domingo, 28 de janeiro de 2018

Entrevista com Fernando Silva Grade

Ciclo de entrevistas o ambiente é de todos realizadas pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul


O ambiente é de todos

Os autarcas foram os principais obreiros na liquidação das belezas e riquezas culturais da região.



Entrevista com Fernando Silva Grade
Jornalista: Paula Ferro


A quarta entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” que o Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa tem vindo a realizar no diariOnline do Região Sul é com Fernando Silva Grade.
Fernando Silva Grade nasceu em Faro em 1955. Em 1983 licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Faculdade de Ciências de Lisboa e em 1993 concluiu o Curso de Pintura do Ar.Co. Expõe com regularidade, desde 1988, individual ou colectivamente, em diversas cidades do país e do estrangeiro. É artista da Galeria Monumental, em Lisboa.
Ao longo dos anos, Fernando Silva Grade tem participado em diversas actividades ligadas à defesa do património cultural e do ambiente e faz parte da associação Almargem. Em 2011 foi eleito personalidade do ano da cidade de Faro pelo grupo cívico “Tertúlia Farense” e é autor do livro “O Algarve tal como o destruímos”, um livro que confronta o Algarve do passado e do presente no que respeita aos seus valores naturais e culturais. O livro presenta ainda algumas entrevistas com personalidades de relevância regional sobre estas problemáticas.
A segunda edição de “O Algarve tal como o destruímos” foi publicada em Outubro de 2014.
“O livro ‘O Algarve Tal Como o Destruímos’ estrutura-se a partir do blogue ‘A Defesa de Faro’, que esteve activo entre 2006 e 2012, e que constituiu uma importante tribuna de debate de ideias em torno de problemáticas inerentes à cidade de Faro e à região algarvia”, explica o autor do livro, “as temáticas que abordei, tanto nos textos como nas entrevistas que realizei, situavam-se em torno de questões relativas ao ambiente, à cultura e ao património arquitectónico. Estas áreas foram, nos últimos 40 anos, sujeitas a um ataque cerrado, tendo-se, nas palavras do historiador António Rosa Mendes, provocado um genocídio cultural”.
“O Algarve era, de facto, uma região com uma riqueza natural, paisagística e arquitectónica excepcionais, à qual uma rara diversidade de cenários em tão pequeno território ainda mais amplificava. Tudo no Algarve era extasiante, o litoral, o barrocal, a serra e as cidades, vilas e aldeias. Ainda não há 50 anos não havia elementos dissonantes nessa sinfonia genial”, afirma Fernando Silva Grade, “as novas gerações, que não conhecem outra coisa senão o mundo caótico actual, terão dificuldade em perceber do que estou a falar.”
“Acontece que tecnologia e ignorância é uma mistura altamente destrutiva e o homem não evoluiu em termos civilizacionais o suficiente para poder lidar adequadamente com aquela”, explica o biólogo e artista, “No Algarve deu-se uma autêntica corrida ao ouro, em que os autarcas, sem excepção durante três décadas, foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região. Autarcas ignorantes, parolos e gananciosos que, juntamente com uma aculturada população conivente ou indiferente, permitiram o assalto dos interesses económicos que, através da especulação imobiliária, arrasaram por completo cidades, vilas, aldeias, barrocal e litoral, não deixando quase nada intacto da beleza e harmonia originária”.

A entrevista com Fernando Silva Grade vai acontecer no dia 22 de Dezembro de 2015, às 18:00 horas, no diariOnline do Região Sul.




