sábado, 27 de janeiro de 2018

Entrevista com Luísa Bernardo

                                                   Ciclo de entrevistas  
                                               O Ambiente é de Todos
            Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul
                                                  Jornalista: Paula Ferro








A primeira entrevista de o ambiente é de todos foi com Luísa Bernardo como título: 
As estufas de frutos vermelhos podem impossibilitar os terrenos para culturas futuras


Notícia da entrevista com Luísa Bernardo

A evolução demasiado rápida da tecnologia alterou os hábitos dos homens e estes afastaram-se de valores que são incontornáveis para a manutenção do planeta. As consequências do abuso no modo como o ser humano tem vindo a usufruir do planeta Terra estão à vista. É imperioso que estejamos informados sobre o que está a acontecer em torno de nós no que diz respeito ao ambiente.
O Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa  inicia uma série de entrevistas sob o título “O ambiente é de todos” no intuito de divulgar informação sobre diversos pontos do ambiente, incidindo sobretudo na região do Algarve, muito embora tenha em consideração a ligação que existe com o ambiente em geral.
A primeira entrevista é com Luísa Bernardo e tem como tema “as estufas hidropónicas para frutos vermelhos no sotavento algarvio”.
Luísa Bernardo é natural de Sto Estêvão, é engenheira técnica agrícola desde 1971, trabalhou na antiga Estação Agrária, no Centro de Reforma Agrária de Faro e na Direcção Regional de Agricultura do Algarve. A sua actividade profissional distribuiu-se por diversos sectores como a extensão rural (desenvolvimento agrícola e familiar), o arrendamento rural, o apoio técnico ao desenvolvimento rural e também como produtora agrícola.
“A implantação de estufas inicia-se nos anos 70 na zona dos concelhos de Faro e de Olhão. Eram pequenos e médios produtores que optaram por esta técnica devido ao clima favorável à precocidade dos produtos hortícolas,” esclarece Luísa Bernardo, mas “nessa altura ainda não se falava em questões ambientais, só uma elite é que falaria nestes temas por isso não se pensava em desvantagens ambientais”.
“O resultado da intensificação das culturas em estufa provocou na zona de Faro e de Olhão, a captação intensiva de águas através de furos, o que provocou o aparecimento da salinidade nas águas nas zonas de maior intensidade de horticultura com estufa”, continua Luísa Bernardo.
“Nos finais dos anos 80, as estufas tradicionais começaram a desaparecer. Desde que entrámos na União Europeia, o mercado transformou-se, deixou de ter o valor e o escoamento de produto que tinha anteriormente e os agricultores ficaram descapitalizados”.
A diferença entre as estufas tradicionais e as estufas hidropónicas para frutos vermelhos “reside na magnitude da infraestrutura e da estrutura em si”, continua a engenheira técnica agrícola, “as estufas hidropónicas para frutos vermelhos chegam a atingir os 4 metros, ou mais, e abafam as populações vizinhas que vivem de cultivos ao ar livre. Quando existem chuvas intensas, não é possível prever os estragos que causarão em zonas planas ou que ficam mais baixas do que as estufas porque o chão das estufas está impermeabilizado”.
“Não encontro nenhum enriquecimento para a região” com estas estufas, continua Luísa Bernardo, “nem sequer para as estatísticas de emprego porque a maioria dos trabalhadores que lá se encontram são estrangeiros”.
A resposta para uma agricultura adequada à região “no fundo, está em Bruxelas, onde agentes que desconhecemos e que não sabemos se conhecem verdadeiramente a situação real da nossa zona, decidem tudo em gabinetes”.

A entrevista com Luísa Bernardo vai acontecer no dia 8 de Dezembro de 2015, às 16:00 horas.


Estufa de horticulas

Estufa de vinha (antiga)



Estufas de frutos vermelhos na zona de Sto Estêvão - Tavira

Estufas de frutos vermelhos na zona de Sto Estêvão - Tavira
Entrevista com Luísa Bernardo
8 de Dezembro de 2015
no Jornal diariOnline - Região Sul



As estufas de frutos vermelhos podem impossibilitar os terrenos para culturas futuras


Luísa Bernardo é natural de Sto Estêvão, é engenheira técnica agrícola desde 1971, trabalhou na antiga Estação Agrária, no Centro de Reforma Agrária de Faro e na Direcção Regional de Agricultura do Algarve. A sua actividade profissional distribuiu-se por diversos sectores, a nomear: extensão rural (desenvolvimento agrícola e familiar), arrendamento rural, no apoio técnico ao desenvolvimento rural e também como produtora agrícola.

