quinta-feira, 18 de março de 2010

Jornalismo - Marco Martins

in ".S" - caderno de artes do "Postal do Algarve"
Setembro 2009
Marco Martins
Cinema português além-fronteiras

Marco Martins nasceu em Lisboa em 1972 mas as suas raízes encontram-se no Algarve, na região de Tavira. Formado pela Escola Superior de Teatro e Cinema (1994) estagia na área de produção com os realizadores Wim Wenders, Manoel de Oliveira e Bertrand Tavernier e, durante dois anos, é assistente de realização de João Canijo.
Entre 1994 e 1998 escreve e realiza três curtas-metragens: “Mergulho no Ano Novo” que recebeu o prémio de Melhor Curta-metragem Nacional no Festival Internacional de Curtas-metragens de Vila do Conde; “Não Basta ser Cruel”, prémio Melhor Curta-Metragem e Melhor Realizador no VII Festival Ibérico de Cinema de Badajoz; e “No Caminho para a Escola”, prémio Eixo Atlântico no Festival de Ourém. Realiza também filmes publicitários e, em 2002 funda a sua própria produtora de publicidade, “Ministério dos Filmes”, que foi distinguida com vários prémios internacionais.
Marco Martins nasceu em Lisboa em 1972 mas as suas raízes encontram-se no Algarve, na região de Tavira. Formado pela Escola Superior de Teatro e Cinema (1994) estagia na área de produção com os realizadores Wim Wenders, Manoel de Oliveira e Bertrand Tavernier e, durante dois anos, é assistente de realização de João Canijo.
Entre 1994 e 1998 escreve e realiza três curtas-metragens: “Mergulho no Ano Novo” que recebeu o prémio de Melhor Curta-metragem Nacional no Festival Internacional de Curtas-metragens de Vila do Conde; “Não Basta ser Cruel”, prémio Melhor Curta-Metragem e Melhor Realizador no VII Festival Ibérico de Cinema de Badajoz; e “No Caminho para a Escola”, prémio Eixo Atlântico no Festival de Ourém. Realiza também filmes publicitários e, em 2002 funda a sua
própria produtora de publicidade, “Ministério dos Filmes”, que foi distinguida com vários prémios internacionais.

“Escrever ou fazer filmes é sempre um trabalho sobre a memória”
“How to Draw a Perfect Circle” (Como Desenhar um Círculo Perfeito) é a nova longa-metragem de Marco Martins e vai ser estreada em Outubro. Uma história de incesto. Mais do que outra história, outro tema. “Gosto mais de temas do que de histórias”. As histórias aparecem com os temas e “gosto de temas pesados e controversos. Não pretendo chocar. São temas que me fascinam e fascinam-me ao ponto de me fazerem trabalhar sobre eles ao longo de dois anos”. Temas fortes, relacionados com ambientes familiares pesados. Em “Alice”, há um corte involuntário entre os pais e a filha, em “Como Desenhar um Círculo Perfeito”, temos dois irmãos isolados, entregues a si próprios, e o corte dá-se com o resto do mundo.
“A escolha de uma estrutura familiar tem a ver sobretudo com o trabalho. Escrever ou fazer filmes é sempre um trabalho sobre a memória. Estamos sempre a trabalhar sobre memórias. Há um interesse em explorar laços afectivos familiares na medida em que a família é uma estrutura onde existe muita coisa escondida, ocultada. Nunca se diz tudo sobre a família, e é isso que é interessante”.
Aqui é abordado o tema do incesto, um incesto “particular, entre irmãos e gémeos. Um dos grandes tabus, um dos poucos que continua a existir”.
Incesto como tema e abandono como sub-tema. “É um bocadinho como acontecia em “Alice” que era a história de um desaparecimento mas na verdade era um filme sobre uma visão de uma cidade. Este filme também aborda a temática do abandono, o abandono daquelas duas crianças por parte da família. O isolamento em que elas vivem, também provocado por elas próprias a partir de certa altura, porque acabam por criar um mundo que é só deles, demarcado pelo espaço da casa”.
“Alice”, um filme de exteriores e agora, “Como Desenhar um Círculo Perfeito” um filme onde a câmara explora sobretudo uma geografia de interiores.
Em “Como Desenhar um Círculo Perfeito” há uma parceria com Gonçalo M. Tavares. “Quando acabei o guião fiz-lhe um desafio: fazer uma segunda versão. E ele fez”. Marco escreve os seus próprios guiões mas está ligado sobretudo à imagem. Existem momentos em que sente necessidade de recorrer a quem domine verdadeiramente a linguagem literária. “O personagem do pai é escritor e escreve textos para o filho. Essa parte, evidentemente, é toda do Gonçalo”.



