quarta-feira, 3 de junho de 2009

Entrevista/reportagem com Daniel Vieira



in "Postal do Algarve"
Abril de 2007









“Pela Arte o homem sente que domina e detém, enfim, o poder de imobilizar e conservar, não só o que viu à sua volta, mas também o que viveu dentro de si.”

RENÉ HUYGHE




A minha verdadeira universidade foi pelos cafés e por aí.


Daniel Vieira começou a gostar de pintura em criança. “O meu pai pintava a vista da varanda e eu gostava daquilo. Um dia apareceu aqui um pintor da velha escola dos impressionistas, o senhor Jorge Falcão Trigoso. O meu pai levou-o para casa. Eu gostava das coisas que ele fazia.” Não achava graça à escola. “ Fui estudar para Faro. Mau estudante! Não estudei nada! Eu gostava era de rua! Voltei para Alte e comecei a pintar com o meu pai. Tinha pr’ aí 12 anos.” Hipnotizado pela vida, não parou de aprender coisas. “A gente aprende em qualquer lado, não é? A minha verdadeira universidade foi nos cafés e por aí. O meu tio Caixeiro, um dia deixou cair uma bilha no poço. O poço tinha o gargalo de pedra. Ele disse-me: Estás a ver? O baraço é mole, não é? Mas tantas vezes foi buscar coisas lá em baixo que furou a pedra! Assim podes ser tu!” Nessa altura já Daniel queria ser pintor e “um senhor, parente do Cândido Guerreiro, disse-me que um pintor tem que saber de tudo. Essa também me ficou na cabeça. Entusiasmei-me e comecei a estudar em Loulé, na explicação do sr. Porfírio Lopes. Um personagem engraçado! (parou a olhar para o ar como quem regressa por instantes a um lugar já inabitável mas que se mantém aceso na sua memória. “Fiz o 2º ano, fui para Lisboa. Fiz a António Arroio à noite. Fui trabalhar na Caixa Geral de Depósitos e matriculei-me na Escola das Belas Artes” que concluiu em 1974.

Quem nos tira a aguarrás tira-nos tudo.

Daniel Vieira fez cursos nocturnos de Pintura, Gravura, Música, (um deles com o professor João de Freitas Branco, “grande maestro, gostava muito de ver as mãos dele!”), Teatro, Expressão Dramática… Em Belas Artes especializou-se em Gravura, “quem nos tira o cheiro da aguarrás tira-nos tudo!” Não pára de estudar. No ano passado voltou para as Belas Artes para um curso de Ilustração porque sentia “necessidade de falar com pessoas novas!” Um eterno jovem. “ Nasci no ano da graça de 1937. No ano em que Picasso pintou a Guerenica”, a última invenção feita em Arte. Agora é muito difícil criar algo verdadeiramente novo. Pinta por necessidade, porque sente coisas e tem que as pôr cá fora. Não trabalha todos os dias a horas certas, funciona por impulso quase visceral. “Bem, estou trabalhando sempre, mas às vezes é só de cabeça!” Tem imensos quadros inacabados e trabalhos terminados que são compostos por várias telas que se completam, como se de um puzzle se tratasse. As exposições que apresenta na Horta das Artes, muitas vão-se renovando e continuando, porque o tema lhe agrada e encontra sempre forma de melhorar aquilo que exprimiu. Isso acontece com a actual, intitulada “Herotices”, “sim, sempre fui virado para o herótico mas agora estou mais descarado!!!” (risos), e se mistura com uma série de outros trabalhos que enchem as paredes da “oficina”, trabalhos seus e trabalhos de outros que por ali passaram. Em simultâneo existe outra exposição, permanente, de gravura (sempre a renovar-se, claro!), esta sobre a música popular, tema que trabalha neste instante também em desenho, aguadas e técnicas mistas e sobre a qual tem umas “esculturazitas” de barro.

Aprende a tocar viola campaniça… pelo telefone!?


Detentor de aguçado espírito crítico e social preocupa-se com as raízes dos hábitos e costumes das gentes que estão na vida. Participou em inúmeros Congressos e Colóquios ligados à cultura e música popular. Investiga nessa área. Tem vários trabalhos publicados como “ Simbologia do Povo Português”, “Música, dança e gastronomia medievais” entre outros publicados e inéditos. Teve diversos cargos públicos. Fez várias recolhas de música popular e desde 1976 tem pertencido a diversos grupos de música popular portuguesa, nalguns como coordenador. Ainda hoje pertence ao Grupo de Música Popular Erva Doce da Casa do Povo de Alte (voz, bandolim, cavaquinho e percussão). “Agora deu-me para aprender a tocar viola campaniça.” Como aprende? “Pelo telefone!” Olha para mim, divertido, “com um amigo meu de Évora, o Virgílio Neve, vou-lhe perguntando coisas e ele vai-me explicando.”
Para o Teatro, Daniel Vieira elaborou cenários, foi actor, encenador, agente cultural, e fundador do Teatro da Estrada, um projecto que já vinha de Messines, criado por Pedro Ramos e outros. Continuou-o e adaptou-o juntamente com a Célia Martins “uma força da natureza. Ela é assim como eu, dá tudo pela Arte, até recusou pertencer a um grupo de teatro onde poderia ganhar dinheiro para se dedicar a isto onde o que ganha é trabalho.”
O projecto Teatro de Estrada funciona dentro da Horta das Artes que “começou de uma maneira muito simples. Quando acabei o curso de Belas Artes fiquei por lá a trabalhar em gravura com o Mestre Teixeira Lopes e com a professora Matilde Marçal. De vez em quando lembrava-me de Alte e tinha as minhas confissões. O Teixeira Lopes perguntou-me se eu não tinha cá uma casa velha onde pudesse fazer uma oficina de gravura. Inicialmente isto era só um armazém onde o meu pai tinha as alfarrobas e as amêndoas. Ele deixou de apanhar alfarroba e amêndoa e eu roubei-lhe a casa. (Risos) Fiz a minha primeira oficina! Depois houve aqui um curso intitulado ‘Pensar Alte’ com sociólogos e arquitectos de vários países. A Isabel Raposo era a comandante da malta. Fez-se um estudo bastante completo e interessante sobre como reconstruir a aldeia. A Isabel Raposo escreveu dois livros, ‘Alte e a roda do tempo’, que conta a história de Alte e da sua arquitectura e outro sobre a maneira de reconstruir a aldeia. O livro foi para a Câmara Municipal de Loulé e durante três ou quatro anos esteve guardado em caixotes. Depois de terem feito estes mamarrachos todos é que fizeram o lançamento do livro!?” Nessa altura constatou-se que era necessário criar uma escola. Havia falta de terreno. “Se fizerem uma escola dedicada às artes gráficas, eu dou o terreno. A Câmara não quis! Então eu pedi dinheiro emprestado, a Isabel Raposo fez o projecto, ainda me vi à rasca com isso, cheguei a dever dinheiro a dois bancos ao mesmo tempo. Mas cá está a Horta das Artes” com exposições e outras actividades culturais que abre diariamente das 11 às 19 horas, não apenas aos visitantes mas também a quem queira ir para lá aprender e trabalhar.
E… fica afinal quase tudo por dizer sobre este homem onde a vida pulsa, lançada em diversas direcções que se completam, em permanente renovação.


Paula Ferro

1 comentário:

Teresa Afonso disse...

Mensagem Para Daniel Vieira!

Antes de mais cumpre-me informar que nos conhecemos este verão, na romaria da Sra. da Agonia, em Viana do Castelo...recorda-se? Foi um encontro muito agradável e devo dizer que de tudo o que já li e vi sobre os seus trabalhos de arte e não só (pena não ter visto tudo o que gostava) já sou
uma grande admiradora sua! Em breve seguirá um mail meu para si!Encontro-me no facebook com o nome de Teresa Afonso (Maria Teresa Abreu Afonso)! Muito
obrigado e os meus melhores cumprimentos!
Teresa Afonso