Abril de 2007
Roland Barthes in “A Câmara Clara”
Jorge Côrte-Real nasce praticamente com uma máquina fotográfica nas mãos. O negócio de família na fotografia vem de Angola faz mais de 60 anos. Começou com um tio paterno que mais tarde passa o negócio a seu pai (hoje com 80 anos). Já em Portugal, passa para o seu irmão mais velho (já falecido). Actualmente encontra-se nas suas mãos. Como profissional começou a “dar ao dedo” em velhas maquinetas analógicas aos 14 anos. Na firma, inicialmente a sua tarefa era mais parecida com a pintura. Limitava-se a retocar os positivos de fotografia. Não apenas as de maiores dimensões como era habitual, mas em todos os tamanhos devido ao perfeccionismo do pai. Apesar de ser um trabalho mais de pintura do que de fotógrafo, entusiasmou-o e agudizou a sua paixão pela imagem.
Depois do 25 de Abril “caí em Olhão por acaso. O meu pai é natural de Ermesinde mas como na altura não havia lá lugar para nós, acabámos por rumar ao Algarve. Naquela altura mandar revelar um rolo de fotografias a cores demorava no mínimo uma semana. Eram todos revelados em Lisboa. O meu pai abriu o primeiro laboratório a cores no Algarve para onde passaram a ser encaminhadas quase todas as revelações da região. Trabalhávamos praticamente 20 horas por dia. Quase todo o trabalho era artesanal”. Nessa altura os Côrte-Real já tinham preocupações ambientais. “Os químicos não eram despejados directamente nos esgotos. Eram previamente filtrados. O processo permitia não só evitar descargas poluentes mas também a recuperação da prata existente na película fotográfica que era posteriormente vendida, o que nos proporcionava uma mais valia. Hoje em dia temos de pagar a empresas para a recolha das soluções químicas.”
- Desculpem interromper. Isto é uma entrevista?
- É!
- Para que jornal?
- Para o “Postal do Algarve”!
- Mas como? Eu também venho fazer uma entrevista para o “Postal”. Há aqui qualquer coisa que não bate certo!
- Problema seu... o meu está praticamente resolvido.
- Mas o que não está é o meu...
- “Desculpem, não tenho nada a ver com isso nem quero ser mal educado, mas ou fazem mais perguntas ou vou-me embora. Tenho mais que fazer!”
Regista Olhão, o Algarve e as suas gentes há mais de 30 anos.
Jorge Côrte-Real regista Olhão, o Algarve e as suas gentes, em película, até hoje. Isso resulta num espólio considerável. Um testemunho histórico importante que já merecia ser estudado e publicado. No seu deambular de mais de 30 anos pelas ruas desta cidade foi captando imagens do que já não existe e daqueles que já cá não estão. Muitas personagens típicas desta cidade só continuam a existir graças às suas películas religiosamente guardadas.
A primeira exposição de fotografia em que Jorge participa foi uma colectiva em Olhão em 1981, num antigo café à data abandonado, onde hoje funciona a dependência do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. Exposição que na altura se saldou por um sucesso de público calculado em alguns milhares de pessoas.
Em “A Semana Santa do Senhor Morto em Olhão” - fotos nocturnas de 1984- as fotografias são impressas em tela de modo artesanal, o que lhes confere um ar quase “sobrenatural” quando a cor e o brilho da textura da tela se misturam. Todo o processo é manual, desde a captação das imagens sem flash, até às molduras que ele próprio cola e pinta.
- Desculpe mas agora sou eu a fazer a pergunta!
- Como queira, desde que não me atrapalhe!
- Ora querem lá ver!?
- “Ou se entendem ou vou-me mesmo embora!... Santa paciência!”
Possui material e conhecimentos para ampliar fotos em grandes dimensões
Possuidor de diverso material que possibilita ampliações de grandes dimensões em papel fotográfico, mantém-no guardado numa cave do seu antigo laboratório em Olhão, Jorge Côrte-Real confidencia que consegue “revelar fotos de 3 por 5 metros. Hoje em dia não sei se haverá mais alguém em Portugal com capacidade ou conhecimentos para fazer ampliações tão grandes. Há alguns anos havia laboratórios que o faziam mas agora não sei se haverá.” Truques que aprendeu na mestria do ofício e lhe permitem, utilizando pequenas tinas, revelar fotografias de grandes dimensões. Um segredo que guarda só para si: “há pessoas que têm noções de fotografia e quando vêem fotografias grandes dizem: ‘Isto teve que ser no chão, teve que ser na banheira!’ Não é nada disso! A ampliação faz-se na parede e a revelação em tinas pequenas. São trabalhos que dão muito gozo mas que hoje raramente faço por falta de tempo. Estou sozinho no negócio. O meu pai já tem 80 anos, está reformado, o meu irmão faleceu. Tenho mais irmãos que gostam de fotografia mas não se dedicam a ela profissionalmente”.
A firma Côrte-Real foi das últimas a aderir ao formato digital sem ter abandonando o analógico. Prova disso é que as reportagens efectuadas pelo Jorge ainda são feitas em filme e só depois passadas para digital. Diz-nos com alguma mágoa que “no dia em que a película a preto e branco acabar, a fotografia para mim e para outros que eu conheço, acaba também. A fotografia analógica tem magia! É uma lente mágica! Quando deixar de haver o “material fotográfico sensível” a fotografia morre, perde o interesse.”
Não somos pessimistas ao ponto de pensar que a fotografia acabará quando se deixar de fotografar em película ou quando se deixar de revelar em papel fotográfico. A prova disso mesmo é existirem artistas como ele. E enquanto existirem artistas tão sensíveis e imensamente grandes na sua simplicidade como Jorge Côrte-Real uma coisa é certa: as coisas que eles fizeram ou vierem a fazer, quer queiramos ou não, ficarão para sempre guardados em filme, ou em fotografias amareladas pelo tempo, muito para lá da nossa memória colectiva.
- Só por curiosidade, quem assina a entrevista?
- Claro que sou eu!
- Tu... E porque não eu?
- Porque estou há mais tempo no jornal e porque fui eu quem começou a entrevistar o Jorge.
- Pois vê-se pelos cabelos brancos! Mas também pelo que escreves... não aprendeste nada.
- “Basta! Xau até depois. Mas que seca de entrevista!”
- Jorge... Jorge? Espera lá, Jorge... ainda não...
- Olha, foi-se embora! Tinhas mais alguma pergunta para fazer?
- Eu não. E tu?
- Eu também não... que se lixe! Fica assim...
Paula Ferro versus Henrique Estêvão
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