Quando, como e porque começa a implantação de estufas no Algarve?
A implantação de estufas inicia-se nos anos 70 na zona do concelho de Faro e Olhão. Eram pequenos e médios produtores que optaram por esta técnica devido ao clima favorável à precocidade dos produtos hortícolas na medida em que intensificavam essa precocidade e davam oportunidade a novas culturas não tradicionais que foram iniciadas na época, nesta zona, como a beringela e a curgete.
A vantagem das estufas, nessa altura, era a chegada aos mercados abastecedores principais do país mais cedo do que os mesmos produtos provindos de outras zonas, em especial do Ribatejo Oeste.
Nessa altura ainda não se falava em questões ambientais, o ambiente era algo abstrato e só uma elite é que falaria nestes temas, por isso não se pensava em desvantagens ambientais.
O resultado da intensificação das culturas em estufa provocou, na zona de Faro e de Olhão, a captação intensiva de águas através de furos o que, por sua vez, provocou o aparecimento da salinidade nas águas em zonas de maior intensidade de horticultura com estufa. É bom referir que nessa época não havia barragem e por isso o único meio de obter água era através de furos.
Nos finais dos anos 80, as estufas tradicionais começaram a desaparecer pelo elevado custo dos materiais e da mão-de-obra e pela escassez de escoamento de produtos porque desde que entrámos na União Europeia o mercado transformou-se, deixou de ter o valor e o escoamento de produto que tinha anteriormente e os agricultores ficaram descapitalizados tendo optado por culturas menos dispendiosas, mais adequadas à região e que começaram a ter apoios comunitários.

Qual a diferença entre as estufas dos anos 70 e as estufas hidropónicas que neste momento invadem em especial o sotavento algarvio?
A principal diferença reside na magnitude da infraestrutura e da estrutura em si. As estufas hidropónicas para frutos vermelhos, há que referir isto, pois existem estufas hidropónicas para horticultura, plantas aromáticas e medicinais, e outras, que não atingem estas dimensões e por isso não são tão prejudiciais.  
Só a altura destas estufas, que chegam a atingir os 4 metros ou mais, abafa as populações vizinhas que vivem de cultivos ao ar livre e quando existem chuvas intensas, não é possível prever o estragos que causará a zonas planas ou que ficam mais baixas que as estufas porque o chão das estufas está impermeabilizado.
Existem valas, mas com chuvas intensas não se consegue prever qual a quantidade de suporte necessário para estas valas não escoarem para as outras valas, tanto as naturais (os ribeiros) como as artificiais (as canalizações da população), provocando inundações.
Poder-se-á verificar a veracidade desta afirmação nas zonas de Bernardinheiro e da Campina da Luz de Tavira, onde estas inundações já se verificaram, mesmo antes da implantação das estufas, com a implantação das estufas, a situação natural desta zona poderá agravar-se.

Qual a razão porque aparece este surto de estufas hidropónicas para frutos vermelhos no sotavento algarvio?
Existem vários fatores a ter em consideração. Um dos principais fatores é o abandono das terras, provocado pelo envelhecimento de muitos proprietários e os seus descendentes não estarem vocacionados para dar continuidade às atividades dos seus pais. Outro fator é a falta de incentivos aos agricultores locais para cultivarem. Um fator importante é a descapitalização dos agricultores locais em conjunto com as agradáveis quantias que são pagas por hectare, numa renda fixa, sem que os proprietários tenham trabalho ou investimento para obterem rendimento quando arrendam os seus terrenos para esta atividade. Depois, a maioria das estufas está instalada em zonas onde há água da barragem, o que facilita muita coisa e, finalmente, o apoio financeiro em pleno de fundos comunitários que apoiam prioritariamente produtos para exportação.

O que é que a população desta região ganha com a implantação das estufas hidropónicas para frutos vermelhos?
Não encontro nenhum enriquecimento para a região, nem sequer para as estatísticas de emprego porque a maioria dos trabalhadores que lá se encontram são estrangeiros. Como contraindicações, para além de este tipo de agricultura nos afastar de uma agricultura regional, a implantação destas estufas pode impossibilitar esses terrenos para futuras culturas, sejam elas quais forem, porque a estrutura deste tipo de estufas altera a textura e a qualidade do solo agrícola em zonas de terra especialmente fértil e com características diversificadas.

Que tipo de agricultura deve ser feito nesta zona?
Na minha opinião, a agricultura que aqui se deve privilegiar é a agricultura familiar e regional porque estamos numa zona onde a maioria dos terrenos são minifúndio e porque o terreno e o clima se adapta a muitas culturas frutícolas e hortícolas sem ter o impacto que este tipo de agricultura está a provocar.
Mas é muito difícil de responder a esta questão devido à descapitalização, ao abandono de terrenos e à comercialização, entre outros fatores, que não motivam nem propiciam cultivos adequados à nossa região, por isso, a resposta, no fundo, está em Bruxelas, onde agentes que desconhecemos e que não sabemos se conhecem verdadeiramente a situação real da nossa zona, decidem tudo em gabinetes.
Mas também tenho algumas questões a fazer que se prendem com o modo como as coisas se processam cá em Portugal. Por exemplo, o ano de 2014 foi o ano da agricultura familiar portuguesa e a pergunta que eu coloco é a seguinte: O que é que se evidenciou com este ano dedicado a algo que nos faz tanta falta? Quem é que soube que 2014 foi dedicado à agricultura familiar portuguesa? Que divulgação existiu? O que é que as pessoas competentes dentro do Ministério da Agricultura fizeram para que mais famílias portuguesas ligadas à agricultura pudessem não desistir da sua atividade? Já nem pergunto o que é que foi feito para incentivar outras famílias a iniciar esta atividade, só pergunto: o que é que foi feito para que algumas famílias não desistissem?

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