Março 2008
(in "Geografias Variáveis" - Palácio da Galeria - Tavira)
“A arte é longa, a vida é breve”
In "Aforismos" de Hipócrates
O trabalho da artista prende-se com o ordenamento do território
É o sul, tenho raízes e estou apaixonada por Cacela Velha
Criar harmonias e envolventes que possam favorecer essa harmonia central
Teresa Patrício começou a interessar-se por actividades criativas quando o pai lhe ofereceu uma caixa de lápis de cor, “tinha talvez três ou quatro aninhos. Os lápis de cor eram assim uma grande alegria”, faz um gesto com os braços e fala pausadamente, “depois fui fazendo coisas. Desenhos. Depois encontrei as tintas, depois chateei-me com as tintas. Então descobri a tapeçaria e foi a grande paixão” e o rosto queda-se iluminado.
Está no Algarve desde 1981 “e o que me mantém aqui é tudo. Nunca tinha pensado muito bem na minha ascendência paterna mas é um facto que ela está cá. Tenho ascendência em Silves e Alcantarilha”. Parou o olhar num ponto do infinito só dela e… “é o sul, tenho raízes e é o sul, o Mediterrâneo, é uma questão de clima e estou apaixonada por Cacela Velha”. Riu, deixando transparecer uma imensa jovialidade.
Também fez teatro, “representei com o Grupo de Teatro António Aleixo”. Em Vila Real de Sto António aconteceram dois festivais de Teatro, “um foi organizado por mim e o Nuno Osório”. Fez “fotografia para a Revista Sul, as capas. Já não existe, saíram oito números e infelizmente acabou”.
Mas, chateou-se com as tintas? Perguntei. “Sim, as tintas são um grande susto”. E voltou a rir com tranquilo ar jovial, “assustam-me muito os pincéis, sinto-me mais à vontade com o têxtil”.
No entanto mostrou vários trabalhos onde os pincéis e as tintas estão presentes, quadros pintados a pastel de óleo diluído em aguarrás sobre pano porque “gosto da textura do pano, é muito menos agressivo do que aquela tela plastificada”. Encolheu os ombros e sorriu com ar de catraia, “tenho medo, não sou pintora”.
Está no Algarve desde 1981 “e o que me mantém aqui é tudo. Nunca tinha pensado muito bem na minha ascendência paterna mas é um facto que ela está cá. Tenho ascendência em Silves e Alcantarilha”. Parou o olhar num ponto do infinito só dela e… “é o sul, tenho raízes e é o sul, o Mediterrâneo, é uma questão de clima e estou apaixonada por Cacela Velha”. Riu, deixando transparecer uma imensa jovialidade.
Também fez teatro, “representei com o Grupo de Teatro António Aleixo”. Em Vila Real de Sto António aconteceram dois festivais de Teatro, “um foi organizado por mim e o Nuno Osório”. Fez “fotografia para a Revista Sul, as capas. Já não existe, saíram oito números e infelizmente acabou”.
Mas, chateou-se com as tintas? Perguntei. “Sim, as tintas são um grande susto”. E voltou a rir com tranquilo ar jovial, “assustam-me muito os pincéis, sinto-me mais à vontade com o têxtil”.
No entanto mostrou vários trabalhos onde os pincéis e as tintas estão presentes, quadros pintados a pastel de óleo diluído em aguarrás sobre pano porque “gosto da textura do pano, é muito menos agressivo do que aquela tela plastificada”. Encolheu os ombros e sorriu com ar de catraia, “tenho medo, não sou pintora”.
Acordo, olho para o meu cão e digo “vamos começar um bom dia?”
Outro tipo de trabalho com tintas e pincel é o restauro criativo e reorganizado de peças de barcos que “morrem na praia”. Peças que “pintei com as suas próprias cores e outras nem sequer pintei”. Usou “esmalte dos barcos, pregos dos barcos”, materiais como os de origem. “Fiz uma recolha de Vila Real de Sto António até Olhão. Peças lindíssimas!”
Conta que “para modernizar a frota pesqueira os pescadores que queriam um subsídio da comunidade europeia com 60 por cento a fundo perdido tinham que abater o seu pequeno e velho barco de pesca, muitas das vezes património marítimo absolutamente fascinante”. Fez uma pausa e sorriu tranquilamente. “Isso levou-me a fazer um trabalho com essas peças de barcos às quais chamei ‘Os Navegantes’” e esteve exposto na Casa Azul em Cacela Velha.
O quotidiano de Teresa Patrício é simples e sadio. O seu grande companheiro é um idoso cão de água algarvio que irradia simpatia. “Acordo, olho para o meu cão e digo ‘vamos começar um bom dia? ’ Ele dá uns grandes pinotes, tomamos o pequeno-almoço e vamos até à praia, depois ponho o meu cão em casa, pego na bicicleta e vou dar um passeio. Venho então para os meus trabalhos, quotidianamente”.
Para Teresa o acto criativo não se limita ao espaço de exposição, à galeria. Apesar da aparente rotina do seu quotidiano, a sua forma de estar na vida é interventiva, criativa e tem um objectivo muito forte. “Criar harmonias e envolventes que possam favorecer essa harmonia central. O objecto central e as envolventes trabalhadas é uma coisa que me fascina muito”.
