quinta-feira, 28 de maio de 2009

Entrevista/reportagem com Jorge Rodrigues

in ".S" - Caderno de Artes
do "Postal do Algarve"
Fevereiro de 2009




A arte não imita, interpreta.”
in "Note Azzurre" de Carlo Dossi



Jorge Rodrigues
persistir e acreditar na própria genialidade


Jorge Rodrigues cresceu na Raposeira, uma terrinha a cerca de 20Kms de Lagos onde o mistério está instalado no ar e o peso da história reside nos gestos das gentes que a habitam. Desde que se conhece, o desenho e a pintura fazem parte do seu quotidiano. “É uma coisa natural em mim”. É curioso, gosta de experimentar. Enquanto aluno do secundário fez teatro e esteve ligado a diversas iniciativas que se prendiam com as artes plásticas. Depois, “Lagos, sempre teve muita força a nível das artes, muitos artistas passaram por lá”. Gosta de aprender com quem sabe, por isso colaborou com artistas de renome internacional, “o artista aprende com o mestre. As escolas afinal são recentes”.
No início da década de 90 decidiu estudar artes e a partir dos encontros que foi tendo apercebeu-se “que realmente no Ar.Co é que estavam os grandes mestres”.
Em 1994 era aluno do Ar.Co (Centro de Arte e Comunicação Visual) em Lisboa, onde se entregou afincadamente ao trabalho.
“Quando vou pintar, penso sempre que esta tela vai ser a melhor de todas”. Cria metas a si próprio, estimula-se, “tenho que ter um objectivo alto para me motivar e conseguir trabalhar”.
A sua máxima é: “quanto mais trabalhar, melhor conseguirei atingir os meus objectivos”. Não se permite a preguiças e acredita que “a inspiração não faz nada. Dá ideias, e é com o trabalho que ela se espevita. A inspiração acontece com o músculo do trabalho e depois torna-se viciante. Não consigo passar muitos dias sem pintar”.
Em 2000 terminou o Curso avançado de Artes Plásticas no Ar.Co e desde então já participou de diversas exposições em Portugal e no estrangeiro. Está representado em várias colecções públicas e privadas das quais se citam o Banco de Espanha, a Galeria Filomena Soares em Lisboa, a Fundação EDP, a Fundação Arzpar Szenes/Vieira da Silva em Lisboa e o Hammersith Hospital em Londres.

O azul do silêncio, do infinito, do caminho para a claridade

Neste momento está patente ao público uma exposição de Jorge Rodrigues no Centro Cultural de Lagos intitulada “Silencescapes”.
“A exposição apresenta-alberga alguns trabalhos realizados recentemente. Trinta desenhos em formatos idênticos que foram criados para este projecto e percorrem metricamente todo o espaço. Estes são confrontados por pinturas sobre tela em formato maior que, cromaticamente, oferecem ao olho de quem passa e ao espaço, a consagração da cor. Estas telas levam-nos o caminhar até à última sala onde estão seis desenhos de referência, de trajectória”, obras mais antigas que nos fazem entender um percurso condutor, o caminho de um sentir. E é aqui, afinal, que começa a exposição, “quando se faz o percurso em sentido contrário”. À porta, “estrategicamente colocada à saída que é entrada”, uma tela, “a primeira e a última imagem que se tem da exposição” e “funciona como quadro eléctrico onde tudo se liga energeticamente”.
O propósito da exposição são os trabalhos sobre papel, são eles que “ lhe dão o título. Os outros complementam-nos embora também façam parte dessa solução”. Estes, “cada um tem o seu espaço, tempo e decomposição diferentes que formam ritmos entre si e no todo. Depois há a cor, de silêncio, a mesma cor de milésimas variações de tonalidade, o zoom da escala de cada cor. O azul, que os une em sintonia, aquele azul, das profundezas da cor, da transparência, do vazio exacto, puro e frio. O azul do silêncio, do infinito, do caminho para a claridade”.
Os azuis de Jorge Rodrigues deixam-nos presos a um tempo sem tempo, a um espaço sem espaço, num navegar em estado zen que nos transporta para dentro e para fora em simultâneo. E em paz.

Definir a arte é colocar-lhe limites e ela não os tem.

“O meu próprio olhar como fazedor de pintura e inventor de imagens começou pela paisagem. No início a terra enchia a tela e depois o céu foi crescendo. Fui dando mais importância ao céu, e depois houve uma altura em que deixei de me preocupar”, sorri e um pedaço do céu assoma-se do seu olhar. “É como o mapa da evolução humana, o homem vai-se levantando, vai-se aproximando do céu…”, faz o gesto de como o macaco se faz homem, e abre os braços, como quem já sabe voar.
Mas a sua terra é muito importante para a poética do seu trabalho, para a poética do seu sentir. A terra onde foi aprendendo a ser e a olhar “é finisterra em fim de mundo, é a divina comédia do vento. Onde o mar se ergue, determinante, explodindo de alegria, ao esculpir suas pedras como se de um espectáculo pirotécnico se tratasse”. Há ventos coloridos a correr pelos pigmentos do olhar. “A adrenalina das nuvens, as nuvens das ilusões, do anunciar. O movimento não uniforme, acelerado”. Pequenas pausas acontecem mas as imagens quase se atropelam e adiantam a melodia da voz. “A vegetação que se agita espevitadamente, direccionando e inclinando a verticalidade dos seus traços, proclamando o caminho pró sul”. Um cintilar interior invade o olhar de sorrir. “Em que o fantástico faz 360 graus no que é possível a retina reter em cada ser humano ou ‘coisa’ que capte imagem. Valores tempestivamente intemporais, que sinto de sentir e funcionam na minha pele, no meu corpo, quando me aproximo, e na memória, quando me afasto”.
Este sentir embala-lhe as pinceladas e as suas obras deixam em nós a sensação de uma espécie de concórdia acesa.
O palmilhar do seu trabalho “é espontâneo”. Tanto pode ser “devida e minuciosamente projectado” como pode acontecer “sem projecto algum”.
Para o Jorge, “a estética é formada/dividida por conceitos como beleza, equilíbrio, harmonia, forma. Conceitos que, ao longo da história, sempre estiveram intimamente ligados à arte”. Mas a arte é muito mais do que isso. “É valor acrescentado, é habilidade, consciência…” e não se define, porque “definir equivale a delimitar. Definir a arte é colocar-lhe limites e ela não os tem. Jamais poderia tê-los”.
O seu trabalho prende-se com a sua “(sobre) vivência mental e física enquanto ser humano. O ser conduzido por absoluta necessidade interior do fazer, do continuar”.
O seu lema é “ser perseverante, estar preparado para o reagir do tempo, das massas planetárias, mais, menos, muito ou pouco interessadas ou esclarecidas, que de algum modo têm acesso ao trabalho”.
Acredita que “há um artista em cada homem” e o mais importante “é persistir e acreditar na própria genialidade”.


Paula Ferro

Sem comentários: