quarta-feira, 3 de junho de 2009

Entrevista/reportagem com Susana Nunes






in "Postal do Algarve"





Novembro de 2007






"Não há nada mais fútil, mais falso, mais vão, nada mais necessário que o teatro."
Louis Jouvet






Já fiz praticamente de tudo que se possa fazer em teatro.











O seu percurso como actriz foi muito autodidacta.



Susana Nunes sempre gostou muito de cinema e de música mas o teatro passava-lhe ao lado até que veio estudar engenharia biotecnológica para a Universidade do Algarve. No primeiro ano inscreveu-se num “curso de iniciação teatral do SIN-CERA. Tinha 19 anos”, era um curso “de três meses, expressão dramática, o geral, o básico para pessoas que quisessem ter o primeiro contacto com o teatro” orientado por “Vítor Zambujo que é actor e professor. Trabalha com o CENDREV em Évora, é um dos manipuladores dos bonecos de Santo Aleixo. No final fizemos uma pequena apresentação pública a partir de uns textos de Karl Valentim, e adorei aquilo, foi a primeira vez que tomei contacto com aquele tipo de exercícios e foi toda uma nova série de possibilidades que se abriram ali. Foi uma sensação muito clara porque foi muito orgânica, uma coisa desproporcionada em relação àquilo que via que os meus colegas estavam a sentir. Não tinha memória de ter feito alguma outra coisa na minha vida que me tivesse dado tanto gozo, que me tivesse dado tanta alegria fazer e percebi que independentemente do curso que a minha vida viesse a tomar, ia ter de arranjar maneira de continuar ligada ao teatro porque simplesmente não havia outra hipótese. Continuei a colaborar com o SINC-ERA e fiz de tudo: sonoplastia, operação técnica de luz, de som… fui fazendo workshops de teatro, de movimento, de dança… coisas promovidas pelo SIN-CERA e por outras entidades em Faro, em Lisboa… Fui complementando a minha formação, comecei a ver espectáculos, tudo o que tinha possibilidade de ver, aqui, fora, onde quer que fosse. Fui-me envolvendo de uma forma cada vez mais intensa com o SIN-CERA, estive na direcção durante quatro anos e a trabalhar como intérprete, sonoplasta, produtora… durante seis anos. Já fiz praticamente de tudo aquilo que consigo lembrar-me que se possa fazer em teatro. Não fiz direcção, nunca parti para um projecto de raiz para encenar e assumir inteiramente a responsabilidade artistica de um trabalho. Para já não é o que me interessa, também porque não me sinto preparada para o fazer. Acho que convém ir acumulando experiências, ver o trabalho dos outros, observar, conversar, ler, e perceber se tenho alguma coisa para dizer e de que forma é que o posso fazer…”


O teatro não pode apartar-se de uma certa responsabilidade.


Quando está a representar “a sensação que considero mais interessante experimentar é a dualidade. Conseguir estar em dois espaços, em dois estados de consciência em simultâneo…é uma viagem que permite abstrairmo-nos completamente de tudo. Um estado de concentração… essa possibilidade de me conseguir fechar sobre uma coisa, sobre um objecto, sobre algo que estou a fazer, mas em que há um publico, um receptor muito concreto”.
O seu percurso como actriz “passou muito pela auto descoberta, desenvolver o auto conhecimento, foi de uma forma muito autodidacta”.
Para Susana Nunes “o teatro não pode apartar-se de uma certa responsabilidade. Considero que a experiência é intensa para o público, sempre. O teatro é eficaz, de uma forma sub-reptícia para que as pessoas se encontrem e se confrontem com as suas próprias emoções. Essa eficácia e esse poder não podem ser usados de uma forma inocente e quem o faz, tem que saber que tem essa responsabilidade. O teatro pode ser um veículo transformador, de desbloqueio, mas não tem que ser nada massivo. Aqueles pequenos dados que se vão introduzindo, deixando sementes... trabalhar com essa subtileza pode ser mais eficaz do que estar a ‘bandeirar’ explicitamente determinadas ideias”. Creio que o essencial é gerar diferenciação, confrontar o público com novos dados, novas perspectivas e deixá-lo ir para casa germinar”.






