fundido pelos próprios. O facto de se dominar a tecnologia da fundição vai permitir que o resultado seja totalmente diferente do que se fosse uma peça feita e mandada passar a gesso por outras pessoas.” Para Miguel faz todo o sentido que a arte seja uma reflexão sobre a sociedade “nós vivemos tempos que são terríveis e isto no fundo é mais uma tentativa de chamar a atenção para o estado do mundo”, esclarece o escultor “isto no fundo são ruínas do futuro. Estes cavalos são os quatro cavalos do Apocalipse. Os nomes dos canhões são todos muito queridos. Isto é a ironizar no fundo com o grande flagelo que é a guerra e se passa todos os dias no mundo.”

José Macedo Rodrigues em busca de si próprio no universo medieval



José Macedo Rodrigues percorre um caminho diferente dentro da arte. “O vocabulário dos símbolos compõe-se, diversifica-se, segundos critérios de representação gráfica e formal, onde um tipo de comunicação visual se gera, se desenvolve, e se movimenta. Articula-se não em ordem a uma quantidade de registos repetidos, mas segundo uma desfocagem do mundo concreto, a determinação de um efeito global de imagens eficazmente activas, semiabstractas, abertas ao controlo do olhar, que nos fornece desta realidade uma perspectiva dinâmica, e onde as referências anteriores do visível vão perdendo o nexo narrativo”. Assim define o escultor o trabalho que expõe.
“A pretensão de fazer este tipo de objectos, desenhos ou esculturas, não é propriamente transmitir uma mensagem, faço-os para mim, é o mundo que eu invento para mim”, confessa o escultor ao Postal do Algarve, “é uma busca de uma imagética, neste caso particular com a ajuda de símbolos, de ícones na construção de uma linguagem mas para mim”. O artista tem um trabalho muito mais individualista “em busca de mim próprio” e é fascinado pelos ambientes, símbolos e mistérios medievais.
Esta exposição está patente ao público, todos os dias, das 21 e 30 horas às 00 e 30 horas, até dia 20 do corrente mês.

Paula Ferro

Jornalismo- Momentos marcantes



in "Postal do Algarve"


Fevereiro de 2008






“Lápis” de Paulo Serra no Palácio da Galeria


Paulo Serra mostra a vergonha que não é falada









“Lápis” intitula-se a exposição de Paulo Serra inaugurada no passado sábado no Palácio da Galeria. Desenhos de figuras humanas, paisagens urbanas e algumas colagens podem ser vistas nesta exposição individual.
Desde 2002 dedica-se sobretudo ao desenho porque “é um material com diversas possibilidades e acrescenta muito mais ao meu trabalho do que a cor. Torna-o mais lúcido”, afirma Paulo Serra ao Postal do Algarve, “O meu desenho é uma investigação. Onde é que estou? Como é que sou? É uma provocação a mim próprio e ao mesmo tempo é uma verdade que acrescento a mim”. Trabalha diariamente, compulsivamente. “Há momentos em que me afasto e só volto ao trabalho quando me sinto intimamente preparado para retomar essa provocação”, afirma.
Sedento por ver trabalhos de outros artistas, trocar ideias e experiências gosta de História de Arte. “Com Van Gogh aprendi a percorrer o caminho que é só meu.” Sempre foi curioso. O desconhecido atrai-o. “Lobo Antunes diz ‘não entres tão depressa nessa noite escura’. Eu vou muito depressa para esse desconhecido e isso reflecte-se no meu trabalho”.
É possível “desenhar o vento, o cheiro da maçã, o aroma do charuto…Penso: Qual é o melhor material? Qual é a melhor maneira de desenhar? Qual é o melhor estado mental? No fundo as sensações são imagens mentais que mais ou menos se elaboram e que vêm do coração, da razão, vêm do lado mais calmo ou mais instável… Como se está nesse momento? Qual é a história de vida? Tudo isso influencia a imagem mental que se cria e vai ser processada pela mão. A mão é física mas ao mesmo tempo é afectiva. Com a mão se afaga uma criança, a nossa mãe ou uma mulher e tudo isso tem relações ou conexões com a nossa maneira de fazer. Quando mostro um desenho também mostro a maneira como o faço”.
Os seus desenhos não deixam o espectador indiferente porque “há coisas que não são faladas. A vergonha não é falada. Eu mostro essa vergonha que não é falada”.
Esta exposição está patente ao público no Palácio da Galeria até dia 8 de Março. O Palácio da Galeria está aberto de terça a sábado das 10 horas às 12 e 30 e das 14horas às 17 e 30.

Paula Ferro