sábado, 27 de janeiro de 2018

Entrevista com Flor Georges-Picot

Ciclo de entrevistas o ambiente é de todos realizado pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul
Jornalista: Paula Ferro



O ambiente é de todos
Tavira é uma “galinha de ovos de ouro” que está a ser destruída
Entrevista com Flor Georges-Picot





A segunda entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” é com a paisagista Flor Georges-Picot, um dos elementos do movimento Tavira em Transição e tem como tema os objectivos do movimento e a sua acção na cidade de Tavira e o impacto das estufas hidropónicas para frutos vermelhos neste concelho.
Flor Georges-Picot nasceu na Suíça com pai francês e mãe russa. Viveu em diversos países: Inglaterra, Estados Unidos da América, México, Jamaica, entre outros. Permaneceu algum tempo no Algarve no final dos anos 80, regressou há cerca de quinze anos e aqui tem vivido até hoje.
No final dos anos 70 ganhou uma bolsa para estudar horticultura no New York Botanical Garden, seguidamente foi para a Jamaica onde criou o seu primeiro jardim e se formou como paisagista.
Nos anos 90, juntamente com Fred Levy, Flor organizou o primeiro curso de Permacultura em Portugal tendo convidado Emilia Hazelip, uma grande referência na área.
Neste momento, Flor Georges-Picot faz parte do movimento Tavira em Transição que tem como objectivo dar a conhecer ideias, métodos e formas para se viver em cidadania com qualidade de vida e sem macular a natureza e o ambiente.
O movimento Tavira em Transição não é uma ideia inédita”, explica a paisagista, “está inserida na ideia de Cidades em Transição que é um movimento social, a nível mundial, baseado nos princípios da permacultura aplicados a uma comunidade”.
“O movimento Tavira em Transição nasceu há quatro anos e, desde aí, temos estado a replantar uma floresta na Mata de Santa Rita com os métodos da permacultura, houve um ciclo de cinema informativo sobre ecologia que decorreu no Clube de Tavira, criámos uma horta comunitária na Escola Secundária de Tavira que incluiu um ciclo de aulas pela professora Teresa Afonso e palestras realizadas por vários convidados e temos feito muitas outras coisas”, esclarece Flor Georges-Picot, “há cerca de dois meses que estamos no Mercado Municipal de Tavira, aos sábados de manhã, com uma banca informativa, fazendo recolha de assinaturas para as petições de várias associações que vão levar estas problemáticas até à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu”.
“O domingo, dia 29, foi realmente um grande dia, houve uma concentração de cidadania para chamar a atenção para a COP 21 de Paris, para o problema das estufas que se estão implantando nesta região e para a ameaça das plataformas de petróleo na costa algarvia assim como do fracking no interior do Algarve”, continua Flor.
“Foi-nos relatado por dois trabalhadores de uma destas estufas hidropónicas para frutos vermelhos, naturais do Nepal, que em locais como Nepal, Bangladesh, Malásia e Filipinas, entre outros países, existem agências criadas para aliciar pessoas para virem para cá trabalhar”, confidencia Flor e conclui: “penso que Tavira, pela sua localização, clima e cultura, entre outros factores, é uma espécie de “galinha dos ovos de ouro” que está a ser destruída também com esta invasão de estufas cujo intuito é apenas produzir o que não é de cá para os que não são de cá”.

Esta entrevista vai acontecer no dia  11 de Dezembro de 2015, às 15:30 horas, no diariOnline do Região Sul.



            Tavira é uma “galinha de ovos de ouro” que está a ser destruída

Flor Georges-Picot nasceu na Suíça com pai francês e mãe russa. Viveu em países como Inglaterra, Estados Unidos da América, México, Jamaica, entre outros.
Vive no Algarve há cerca de quinze anos mas já cá tinha vivido no final dos anos 80.
No final do anos 70, Flor ganhou uma bolsa para estudar horticultura no New York Botanical Garden. O curso, intensivo, durou dois anos. Seguidamente Flor foi para a Jamaica onde criou o seu primeiro jardim e se formou como paisagista.
Nos anos 90, juntamente com Fred Levy, Flor cria o primeiro curso de Permacultura em Portugal tendo convidado Emilia Hazelip, uma grande referência como pioneira da Permacultura.
Neste momento, Flor Georges-Picot faz parte do movimento Tavira em Transição que tem como objectivo dar a conhecer ideias, métodos e formas para se viver em cidadania com qualidade de vida e sem macular a natureza e o ambiente.
Todo o trabalho realizado pelos membros deste movimento é voluntário.