“A música é um género de subtexto da acção principal”
Estreia a sua primeira longa-metragem em 2005, um drama intitulado “Alice”. O actor Nuno Lopes encarna o papel de Mário, um pai obcecado pelo desaparecimento da sua filha de quatro anos e que, todos os dias, refaz o mesmo itinerário, repete os mesmos gestos, construindo e sustentando a esperança de encontrar alguma pista de Alice. Este filme explora a obsessão, materializando um estado de desespero resignado diante de uma realidade contra a qual muito pouco pode ser feito, e ao mesmo tempo retrata a cidade de Lisboa mostrando-a pelo seu lado de cidade fria e anónima.
“Alice” recebe diversos prémios internacionais: Festival de Cannes, Festival de Cinema Luso-Brasileiro (Melhor Filme e Prémio Revelação Melhor Actor - Nuno Lopes), Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata na Argentina (Melhor Realização), Raindance Film Festival, (Melhor Filme, Melhor Fotografia e Prémio FIPRESCI), Festival Las Palmas (Melhor Primeira Obra), Coimbra Caminhos do Cinema Português (Prémio de Realizador Revelação), Globo de Ouro (Melhor Filme), Festival de Cinema de Países de Língua Portuguesa (Melhor Actor - Nuno Lopes, e Melhor Filme), Festival dos Cinemas do Mediterrâneo (Melhor Realizador, Melhor Montagem, Melhor Fotografia e Melhor Música).
Bernardo Sassetti foi o compositor escolhido para participar na banda sonora. Embora não abunde, a música tem um papel muito importante. Invade-nos os sentidos e transporta-nos para dentro da angústia de Mário. O piano a solo conduz-nos, lentamente, para sensações cada vez mais fundas, mais escuras e densas. “Na história da Alice interessava-me tudo o que era música repetitiva mas não minimal”, explica o cineasta, “com essa ideia de repetição, para o cada dia da personagem do Nuno ser absolutamente igual ao outro, ser uma constante repetição do outro, mas sempre com uma pequena evolução. Daí partimos para a composição da música”.
A música é de extrema importância nos filmes de Marco Martins pois não é vista “como um sublinhar da acção dramática e sim como outra linha textual, um género de subtexto da acção principal. Como se fosse a linha de pensamento da personagem principal”.
No próximo filme, Marco usa-a do mesmo modo, e oferece-nos outro desafio feito a Sassetti que desta vez não usará o piano. Aqui, a música funciona “às vezes até em contra-ciclo com o que estamos a ver, é quase um descodificador emocional da imagem”.



O trabalho do actor é visto como uma obra de arte
Faz um trabalho intenso com cada actor e descobrir o indicado para cada personagem é um trabalho exaustivo. Para “Como Desenhar um Circulo Perfeito” demorou muito tempo até encontrar as pessoas certas, sobretudo devido à idade dos personagens. “Qualquer actor como estes miúdos de dezasseis anos, é um não actor. Embora possam ter tido algumas experiências, não são actores. Não podemos olhar para o corpo de trabalho de cada um deles e perceber realmente o que é capaz de fazer. Há uma parte em que temos que adivinhar e outra parte em que temos que acreditar que ele vai lá chegar”. Um trabalho árduo que exige paciência e persistência. “No início eram 600 miúdos” e foi seleccionando até escolher três que trabalhou exaustivamente até definir os protagonistas.
“Tenho a noção que a partir do momento em que escolho o actor, ele vai condicionar uma reescrita do meu guião, por isso começo logo a reescrever mal escolho o actor”. Não lhe agrada a representação clássica, “dizer um texto ou representar uma acção. Obviamente todas as representações são representações, mais naturalistas ou menos naturalistas, mas gosto de levar ao extremo o trabalho com o actor. Trabalho muito tempo com eles. Com estes dois miúdos trabalhámos quase quatro meses à volta daquela personagem e com questões ligadas à representação. Como jovens actores que são, deixaram-se completamente submergir por aquelas personagens e depois já era difícil distinguir onde estava o actor e começava a personagem. Esse trabalho faz com que se chegue sempre a um sítio que já não é o sítio de partida. Não estou a tentar moldá-los a uma ideia que eu tinha da personagem, estou apenas a tentar chegar a uma ideia. Há uma confrontação com a realidade do material que nós temos”.
O trabalho do actor é exibido de um modo distinto em “Night Walks”, a vídeo instalação que esteve patente ao público na Casa das Artes de Tavira, “um projecto que nasceu durante a rodagem deste filme. Havia planos muito, muito longos que não tinham o ritmo do filme. Só duas personagens, a andar, que intimamente não faziam parte da montagem final. Eles, só por si, eram interessantes e colocavam uma série de questões quase como se fossem, eles próprios, uma narrativa fechada num só plano, sem qualquer tipo de contextualização”.
“Night Walk” apresenta-nos o trabalho do actor de cinema colocado no universo da vídeo arte, no espaço expositivo de uma galeria de arte, atribuindo-lhe assim o valor de obra de arte.
Aguarda-se com alguma expectativa a estreia de “How to Draw a Perfect Circle”, nos cinemas, já em Outubro.
Paula Ferro

Sem comentários: