domingo, 25 de outubro de 2009

Jornalismo - Entrevista reportagem com Patrícia Gonçalves

in Postal do Algarve
Fevereiro 2008
(in "Geografias Variáveis" -
- Palácio da Galeria - Tavira)



“A arte é o lugar da liberdade perfeita”
André Suarés




Tenho a certeza que fiz a opção correcta






Os diálogos com Bartolomeu dos Santos fizeram-me crescer









O desenho e a pintura têm o poder do prazer e da comunicação



Patrícia Gonçalves nasceu em Tavira em 1982. A tendência para a arte foi algo que foi crescendo com ela. Desde pequena que gostava de pintar, desenhar, misturar materiais, criar formas. “Quando cheguei à adolescência havia quem dissesse que o meu interesse pela pintura e por todo este mundo artístico era algo passageiro. Isso fazia-me pensar” Sorriu. “Mas a verdade é que não me via sem estar neste meio”. Fez uma pequena pausa e ofereceu-me um sorriso iluminado. “Hoje tenho a certeza que fiz a opção correcta!”
Tem bacharel em Pintura e licenciatura em Artes Plásticas pela Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. Trabalhou com Bartolomeu Cid dos Santos no seu atelier onde aprendeu técnicas de gravura. “Mostrei-lhe o meu trabalho e ele convidou-me para trabalhar no seu atelier onde aprendi imenso com as nossas conversas e as histórias que ele me contava”. Parou um pouco como quem volta atrás nas recordações “Os diálogos entre nós fizeram-me crescer”. Sorriu com o seu peculiar jeito de menina crescida “Eu mostrava-lhe o meu ponto de vista que nem sempre era coincidente com o dele e conversávamos, como iguais,” sorriu mais uma vez, parou e ficou com ar sério, como se tivesse dito algo que não devia “apesar de eu ter uma noção bem definida das distâncias”. Fitou-me séria de modo a não deixar lugar para dúvidas. “Respeito imenso o seu percurso e o seu estatuto de Mestre que me parece quase inalcançável, sobretudo porque estou ainda no início de carreira”.
Relativamente a gravura “ainda estou a explorar as potencialidades desta técnica. Faz-me lembrar um pouco o processo da fotografia. Colocando a chapa nos ácidos, pouco a pouco vão surgindo resultados e não se sabe o que vai sair dali, só depois da prensa é que sabe. Ou seja, imagina-se e cria-se com uma ideia inicial, mas o resultado final é diferente”. Sorriu com ar de catraia, “principalmente para mim pois é uma técnica que ainda não domino, e por isso ainda não sei calcular tempos para deixar a chapa nos ácidos”. Pequena pausa. “Mas posso dizer que tenho gostado dos resultados”.






O desenho e a pintura são testemunhos da vida





Seguidamente entrou no estágio profissional na Câmara de Tavira. Trabalha no Palácio da Galeria/ Museu Municipal de Tavira, na área do Serviço Educativo. Para Patrícia Gonçalves o desenho e a pintura são testemunhos da vida. “Desde a pré-histórica que temos vestígios destas duas formas de arte com as pinturas rupestres” e deixou sair aquela expressão de quem ainda não se despegou da escola. “Já aqui podemos notar que estas duas formas de arte são testemunhos da vida. São como um livro de história porque nos permitem analisar épocas. São duas formas de arte que comunicam”. Parou como quem busca uma forma melhor de dizer as coisas “Talvez me atreva a chamar-lhes ‘ferramentas para mostrar a vida’, o visível e não visível dela” Pequena pausa. “Mostram pensamentos ocultos, acontecimentos mais infelizes ou mais felizes, críticas, etc”. Sorriu, olhou para mim e continuou, “bem, nem sempre comunicam algo. Pode apenas fazer-nos usufruir da sua estética. Esse é o poder do desenho e da pintura. Tal como outras formas de arte, têm o poder do prazer e da comunicação”.