Há cerca de vinte anos atrás, fez uma instalação na praia de Cacela “uma praia deserta, não tem caixotes… tinha muito lixo. Eu e o Ricardo Baptista, tivemos um mês de Agosto, inteirinho, todos os dias, a apanhar o lixo. Delimitámos trinta mil metros quadrados entre Cacela e a Manta Rota, centrámos Cacela e limpámos tudo até ao mais pequenino pormenor, e metíamos em sacos de plástico atrás da duna.” Parou, divertida. “Havia um amigo nosso muito preocupado, ‘e se vos roubam o lixo’!?” Um riso verdadeiro assomou-se-lhe ao rosto. “Enfim, ninguém nos roubou o lixo”, um sorriso-riso de pausa, “eram mil e quinhentos sacos de lixo e fizemos a instalação que era uma cruz de tóxico, das dunas até ao mar. Havia um panfletozinho explicativo onde também agradecíamos que cada pessoa que veio à exposição levasse um ou dois saquinhos para o contentor mais próximo. A areia agradece!” Fez um gesto largo com o braço, divertida com a lembrança. “A exposição chamava-se ‘O chamamento da Areia’. Bem, a praia ficou mais limpa!”
Teresa Patrício sente que “Cacela Velha devia ser a Pérola da Ria Formosa” e “apeteceu-me fazer coisas que mantivessem essa calma que existia em Cacela, essa cal e essa harmonia”. Passou a pertencer a uma associação, “a ADRIC, Associação de Defesa, Reabilitação do Património Natural e Cultura” onde permaneceu durante vinte anos. “Era uma associação muito novinha mas já existia. Deu origem a muitos trabalhos de defesa do património: caçar caçadores de fósseis, caçadores de pássaros, as arribas… enfim, toda a envolvente natural leva a querer preservar isto ao máximo e isso foi um trabalho…” buscou o adjectivo que a rondava, “… poético!” E sorriu.
“Uma vez que o parque nem sequer tem possibilidade de ter guardas por todo o lado, isto aqui em Cacela era um santuário de tiros e de redes ali no ribeiro que é um santuário de verdade. Deu-nos algum trabalho andar à caça dos caçadores. Criámos alguns inimigos”. Por outro lado, “gente de toda a banda vinha de picareta dar cabo das margens do ribeiro para apanhar fósseis. Foi outro trabalho. Vinham até de Universidades da Europa. O mundo soube antes de nós que aqui era a jazida fóssil mais importante da Península Ibérica. Está praticamente destruída, salvo alguns sítios onde há muita vegetação”.
Cacela é um ponto com importância arqueológica. “O início da arqueologia foi uma coisa nossa. Fazer com que as entidades dessem o devido valor à arqueologia. Passaram muitos povos por aqui antes de nós. Existem marcas romanas e islâmicas. Mas toda a história de Cacela está provavelmente por desvendar uma vez que o tremor de terra de 1755 deu cabo das provas históricas que poderiam existir e depois um fogo em Vila Real de Sto António também destruiu arquivos”.
Cacela está no meu trabalho mais do que tudo.
Há que preservar e fazer viver. A casa que habita é uma prova disso. Recuperada adequando, de modo harmonioso e criativo, a resposta às necessidades actuais com a falta de espaço e a traça de sempre do edifício. Teresa gosta de raízes que prolongam e continuam a vida, de mexer nos materiais naturais, de os tratar com cuidado e preciosidade. “Descobri a cana”, exclama apontando para o tecto da parte térrea da casa, (todo o resto é escavado), tratado por ela “desde o canavial, cortar com um bisturi aquela parte da folha para não rasgar…” e prende o olhar às canas, impecavelmente tratadas, com amor e orgulho.
Contacta com outros artistas. “Infelizmente a pessoa com que me dava mais morreu, o René Bértholo. Morava aqui na Ribeira do Álamo, uma pessoa extraordinária, fazia parte do grupo dos pintores do Levante com Manuel Baptista, Jorge Martins, Costa Pinheiro, entre outros. A esposa dele, a Elna Hellwig, continua por cá e pinta, fotografa.”
Neste momento integra a exposição colectiva “Geografias Variáveis” que se encontra patente ao público no Palácio da Galeria. “O que exponho não é tapeçaria, chamo-lho ‘trapologia’ no sentido do estudo do pano pela arte. Gosto dos materiais e gosto de trabalhar com eles. Trabalho como se fosse um puzzle”. Quadros que em vez de serem construídos com tintas são construídos com pedaços de pano. Usa a máquina de costura, “começo pelo material, pela textura e pela cor. Linhos, de preferência. Isso tem-me dado a possibilidade de criar formas monocromáticas através de linhas de cosedura” vai buscar uma textura diferente, cose os panos, combina diferenças ordenadas, daí a relação entre o seu trabalho e o ordenamento do território. “Cacela está no meu trabalho mais do que tudo. A cal, as formas, os muros e as portas e as janelas e para dentro e para fora disso. Tem a ver com a paisagem natural e também com a urbana. Hoje já não podem ser separadas, temos a paisagem humanizada misturada com a paisagem natural e mais uma vez o ordenamento seria maravilhoso para não termos mais desastres como os que estão por aí à vista”.
Paula Ferro
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