Os autarcas foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região.
Entrevista com Fernando Silva Grade

Fernando Silva Grade nasceu em Faro em 1955. Em 1983 licenciou-se em Biologia pela Faculdade de Ciências da Faculdade de Ciências de Lisboa e em 1993 concluiu o Curso de Pintura do Ar.Co. Expõe com regularidade, desde 1988, individual ou colectivamente, em diversas cidades do país e do estrangeiro.  É artista da Galeria Monumental, em Lisboa.
Ao longo dos anos, Fernando Silva Grade tem participado em diversas actividades ligadas à defesa do património cultural e do ambiente e faz parte da associação Almargem. Em 2011 foi eleito personalidade do ano da cidade de Faro pelo grupo cívico “Tertúlia Farense” e é autor do livro “O Algarve Tal Como o Destruímos”, um livro que confronta o Algarve do passado e do presente no que respeita aos seus valores naturais e culturais. O livro presenta ainda algumas entrevistas com personalidades de relevância regional sobre estas problemáticas.
A segunda edição de “O Algarve Tal Como o Destruímos” foi publicada em Outubro de 2014.

Como surge o livro “O Algarve Tal Como o Destruímos” e porque sentiste necessidade de o escrever?
O livro “O Algarve Tal Como o Destruímos” estrutura-se a partir do blogue “A Defesa de Faro”, que esteve activo entre 2006 e 2012, e que constituiu uma importante tribuna de debate de ideias em torno de problemáticas inerentes à cidade de Faro e à região algarvia.
Escrevi nesse blogue com muita frequência e levei a cabo um conjunto alargado de entrevistas a personalidades relevantes da sociedade algarvia. As temáticas que abordei, tanto nos textos como nas entrevistas que realizei, situavam-se em torno de questões relativas ao ambiente, à cultura e ao património arquitectónico. Estas áreas foram, nos últimos 40 anos, sujeitas a um ataque cerrado, tendo-se, nas palavras do historiador António Rosa Mendes, provocado um genocídio cultural. Esta circunstância histórica, tão dramaticamente relevante, tinha de ser documentada, pois, tudo se tem feito para branquear esse facto, passando a imagem de um Algarve de sucesso, de divisas e de turismo.
Havia, pois, material escrito naquele blogue mais do que suficiente para servir de base a um livro e, desse modo, poder ser descrito e denunciado todo o processo de destruição e descaracterização que o Algarve, outrora um autêntico paraíso, sofreu em pouco mais de três décadas.

Para além da questão paisagística, o que mais te parece estar a destruir o Algarve e que não é referido no teu livro?
Não menciono todos os casos particulares de destruição, que são infindos, mas menciono as várias classes de destruições que ocorreram. O Algarve era, de facto, uma região com uma riqueza natural, paisagística e arquitectónica excepcionais, à qual uma rara diversidade de cenários em tão pequeno território ainda mais amplificava. Tudo no Algarve era extasiante, o litoral, o barrocal, a serra e as cidades, vilas e aldeias. Ainda não há 50 anos não havia elementos dissonantes nessa sinfonia genial. De repente, deu-se uma espécie de apocalipse e nada foi poupado à senda destruidora. Hoje em dia sobram alguns pedaços desse éden perdido, pequenos trechos incólumes no meio da cacafonia geral. Perdeu-se, sobretudo, o factor fulcral, que é o espírito dos lugares, factor que nos dá acesso à fruição e compreensão profunda dos sítios e à sua imanação mágica. As novas gerações, que não conhecem outra coisa senão o mundo caótico actual, terão dificuldade em perceber do que estou a falar. Há poucos dias visualizei um site com fotos do Artur Pastor do Algarve dos anos 50 e 60 (arturpastor.tumblr.com). Talvez elas possam contribuir para entrever um território em que a interacção entre o mundo humano e o mundo natural era exemplar, cultural e até artística. Nessa altura havia respeito e amor pela terra de que as formas de intervenção humana na natureza revelavam à saciedade.
Como factos recentes que o livro ainda não cobre temos a agressão ignóbil em curso a uma série de praias do Barlavento, de que a praia de Dona Ana é o caso mais conhecido, com o enchimento das mesmas com a “areia” mais miserável que se possa conceber e com o consequente soterramento de arribas, rochedos e leixões desfigurando totalmente praias de deslumbrante beleza. Também há a referir os recentes projectos de exploração de hidrocarbonetos off-shore junto à costa algarvia, e on-shore em amplas zonas do nosso território com a técnica terrivelmente destrutiva do fracking.
                                                                                                              
