Jornalista: Paula Ferro
O ambiente é de todos
Tavira é uma “galinha
de ovos de ouro” que está a ser destruída
Entrevista com Flor
Georges-Picot
A segunda entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” é com a
paisagista Flor Georges-Picot, um dos elementos do movimento Tavira em
Transição e tem como tema os objectivos do movimento e a sua acção na cidade de
Tavira e o impacto das estufas hidropónicas para frutos vermelhos neste
concelho.
Flor Georges-Picot nasceu na Suíça com pai francês e mãe
russa. Viveu em diversos países: Inglaterra, Estados Unidos da América, México,
Jamaica, entre outros. Permaneceu algum tempo no Algarve no final dos anos 80,
regressou há cerca de quinze anos e aqui tem vivido até hoje.
No final dos anos 70 ganhou uma bolsa para estudar
horticultura no New York Botanical Garden, seguidamente foi para a Jamaica onde
criou o seu primeiro jardim e se formou como paisagista.
Nos anos 90, juntamente com Fred Levy, Flor organizou o
primeiro curso de Permacultura em Portugal tendo convidado Emilia Hazelip, uma
grande referência na área.
Neste momento, Flor Georges-Picot faz parte do movimento
Tavira em Transição que tem como objectivo dar a conhecer ideias, métodos e
formas para se viver em cidadania com qualidade de vida e sem macular a
natureza e o ambiente.
“O movimento Tavira em Transição não é
uma ideia inédita”, explica a paisagista, “está inserida na ideia de Cidades em
Transição que é um movimento social, a nível mundial, baseado nos princípios da
permacultura aplicados a uma comunidade”.
“O movimento Tavira em Transição nasceu há quatro anos e,
desde aí, temos estado a replantar uma floresta na Mata de Santa Rita com os
métodos da permacultura, houve um ciclo de cinema informativo sobre ecologia
que decorreu no Clube de Tavira, criámos uma horta comunitária na Escola
Secundária de Tavira que incluiu um ciclo de aulas pela professora Teresa
Afonso e palestras realizadas por vários convidados e temos feito muitas outras
coisas”, esclarece Flor Georges-Picot, “há cerca de dois meses que estamos no
Mercado Municipal de Tavira, aos sábados de manhã, com uma banca informativa,
fazendo recolha de assinaturas para as petições de várias associações que vão
levar estas problemáticas até à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu”.
“O domingo, dia 29, foi realmente um grande dia, houve uma
concentração de cidadania para chamar a atenção para a COP 21 de Paris, para o
problema das estufas que se estão implantando nesta região e para a ameaça das
plataformas de petróleo na costa algarvia assim como do fracking no interior do
Algarve”, continua Flor.
“Foi-nos relatado por dois trabalhadores de uma destas
estufas hidropónicas para frutos vermelhos, naturais do Nepal, que em locais como
Nepal, Bangladesh, Malásia e Filipinas, entre outros países, existem agências
criadas para aliciar pessoas para virem para cá trabalhar”, confidencia Flor e
conclui: “penso que Tavira, pela sua localização, clima e cultura, entre outros
factores, é uma espécie de “galinha dos ovos de ouro” que está a ser destruída
também com esta invasão de estufas cujo intuito é apenas produzir o que não é
de cá para os que não são de cá”.
Esta entrevista vai acontecer no dia 11 de Dezembro de 2015, às 15:30 horas, no diariOnline
do Região Sul.
Tavira é uma “galinha
de ovos de ouro” que está a ser destruída
Flor Georges-Picot nasceu na Suíça com pai francês e mãe
russa. Viveu em países como Inglaterra, Estados Unidos da América, México,
Jamaica, entre outros.
Vive no Algarve há cerca de quinze anos mas já cá tinha
vivido no final dos anos 80.
No final do anos 70, Flor ganhou uma bolsa para estudar
horticultura no New York Botanical Garden. O curso, intensivo, durou dois anos.
Seguidamente Flor foi para a Jamaica onde criou o seu primeiro jardim e se
formou como paisagista.
Nos anos 90, juntamente com Fred Levy, Flor cria o primeiro
curso de Permacultura em Portugal tendo convidado Emilia Hazelip, uma grande
referência como pioneira da Permacultura.
Neste momento, Flor Georges-Picot faz parte do movimento
Tavira em Transição que tem como objectivo dar a conhecer ideias, métodos e
formas para se viver em cidadania com qualidade de vida e sem macular a
natureza e o ambiente.
Todo o trabalho realizado pelos membros deste movimento é
voluntário.
Como nasce e em que
consiste o Tavira em Transição?
O movimento Tavira em Transição não é uma ideia inédita, está
inserida na ideia de Cidades em Transição que é um movimento social, a nível
mundial, baseado nos princípios da permacultura aplicados a uma comunidade.
Este movimento foi implantado por Rob Hopkins, preocupado com a dependência que
todos temos de combustível e de alimentação, quando se apercebeu que o cenário
de mudança climática e de escassez de petróleo só irá piorar.
O objetivo do movimento Cidades em Transição é viver de uma
maneira mais consciente e mais ecológica.
O movimento Tavira em Transição nasceu há quatro anos e,
desde aí, temos estado a replantar uma floresta na Mata de Santa Rita com os
métodos da permacultura, houve um ciclo de cinema informativo sobre ecologia
que decorreu no Clube de Tavira, criámos uma horta comunitária na Escola
Secundária de Tavira que incluiu um ciclo de aulas pela professora Teresa
Afonso e palestras realizadas por vários convidados e temos feito muitas outras
coisas.
