O Ambiente é de Todos
Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul
Jornalista: Paula Ferro
A primeira entrevista de o ambiente é de todos foi com Luísa Bernardo como título:
As estufas de frutos vermelhos podem impossibilitar os terrenos para culturas futuras
Notícia da entrevista com Luísa
Bernardo
A evolução demasiado rápida da tecnologia alterou os hábitos
dos homens e estes afastaram-se de valores que são incontornáveis para a
manutenção do planeta. As consequências do abuso no modo como o ser humano tem
vindo a usufruir do planeta Terra estão à vista. É imperioso que estejamos
informados sobre o que está a acontecer em torno de nós no que diz respeito ao
ambiente.
O Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa inicia uma série de entrevistas sob o título
“O ambiente é de todos” no intuito de divulgar informação sobre diversos pontos
do ambiente, incidindo sobretudo na região do Algarve, muito embora tenha em
consideração a ligação que existe com o ambiente em geral.
A primeira entrevista é com Luísa Bernardo e tem como tema
“as estufas hidropónicas para frutos vermelhos no sotavento algarvio”.
Luísa Bernardo é natural de Sto Estêvão, é engenheira técnica
agrícola desde 1971, trabalhou na antiga Estação Agrária, no Centro de Reforma
Agrária de Faro e na Direcção Regional de Agricultura do Algarve. A sua
actividade profissional distribuiu-se por diversos sectores como a extensão
rural (desenvolvimento agrícola e familiar), o arrendamento rural, o apoio
técnico ao desenvolvimento rural e também como produtora agrícola.
“A implantação de estufas inicia-se nos anos 70 na zona dos
concelhos de Faro e de Olhão. Eram pequenos e médios produtores que optaram por
esta técnica devido ao clima favorável à precocidade dos produtos hortícolas,” esclarece
Luísa Bernardo, mas “nessa altura ainda não se falava em questões ambientais,
só uma elite é que falaria nestes temas por isso não se pensava em desvantagens
ambientais”.
“O resultado da intensificação das culturas em estufa
provocou na zona de Faro e de Olhão, a captação intensiva de águas através de
furos, o que provocou o aparecimento da salinidade nas águas nas zonas de maior
intensidade de horticultura com estufa”, continua Luísa Bernardo.
“Nos finais dos anos 80, as estufas tradicionais começaram a
desaparecer. Desde que entrámos na União Europeia, o mercado transformou-se,
deixou de ter o valor e o escoamento de produto que tinha anteriormente e os
agricultores ficaram descapitalizados”.
A diferença entre as estufas tradicionais e as estufas
hidropónicas para frutos vermelhos “reside na magnitude da infraestrutura e da
estrutura em si”, continua a engenheira técnica agrícola, “as estufas hidropónicas
para frutos vermelhos chegam a atingir os 4 metros, ou mais, e abafam as
populações vizinhas que vivem de cultivos ao ar livre. Quando existem chuvas
intensas, não é possível prever os estragos que causarão em zonas planas ou que
ficam mais baixas do que as estufas porque o chão das estufas está
impermeabilizado”.
“Não encontro nenhum enriquecimento para a região” com estas
estufas, continua Luísa Bernardo, “nem sequer para as estatísticas de emprego
porque a maioria dos trabalhadores que lá se encontram são estrangeiros”.
A resposta para uma agricultura adequada à região “no fundo,
está em Bruxelas, onde agentes que desconhecemos e que não sabemos se conhecem
verdadeiramente a situação real da nossa zona, decidem tudo em gabinetes”.
A entrevista com Luísa Bernardo vai acontecer no dia 8 de
Dezembro de 2015, às 16:00 horas.
Estufa de horticulas
Estufa de vinha (antiga)
Estufas de frutos vermelhos na zona de Sto Estêvão - Tavira |
Estufas de frutos vermelhos na zona de Sto Estêvão - Tavira |
Entrevista com Luísa Bernardo
8 de Dezembro de 2015
no Jornal diariOnline - Região Sul
As estufas de frutos
vermelhos podem impossibilitar os terrenos para culturas futuras
Luísa Bernardo é natural de Sto Estêvão, é engenheira técnica
agrícola desde 1971, trabalhou na antiga Estação Agrária, no Centro de Reforma
Agrária de Faro e na Direcção Regional de Agricultura do Algarve. A sua
actividade profissional distribuiu-se por diversos sectores, a nomear: extensão
rural (desenvolvimento agrícola e familiar), arrendamento rural, no apoio
técnico ao desenvolvimento rural e também como produtora agrícola.
Quando, como e
porque começa a implantação de estufas no Algarve?
A implantação de estufas inicia-se
nos anos 70 na zona do concelho de Faro e Olhão. Eram pequenos e médios
produtores que optaram por esta técnica devido ao clima favorável à precocidade
dos produtos hortícolas na medida em que intensificavam essa precocidade e davam
oportunidade a novas culturas não tradicionais que foram iniciadas na época,
nesta zona, como a beringela e a curgete.
A vantagem das estufas, nessa altura, era a chegada aos
mercados abastecedores principais do país mais cedo do que os mesmos produtos
provindos de outras zonas, em especial do Ribatejo Oeste.
