terça-feira, 8 de setembro de 2009

Entrevista - Reportagem com Rui Martins




in "Postal do Algarve"


Agosto de 2007








“Pouco importam as notas na música, o que conta são as sensações produzidas por elas”.
Leonid Pervomaisky






“A Arte tem qualquer coisa de mistério e de mágico.”






“A música, no estado puro, é independente do instrumento e do género.”



Rui Martins começou a interessar-se pela música ainda em criança. Em menino, pediu aos pais para lhe oferecerem uma guitarra, “porque eu gostava desse instrumento não sei porquê”. Aos 12 anos começou a tocar “com amigos que já eram músicos na área popular, no rock. Aos 13, 14 anos é que entrei na Academia de Amadores de Música. O presidente era o Lopes Graça, o grande compositor português”. Fez os seus estudos na Academia e no Conservatório de Musica de Lisboa com os professores J. Coutinho, N. V. de Almeida, e P. Naggy. “Depois de completar os meus estudos fui para França”. Foi aperfeiçoar-se na guitarra e em harmonia com A. Ponce e A. Weber e M. Rosset, professores do Conservatório Superior de Paris. Obteve o diploma superior de guitarra do Conservatório Nacional de Região de Música de Courneve e a Medalha de ouro - 1º Prémio (diploma superior) da Escola Nacional de Música de Fresnes. As suas actividades como músico foram variadas, desde concertista a professor de guitarra clássica no Conservatório de Música de Bois-Colombes (região de Paris) e na Escola de Música de St. Witz (França). Organizou encontros de guitarra, foi director de orquestra e júri de diversos concursos do ensino musical.



“É um erro analisar a arte só pela técnica”


Para Rui Martins “a música, no estado puro, é independente do instrumento, é até do género, se é música clássica, barroca, popular, rock, jazz… cada vez me delicio mais com qualquer género de música, quando gosto. Ia dizer quando é boa mas isso é muito vago, pode uma coisa parecer-me boa para mim e má a outra pessoa devido à nossa sociabilidade, à nossa cultura, e à qualidade técnica. Às vezes os músicos analisam a música um bocado mais tecnicamente ou deliciam-se com música que é muito técnica. No entanto uma música pode ser extraordinária com três ou quatro sons diferentes. Não é a quantidade de notas que nos faz deliciar”. O que nos delicia numa música nem sempre é a sua intelectualidade, “é um bocado como na pintura, não me estou a referir a Miró ou Matisse ou a artistas específicos, mas há quadros em que num bocado, num traço, existe uma coisa qualquer que nos faz sentir uma força, uma poesia… e não é preciso o quadro estar cheio de técnica ou de cores. Com a música é a mesma coisa, não é preciso a música estar cheia de notas, com uma técnica incrível, com contrapontos e uma harmonia extraordinariamente intelectual. Com três ou quatro notas pode colocar-nos assim num estado sentimental profundo”. A simplicidade é muito importante, “Mozart era um génio da simplicidade. Tem harmonias extremamente simples, só que as faz de uma forma extraordinariamente bela e genial. Quando a gente sinaliza uma partitura de orquestra dele é uma coisa simples, é acorde de dó, é mi, é sol. São quase as três notas do acorde. Claro que não é só isso mas a base é assim. Outros músicos, contemporâneos e não só, já fazem uma coisa muito mais intelectual. Não quer dizer que não nos possamos deliciar também. Não há assim tanta regra para os sentimentos das pessoas, é como gostar de outra pessoa. Porque é que eu gosto dela? A gente não se vai pôr a definir não sei com quantos parâmetros porque gosta da pessoa: é isto, isto, e isto… às vezes a gente nem sabe bem dizer porque é que gosta de uma pessoa e a Arte também é assim. É um erro analisar a arte só pela técnica. Quando se tem a técnica como referência é muito mais fácil não se errar a fazer um julgamento sobre uma pintura ou uma fotografia. Na música também é mais fácil dizer que um músico que tem mais raciocínio intelectual é bom. Ao ouvirmos um músico popular que usa poucas notas, é mais difícil dizer se é bom ou não mas acho que é mais importante ligar às sensações que nós sentimos do que propriamente à técnica”.


“Uma música pode ser extraordinária com três ou quatro sons diferentes”






“A harmonia é uma questão de moda”
Desde criança que o compositor está presente nele, “ com um amigo meu, o Carlos Cabral, desde a primeira vez que nos encontrámos, enquanto os outros meninos jogavam à bola, nós tocávamos. É giro porque éramos miúdos, não sabíamos tocar, não sabíamos notas mas fazíamos música”. Em França compôs peças de carácter pedagógico e de concerto para guitarra, coro, quarteto de cordas e orquestra. “Componho mais na área da música contemporânea, embora não seja música da vanguarda, longe disso. Tenho uma pulsação rítmica forte. O ritmo é importante porque é essencial na nossa vida”. Os sons, a harmonia “é uma questão de moda. Sons que eram dissonantes aqui há uns anos, são agora perfeitamente normais e as pessoas gostam” mas o ritmo é eterno e faz parte da vida, está dentro dela
, “quando andamos temos o nosso ritmo, a maneira de falar, cada um tem o seu ritmo, o ritmo existe na vida. Quando se faz uma música sem pulsação rítmica, como há pessoas que fazem, para mim vai contra a natureza, toca-me muito menos. Mesmo quando se toca Mozart, Bethooven, Fernando Sor, etc., compositores de guitarra clássica do séc. XVIII, XIX, essa música tem que ser tocada com uma pulsação forte e é muito mais difícil criar essa pulsação quando não há percussão e bateria”.

“Agora penso é na música que está dentro da minha cabeça”
Quando compõe põe-se num estado especial de concentração “concentro-me e liberto-me, começo a compor, a tocar, começam-me a sair as notas, escrevo, começo a encontrar outras vozes, outros instrumentos e só a partir de um certo momento é começo a ver onde é que a música me vai levar. Começo a encontrar um tema e um título para a música e só aí é que sigo a direcção daquela música. Funciono muito pela intuição e por sensações”. A técnica é importante
“ quando faço a música e me liberto, começo a libertar as notas, aos poucos e poucos começo a utilizar a técnica, porque da técnica precisamos todos, mas tento sempre libertar-me ao máximo disso. Não gosto muito de raciocinar antes, raciocino depois, claro. Quero ir mais directamente a uma coisa que não se explica pelo raciocínio. Acho que a Arte tem qualquer coisa de mistério e de mágico.”
Tem apenas uma guitarra clássica, a música não depende do número de instrumentos que se possui nem de um instrumento especial, a música existe dentro dele
. “Já senti uma intimidade maior com a minha guitarra do que sinto agora. Antes, um instrumento era assim como uma pessoa, ligava-me ao instrumento de uma forma muito íntima, pessoal. Agora não, agora penso é na música que está dentro da minha cabeça e a guitarra é um simples instrumento”.
Actualmente lecciona nos Conservatórios de Vila Real de Sto António, de Faro e de Olhão.

Paula Ferro