Representar em interacção com o público é um bocadinho como estar em queda livre.


É muito diferente representar uma peça onde o público não intervém directamente e representar quando existe contracena com o público, como acontece muitas vezes com o grupo Al-MasRAH, do qual Susana Nunes também é fundadora. Representar em interacção com o público é “um bocadinho como estar em queda livre. Ainda que não tenhamos que esperar uma resposta do público, olha-se para as pessoas e percebe-se exactamente o que elas estão a sentir, percebem-se as emoções, os pensamentos, as reacções, em esgares muito pequeninos, em momentos muito pequeninos de expressão. Se calhar as pessoas pensam que estamos alheios ao que elas estão a sentir, que criamos uma esfera para nos protegermos e não deixarmos que isso nos perturbe ou distraia, mas não, nós estamos atentos, presentes e altamente sensíveis a esse estímulo. Esse jogo é muito interessante, a possibilidade de o espectador, de um momento para o outro, tomar a coisa nas suas mãos, alterar o curso, introduzir um dado novo, agora mando-te esta, o que é que fazes com isto? Não posso ignorar isto senão estrago o jogo. Só que nunca acontece, e é essa linha ténue que o actor vai percorrendo porque sabe que o espectador a maior parte das vezes não tem coragem para o fazer, há uma espécie de intimidação, se bem que a possibilidade está sempre presente. Enquanto espectadora sinto muito isso. Quando estou numa plateia e sinto que de repente os actores vão arrancar para o público, vão agarrar alguém pela mão, ou que me vão perguntar alguma coisa, eu fujo! Não sei bem porquê. Se calhar, há uma certa perda da inocência quando se conhece o processo de dentro, e depois se parte para o lugar de espectador. Parte-se do princípio que o actor precisa dessa inocência para fazer o jogo funcionar, e se calhar eu não lhe vou dar isso, só vou tornar a coisa mais complicada”. Quando trabalha directamente com o público, “há essencialmente essa troca e uma sensação muito clara que as pessoas são altamente generosas, receptivas e estão cheias de vontade de participar. Isso é muito evidente e muito estimulante”.




Teatro e expressão dramática não são a mesma coisa.


Susana Nunes também é formadora, “a experiência que tenho é só ao nível da expressão dramática e com um público muito jovem, entre os seis e os doze anos, essencialmente. Teatro e expressão dramática não são a mesma coisa. Expressão dramática, não tem por propósito a criação de um objecto teatral formal para mostrar a um público. É uma disciplina com exercícios próprios, uma ferramenta de trabalho para o teatro mas existe fora do teatro. Existe agora no currículo de escolas secundárias, por exemplo, e independentemente de os alunos virem a ser actores ou não, expressão dramática é útil para a vida”. Para as crianças, “basicamente é o exercício da imaginação, estimular a imaginação. E, é auto conhecimento, o contacto com o outro, o conhecimento dos outros, o conhecimento do seu corpo e da sua expressão particular, dos seus potenciais e limites. Ajuda a inter agir e é partir daí que se cresce. Qualquer pequena brincadeira de crianças tem todo esse processo, eles fazem expressão dramática naturalmente, criam personagens instintivamente, imitam o que vêem os adultos fazer, em casa, na televisão, os professores… O que nós também podemos fazer é trazer questões da vida deles, conflitos, problemas, evidenciar isso de alguma forma no trabalho de grupo e ajudá-los a reflectir para encontrarem soluções”.
A expressão dramática, seja para crianças ou para adultos, ajuda o individuo a tornar-se mais assertivo na medida em que “desenvolver a empatia pelo outro, conhecer o outro, desenvolver o auto conhecimento… predispõe a entender o meio em que se encontra. Se a pessoa se conhecer bem, sabe lidar melhor com os seus próprios ‘reveses’, aceita melhor o que a vida lhe traz, torna-se mais responsável pelos seus gestos e pelas circunstâncias em que se encontra. Fica mais perto de si própria e por isso também mais perto dos outros e do mundo”.

Paula Ferro

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