Nessa altura ainda não se falava em questões ambientais, o
ambiente era algo abstrato e só uma elite é que falaria nestes temas, por isso
não se pensava em desvantagens ambientais.
O resultado da intensificação das culturas em estufa provocou,
na zona de Faro e de Olhão, a captação intensiva de águas através de furos o
que, por sua vez, provocou o aparecimento da salinidade nas águas em zonas de
maior intensidade de horticultura com estufa. É bom referir que nessa época não
havia barragem e por isso o único meio de obter água era através de furos.
Nos finais dos anos 80, as estufas tradicionais começaram a
desaparecer pelo elevado custo dos materiais e da mão-de-obra e pela escassez
de escoamento de produtos porque desde que entrámos na União Europeia o mercado
transformou-se, deixou de ter o valor e o escoamento de produto que tinha
anteriormente e os agricultores ficaram descapitalizados tendo optado por
culturas menos dispendiosas, mais adequadas à região e que começaram a ter
apoios comunitários.
Qual a diferença
entre as estufas dos anos 70 e as estufas hidropónicas que neste momento
invadem em especial o sotavento algarvio?
A principal diferença reside na
magnitude da infraestrutura e da estrutura em si. As estufas hidropónicas para
frutos vermelhos, há que referir isto, pois existem estufas hidropónicas para
horticultura, plantas aromáticas e medicinais, e outras, que não atingem estas
dimensões e por isso não são tão prejudiciais.
Só a altura destas estufas, que chegam a atingir os 4 metros
ou mais, abafa as populações vizinhas que vivem de cultivos ao ar livre e
quando existem chuvas intensas, não é possível prever o estragos que causará a
zonas planas ou que ficam mais baixas que as estufas porque o chão das estufas
está impermeabilizado.
Existem valas, mas com chuvas intensas não se consegue prever
qual a quantidade de suporte necessário para estas valas não escoarem para as
outras valas, tanto as naturais (os ribeiros) como as artificiais (as
canalizações da população), provocando inundações.
Poder-se-á verificar a veracidade desta afirmação nas zonas
de Bernardinheiro e da Campina da Luz de Tavira, onde estas inundações já se
verificaram, mesmo antes da implantação das estufas, com a implantação das
estufas, a situação natural desta zona poderá agravar-se.
Qual a razão porque
aparece este surto de estufas hidropónicas para frutos vermelhos no sotavento
algarvio?
Existem vários fatores a ter em
consideração. Um dos principais fatores é o abandono das terras, provocado pelo
envelhecimento de muitos proprietários e os seus descendentes não estarem
vocacionados para dar continuidade às atividades dos seus pais. Outro fator é a
falta de incentivos aos agricultores locais para cultivarem. Um fator
importante é a descapitalização dos agricultores locais em conjunto com as
agradáveis quantias que são pagas por hectare, numa renda fixa, sem que os
proprietários tenham trabalho ou investimento para obterem rendimento quando arrendam
os seus terrenos para esta atividade. Depois, a maioria das estufas está
instalada em zonas onde há água da barragem, o que facilita muita coisa e,
finalmente, o apoio financeiro em pleno de fundos comunitários que apoiam
prioritariamente produtos para exportação.
O que é que a
população desta região ganha com a implantação das estufas hidropónicas para
frutos vermelhos?
Não encontro nenhum enriquecimento
para a região, nem sequer para as estatísticas de emprego porque a maioria dos
trabalhadores que lá se encontram são estrangeiros. Como contraindicações, para
além de este tipo de agricultura nos afastar de uma agricultura regional, a
implantação destas estufas pode impossibilitar esses terrenos para futuras
culturas, sejam elas quais forem, porque a estrutura deste tipo de estufas
altera a textura e a qualidade do solo agrícola em zonas de terra especialmente
fértil e com características diversificadas.
Que tipo de
agricultura deve ser feito nesta zona?
Na minha opinião, a agricultura que
aqui se deve privilegiar é a agricultura familiar e regional porque estamos
numa zona onde a maioria dos terrenos são minifúndio e porque o terreno e o
clima se adapta a muitas culturas frutícolas e hortícolas sem ter o impacto que
este tipo de agricultura está a provocar.
Mas é muito difícil de responder a esta questão devido à
descapitalização, ao abandono de terrenos e à comercialização, entre outros fatores,
que não motivam nem propiciam cultivos adequados à nossa região, por isso, a
resposta, no fundo, está em Bruxelas, onde agentes que desconhecemos e que não
sabemos se conhecem verdadeiramente a situação real da nossa zona, decidem tudo
em gabinetes.
Mas também tenho algumas questões a fazer que se prendem com
o modo como as coisas se processam cá em Portugal. Por exemplo, o ano de 2014
foi o ano da agricultura familiar portuguesa e a pergunta que eu coloco é a
seguinte: O que é que se evidenciou com este ano dedicado a algo que nos faz
tanta falta? Quem é que soube que 2014 foi dedicado à agricultura familiar
portuguesa? Que divulgação existiu? O que é que as pessoas competentes dentro
do Ministério da Agricultura fizeram para que mais famílias portuguesas ligadas
à agricultura pudessem não desistir da sua atividade? Já nem pergunto o que é
que foi feito para incentivar outras famílias a iniciar esta atividade, só
pergunto: o que é que foi feito para que algumas famílias não desistissem?
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