No fim-de-semana de 27
a 29 de Novembro, o movimento Tavira em Transição fez uma série de eventos.
Podes falar sobre isso?
O domingo foi realmente um grande dia, houve uma concentração
de cidadania para chamar a atenção para a COP 21 de Paris, para o problema das
de estufas que se estão implantando na região e para a ameaça das plataformas
de petróleo na costa algarvia assim como do fracking no interior do Algarve.
Tivemos a colaboração de outras associações como a ASMAA, a
PALP, a Copernico, a Almargem, a Min-Arifa, e de outros voluntários que se
juntaram à causa.
Este evento teve início no Mercado Municipal de Tavira onde, aos
sábados de manhã, durante cerca de dois meses, tivemos uma banca informativa e
para recolha de assinaturas para as petições de várias associações que vão
levar estas problemáticas até à Assembleia da República e ao Parlamento
Europeu.
Na sexta-feira, também integrado neste evento, na Biblioteca
Municipal Álvaro de Campos, existiu um debate/reflexão aberto ao público em
geral, seguido de palestras e apresentações feitas por Laurinda Seabra da ASMAA
e por Manuel Vieira da PALP e foi inaugurada uma exposição com artistas de várias
nacionalidades que está patente ao público até dia 22 de Dezembro.
Em que consiste a
problemática das estufas?
A problemática das estufas mexe com várias áreas. O visual de
um país tão bonito, com terras agrícolas de grande qualidade que estão a ser
destruídas pela implantação de estufas hidropónicas que só servem para a
produção de frutos que não são regionais, não têm nada a ver com a cultura
deste local e que servem apenas os interesses de muito poucos. A população da
região nem sequer tem acesso a estes produtos, o máximo que pode ver é o
refugo, aquilo que não está apto para a exportação.
Estas estufas, para além de destruírem a paisagem, destroem os
próprios terrenos devido às infraestruturas que são necessárias e à dimensão
gigantesca das estufas. E depois, a maioria dos trabalhadores nem são da
região.
Foi-nos relatado por dois trabalhadores de uma destas
estufas, naturais do Nepal, que em locais como Nepal, Bangladesh, Malásia e
Filipinas, entre outros países, existem agências criadas para aliciar pessoas
para virem trabalhar para cá, e fazem-no com tal competência que estas pessoas
pagam cerca de dez mil euros a troco de passagem, permissão de residência por
um determinado período de tempo, alojamento, comida e muitas vezes também uma
bicicleta a pedal e expõem-se a emigrar. Chegam a hipotecar a sua própria casa
a fim de investir numa vida melhor. Quando chegam cá, são alojados muitas vezes
sem as condições básicas, com horários de trabalho que ultrapassam as oito
horas diárias, sem folgas semanais e muitas vezes com temperaturas insuportáveis.
Recebem 504€ por mês na estação baixa. Na estação alta,
quando se dá a apanha do fruto, dobra a quantia, mas começam a trabalhar de
madrugada e terminam já de noite.
Estes trabalhadores não entram para as estatísticas de
desemprego em Portugal nem trazem grande rendimento para os locais (fora os
proprietários dos terrenos, os construtores das estufas e dos sistemas de rega)
e esta prática ainda favorece uma cultura de escravatura, que foi abolida no
séc. XIX.
Depois, para quem reside perto de uma estufa, o clima
altera-se porque o efeito faz-se sentir na vizinhança, o trânsito constante de
camiões a passar rente às casas levanta pó e faz barulho que, quando chove, se
torna ainda mais intenso. E a paisagem está a tornar-se lunar.
Muitas pessoas que aqui compraram casa já a estão a vender
mas com um prejuízo que ronda os cinquenta por cento do valor inicial.
Tavira é uma cidade de turismo, de cultura, de bem-estar, é a
cidade que levou a dieta mediterrânica a ser classificada como Património
Cultural Imaterial da Humanidade, e a mentalidade, o modo de viver
mediterrânico não poderá sobreviver se estas estufas continuam a ser aqui
implantadas pois é uma absoluta contradição.
Depois, considero alarmante o que foi dito pelo autarca de Tavira
na última Assembleia Municipal. Jorge Botelho afirmou que não tem poder legal
para travar este processo pois é tudo resolvido pelo governo.
O que eu penso é que Tavira, pela sua localização, clima e
cultura, entre outros fatores, é uma espécie de “galinha dos ovos de ouro” que
está a ser destruída pelo governo também com esta invasão de estufas cujo
intuito é apenas produzir o que não é de cá para os que não são de cá.
Mas a nossa luta não terminou. O movimento Tavira em
Transição não baixa os braços, bem antes pelo contrário, já conseguiu travar
temporariamente o desenvolvimento de uma estufa de 16 hectares e o movimento
está a conquistar adeptos que se juntam a esta causa e lutam connosco.
Queres dizer mais
alguma coisa em especial?
Sim. Gostava de dizer que uma das expressões portuguesas a
que acho muita graça é “puxar a brasa à sua sardinha” porque é uma expressão
que define bem os portugueses, sobretudo os algarvios, e talvez seja essa
característica, uma das principais razões para as coisas estarem na situação em
que estão.
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