Como nasce e em que consiste o Tavira em Transição?
O movimento Tavira em Transição não é uma ideia inédita, está inserida na ideia de Cidades em Transição que é um movimento social, a nível mundial, baseado nos princípios da permacultura aplicados a uma comunidade. Este movimento foi implantado por Rob Hopkins, preocupado com a dependência que todos temos de combustível e de alimentação, quando se apercebeu que o cenário de mudança climática e de escassez de petróleo só irá piorar.
O objetivo do movimento Cidades em Transição é viver de uma maneira mais consciente e mais ecológica.
O movimento Tavira em Transição nasceu há quatro anos e, desde aí, temos estado a replantar uma floresta na Mata de Santa Rita com os métodos da permacultura, houve um ciclo de cinema informativo sobre ecologia que decorreu no Clube de Tavira, criámos uma horta comunitária na Escola Secundária de Tavira que incluiu um ciclo de aulas pela professora Teresa Afonso e palestras realizadas por vários convidados e temos feito muitas outras coisas.
No fim-de-semana de 27 a 29 de Novembro, o movimento Tavira em Transição fez uma série de eventos. Podes falar sobre isso?
O domingo foi realmente um grande dia, houve uma concentração de cidadania para chamar a atenção para a COP 21 de Paris, para o problema das de estufas que se estão implantando na região e para a ameaça das plataformas de petróleo na costa algarvia assim como do fracking no interior do Algarve.
Tivemos a colaboração de outras associações como a ASMAA, a PALP, a Copernico, a Almargem, a Min-Arifa, e de outros voluntários que se juntaram à causa.
Este evento teve início no Mercado Municipal de Tavira onde, aos sábados de manhã, durante cerca de dois meses, tivemos uma banca informativa e para recolha de assinaturas para as petições de várias associações que vão levar estas problemáticas até à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu.
Na sexta-feira, também integrado neste evento, na Biblioteca Municipal Álvaro de Campos, existiu um debate/reflexão aberto ao público em geral, seguido de palestras e apresentações feitas por Laurinda Seabra da ASMAA e por Manuel Vieira da PALP e foi inaugurada uma exposição com artistas de várias nacionalidades que está patente ao público até dia 22 de Dezembro.

Em que consiste a problemática das estufas?
 A problemática das estufas mexe com várias áreas. O visual de um país tão bonito, com terras agrícolas de grande qualidade que estão a ser destruídas pela implantação de estufas hidropónicas que só servem para a produção de frutos que não são regionais, não têm nada a ver com a cultura deste local e que servem apenas os interesses de muito poucos. A população da região nem sequer tem acesso a estes produtos, o máximo que pode ver é o refugo, aquilo que não está apto para a exportação.
Estas estufas, para além de destruírem a paisagem, destroem os próprios terrenos devido às infraestruturas que são necessárias e à dimensão gigantesca das estufas. E depois, a maioria dos trabalhadores nem são da região.
Foi-nos relatado por dois trabalhadores de uma destas estufas, naturais do Nepal, que em locais como Nepal, Bangladesh, Malásia e Filipinas, entre outros países, existem agências criadas para aliciar pessoas para virem trabalhar para cá, e fazem-no com tal competência que estas pessoas pagam cerca de dez mil euros a troco de passagem, permissão de residência por um determinado período de tempo, alojamento, comida e muitas vezes também uma bicicleta a pedal e expõem-se a emigrar. Chegam a hipotecar a sua própria casa a fim de investir numa vida melhor. Quando chegam cá, são alojados muitas vezes sem as condições básicas, com horários de trabalho que ultrapassam as oito horas diárias, sem folgas semanais e muitas vezes com temperaturas insuportáveis.
Recebem 504€ por mês na estação baixa. Na estação alta, quando se dá a apanha do fruto, dobra a quantia, mas começam a trabalhar de madrugada e terminam já de noite.
Estes trabalhadores não entram para as estatísticas de desemprego em Portugal nem trazem grande rendimento para os locais (fora os proprietários dos terrenos, os construtores das estufas e dos sistemas de rega) e esta prática ainda favorece uma cultura de escravatura, que foi abolida no séc. XIX.
Depois, para quem reside perto de uma estufa, o clima altera-se porque o efeito faz-se sentir na vizinhança, o trânsito constante de camiões a passar rente às casas levanta pó e faz barulho que, quando chove, se torna ainda mais intenso. E a paisagem está a tornar-se lunar.
Muitas pessoas que aqui compraram casa já a estão a vender mas com um prejuízo que ronda os cinquenta por cento do valor inicial.
Tavira é uma cidade de turismo, de cultura, de bem-estar, é a cidade que levou a dieta mediterrânica a ser classificada como Património Cultural Imaterial da Humanidade, e a mentalidade, o modo de viver mediterrânico não poderá sobreviver se estas estufas continuam a ser aqui implantadas pois é uma absoluta contradição.
Depois, considero alarmante o que foi dito pelo autarca de Tavira na última Assembleia Municipal. Jorge Botelho afirmou que não tem poder legal para travar este processo pois é tudo resolvido pelo governo.
O que eu penso é que Tavira, pela sua localização, clima e cultura, entre outros fatores, é uma espécie de “galinha dos ovos de ouro” que está a ser destruída pelo governo também com esta invasão de estufas cujo intuito é apenas produzir o que não é de cá para os que não são de cá.
Mas a nossa luta não terminou. O movimento Tavira em Transição não baixa os braços, bem antes pelo contrário, já conseguiu travar temporariamente o desenvolvimento de uma estufa de 16 hectares e o movimento está a conquistar adeptos que se juntam a esta causa e lutam connosco.

Queres dizer mais alguma coisa em especial?
Sim. Gostava de dizer que uma das expressões portuguesas a que acho muita graça é “puxar a brasa à sua sardinha” porque é uma expressão que define bem os portugueses, sobretudo os algarvios, e talvez seja essa característica, uma das principais razões para as coisas estarem na situação em que estão.

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