Não me parece que exista uma ‘definição universal’ do que é considerado arte







Tentar saber o que é a arte é uma questão complexa, “é tão complexa que leva sociólogos e filósofos a ocuparem-se dela e a desenvolverem imensas teorias. A arte está em constante reflexão intelectual. É repensada, redefinida, e muito trabalhada. Não tenho a ousadia de dar uma definição de arte”. Sorriu expressando humildade, “depois também não me parece que exista uma ‘definição universal’ do que é considerado arte. Para uns, algumas obras não são consideradas arte, já para outros são. Ou seja, com este paradoxo, parece-me que há necessidade de se saber primeiro o que poderá ser classificado como obra de arte” e o discurso flúi sem paragens. “Quais são as propriedades que levam a tal. Será que a obra para ser considerada uma obra de arte tem que estar no museu? É o museu que dá estatuto à obra? Têm que ser contemplada para ser arte? Quem poderá criar uma obra de arte? Quem é considerado artista? Quem considera que um determinado ‘trabalho’ tem estatuto para ser considerado de obra de arte?” Pequena pausa. “Poderia continuar com imensas questões. Parece-me que o mais adequado seria chegar a um consenso entre entendidos desta área. O que não me parece que seja possível”. Tanta divergência deve-se “talvez ao facto de o mundo estar em constante mudança e a arte ser o ‘espelho’ da vida. Sempre mudando. Isso faz com que as teorias sobre artes, mudem com ele”. Fez uma pausa, ficou séria e esclareceu, “quando iniciei o curso de artes plásticas, pensava que me ia ser dada uma definição de arte mas não.” Pausa. “O que é certo é que aprendi diversas maneiras de reflectir sobre arte, tive conhecimentos de várias teorias, problemas que surgiram ao longo dos anos, li opiniões de diferentes pensadores sobre este assunto. Mas apenas e uma única definição, não”.




O vidro permite que tudo seja visível tal como é





Os trabalhos que apresenta na exposição colectiva intitulada “Geografias Variáveis” que se encontra patente ao público no Palácio da Galeria são fotografias, instalação e escultura. “É um trabalho límpido, branco, translúcido, requintado e até frágil, pois o vidro é um dos materiais de eleição para a realização das peças. São peças visualmente leves mas fisicamente pesadas”.
Utiliza várias matérias e materiais, mas os de maior destaque são o vidro incolor, por vezes água, luz e gesso. “A escolha do vidro e não de outro material, tem haver com a sua característica primordial, a sua transparência. Esta permite que tudo seja visível, que possamos ver além de... É um trabalho com uma mensagem de valorização pelo que é genuíno, o espontâneo, o verdadeiro. O vidro não consegue esconder, permite que tudo seja visível tal como é”. O branco do gesso também está associado à pureza. “Já em latim ‘puro’ tem um sentido material, que é puro o que é limpo, sem mancha, ou seja, sem nódoa”. Reflectiu um pouco. “Apesar de achar que a pureza, a nível do humano não existe. Mas, há sempre pessoas que não vêm o mal onde ele, de facto, não está. Pelo contrário, há muitas outras que vêm mal em toda a parte. Eu procuro valorizar o bom da vida, como uma espécie de ‘hino à vida’”.

As formas arredondadas são apelativas ao toque






A luz do dia, a luz emitida pelo sol, também é importante para a realização do seu trabalho. “A luz simboliza constantemente a vida e a felicidade, as minhas peças/instalações só vivem com luz. O vidro é um material reflectivo e absorve as energias da atmosfera em redor, envolvendo o meio onde se encontra e variando, consoante a hora do dia e até a estação do ano. Aproveito-me da luz inimitável para a realização das fotografias. A luz é o tema central das minhas fotos”.
Outra característica do trabalho apresentado nesta exposição, é o uso de formas arredondadas. “As formas arredondadas são apelativas ao toque ao passo que as pontiagudas, transmitem violência e agressividade” esclarece, “de modo geral é esta a razão da escolha das matérias e materiais para a realização do meu trabalho nesta exposição”.


Paula Ferro



































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