O que está, no teu entender, por detrás de toda esta destruição?
O problema da destruição do ambiente e das culturas humanas é um problema global. E é uma circunstância inédita na já longa odisseia do homem no planeta. Nos cerca dos 200.000 anos de existência do Homo Sapiens nada de semelhante jamais ocorreu. E isto está a ser possível devido ao desenvolvimento espantoso da tecnologia.
Acontece que tecnologia e ignorância é uma mistura altamente destrutiva e o homem não evoluiu em termos civilizacionais o suficiente para poder lidar adequadamente com aquela. Por outro lado, e como resultado da progressiva secularização das sociedades ocidentais nos últimos dois séculos, com a perda da componente espiritual como elemento inerente à essência da natureza humana, libertaram-se, de forma desmedida, as compulsões materialistas de que a ganância é a mais feroz. E, hoje em dia, é esta compulsão o motor mais determinante na dinâmica da sociedade de hiperconsumo em que habitamos.
O facto de vivermos cada vez mais apartados da natureza e das suas imanações, tornou-nos, por outro lado, completamente incapazes de entender minimamente o modo adequado de com ela nos relacionarmos.
Evidentemente que há diferenças de sítio para sítio e de país para país. Portugal é um exemplo deplorável relativamente àquilo que fez à sua cultura, à sua paisagem e à sua arquitectura tradicional.
No Algarve deu-se uma autêntica corrida ao ouro, em que os autarcas, sem excepção durante três décadas, foram os principais obreiros na incentivação da liquidação das belezas e riquezas culturais da nossa região. Autarcas ignorantes, parolos e gananciosos que, juntamente com uma aculturada população conivente ou indiferente, permitiram o assalto dos interesses económicos que, através da especulação imobiliária, desfiguraram cidades, vilas, aldeias, barrocal e litoral, não deixando quase nada intacto da beleza e harmonia originária.

Que medidas devem ser tomadas no sentido de se travar este processo?
A onda de especulação imobiliária abrandou muitíssimo nos últimos anos devido à crise e não devido a legislação adequada à salvaguarda dos valores culturais e naturais ou à acção dos autarcas ou da sociedade civil.
Neste momento, contudo, já existe alguma consciência do problema, mas não há meios para travar as ameaças que pairam no Algarve e que irão inelutavelmente destruí-lo ainda mais. Por exemplo, existem vários empreendimentos monstruosos prestes a avançar em zonas de grande sensibilidade ambiental como é o caso da Quinta da Ombria, paredes meias com a Paisagem Protegida Local da Fonte da Benémola, e a Quinta do Freixo, ambos em plena Rede Natura 2000. Também na região de Alcoutim se perspectiva uma central solar megalómana que vai arrasar, até ao último arbusto, uma área contínua de cerca de 600 ha de serra algarvia até agora utilizada como reserva turística de caça.
Em termos de arquitectura sejamos claros. O que hoje em dia se constrói de novo nas cidades ou no campo é arquitectonicamente desastroso. E este facto tem um impacto tremendo na paisagem rural e urbana. Por outro lado, a forma como se estão a reabilitar os edifícios antigos é tristemente risível. Quase sem excepções as reabilitações são calamitosas na medida em que se usam materiais inapropriados e dissonantes como o cimento, a tinta plástica e o alumínio. O resultado final vai, na maior parte dos casos, para além do pastiche, originando verdadeiros abortos que nada têm a ver com os edifícios originários de genuína arquitectura algarvia.
E as recentes apostas em dinâmicas de agricultura intensiva superagressiva (como certas estufas hidropónicas), não augura nada de bom na já muito sacrificada paisagem rural algarvia.
A única coisa que poderia alterar o estado das coisas era a existência de um alto sentido cívico e cultural das populações. Ora, isso não existe nem irá existir nos próximos anos.  

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