domingo, 28 de janeiro de 2018

Entrevista com Benedicte Travaux

Ciclo de entrevistas realizadas pelo Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa no Jornal diariOnline - Região Sul : o ambiente é de todos.
Jornalista: Paula Ferro

O ambiente é de todos

O descalabro que acontece no Algarve é da responsabilidade de todos

Entrevista com Benedicte Travaux





A quinta entrevista do ciclo “o ambiente é de todos” que o Núcleo de Jornalismo da Associação Min-Arifa tem vindo a realizar no diariOnline do Região Sul é com Benedicte Travaux do movimento Tavira em Transição.
Benedicte Travaux nasceu em Paris em 1953. Foi professora de ténis, o que lhe permitiu viajar bastante e trouxe a Portugal em 1977, através do Club Mediterrane. Estabiliza-se em Paris e durante vários anos foi decoradora das lojas Pierre Frey e Yves Halard.
Em 1984 casou com um português e passou a residir em Tavira até hoje. Em 1986 montou a Galeria Spatium para acolher os artistas portugueses e estrangeiros que residiam na região e esteve activa até 2002.
É membro do movimento Tavira em Transição.
Em Setembro passado, Benedicte estava na Ria Formosa, na zona de Torre d’Aires e o seu olhar foi surpreendido por reflexos que vinham de terra. Foi tentar perceber de onde vinham aqueles reflexos e descobriu que estava a ser iniciada uma exploração agrícola para produção de framboesas com estufas para hidroponia, na Quinta da Torre d’Aires, onde se encontra uma parte da antiga cidade portuária romana de Balsa para além de pertencer ao Parque Natural da Ria Formosa.
“O meu primeiro e-mail, com fotos, foi para o presidente da Câmara Municipal de Tavira a quem perguntei o que se passava ali e se ele havia aprovado aquele projecto”, explica Benedicte Travaux, “a resposta foi um e-mail a perguntar o meu nome completo e o meu número fiscal”.
Benedicte procurou então outros contactos entre os quais, “o João Cunha da Rádio Renascença”, explica Benedicte, que “veio ao local e visitámos empresas de exploração agrícola com estufas, a HUBEL, uma empresa portuguesa que implantou estufas hidropónicas para frutos vermelhos em vários locais, estivemos na Quinta da Campina, e Maravilhas Farms, uma empresa espanhola que faz a sua exploração em Vale de Caranguejo, junto às salinas”.
Para instalar este tipo de estufas é necessário arrancar árvores, sendo algumas delas, espécies protegidas, nivelar a terra, “retirar entre 30 a 60 centímetros da camada superior da terra, que é a mais fértil”, mas “no caso da Balsa, é uma catástrofe total porque para além de retirar a terra arável, destrói todos os vestígios arqueológicos de forma irrecuperável” para além do que “a inclinação natural deste promontório faz com que as chuvas empurrem os resíduos químicos das explorações agrícolas directamente no Parque da Ria Formosa”. Acontece que “nesta zona existem produtores de ostras e ameijoas que servem grandes restaurantes em Lisboa. Está a ser criado um problema de saúde pública por um lado, e por outro, a destruir-se fontes de rendimento local que, com investimento e trabalho, têm vindo a evoluir”.
Benedicte Travaux informa que “em 2015 já existem 400.000 m2 de terreno plastificado no concelho de Tavira e estão previstas mais instalações” e afirma que “não há vantagem nenhuma em colocar estufas hidroponicas para frutos vermelhos em terrenos que, por si, já são férteis, terrenos de primeira que é o que está a acontecer no sotavento algarvio, terrenos que podiam ter outro tipo de culturas mais adequadas às características desta zona” porque para “o modo como estas culturas são feitas é indiferente o tipo de terra onde se faz o cultivo. As plantas estão em vasos com terra preparada, não são colocadas no solo”.
“E este descalabro todo no Algarve é da responsabilidade de quem?” pergunta Benedicte Travaux, que conclui “é de todas as instituições, começando por Bruxelas, com o modo como distribue os fundos comunitários, é do governo e do Cavaco Silva que há três anos veio aqui decretar que o sotavento algarvio era, em toda a Europa, o local mais indicado para a produção de frutos silvestres, é das Câmaras Municipais e dos Ministérios e Direcções Regionais que têm a seu cargo a agricultura, o ambiente, a ecologia, a Ria Formosa, a arqueologia, a cultura e o turismo, é de toda a região, incluindo os cidadãos pelo seu desinteresse, por não exercerem a sua cidadania, pois a partir do momento em que não estão contra e não travam o processo, compactuam com ele”.

A entrevista com Benedicte Travaux vai acontecer, no diariOnline do Região Sul, no dia 30 de Dezembro de 2015, às 12:30 horas.

Momento de activismo com o Movimento Tavira em Transição:






O ambiente é de todos


O descalabro que acontece no Algarve é da responsabilidade de todos


Entrevista com Benedicte Travaux
Benedicte Travaux nasceu em Paris em 1953. Foi professora de ténis, o que lhe permitiu viajar bastante e trouxe a Portugal em 1977, através do Club Mediterrane. Estabiliza-se em Paris e durante vários anos foi decoradora das lojas Pierre Frey e Yves Halard. 
Em 1984 casou com um português e reside em Tavira desde essa altura. Em 1986 montou a Galeria Spatium para acolher os artistas portugueses e estrangeiros que residiam na região e esteve activa até 2002.
É membro do movimento Tavira em Transição.


Como se inicia esta polémica das estufas hidropónicas na zona da antiga cidade romana de Balsa?
Inicia-se em Setembro. Eu estava perto da Torre d’Aires, na ria, dentro de um barco, quando reparei nuns brilhos não habituais, vindos de terra. Fui averiguar e descobri o que para mim era impensável: o terreno estava completamente nivelado e a ser preparada uma exploração agrícola com estufas, cujos suportes em alumínio refletiam a luz solar. Isto era impensável para mim porque, para além de este local ser zona protegida da Ria Formosa, a Quinta da Torre d’Aires ocupa 17 ha da área da antiga cidade portuária romana de Balsa.
O meu primeiro e-mail, com fotos, foi para o presidente da Câmara Municipal de Tavira a quem perguntei o que se passava ali e se ele havia aprovado aquele projeto. A resposta foi um e-mail a perguntar o meu nome completo e o meu número fiscal. Contactei com amigos portugueses que vivem em Lisboa e me fizeram a ponte para outras pessoas que conhecem bem a região, onde se inclui Luís Fraga, autor de “A Cidade Perdida de Balsa.
Este assunto já me interessava há muito, tanto a cidade de Balsa como a “estufomania”. Contactei também com jornalistas. O João Cunha da Rádio Renascença veio ao local e visitámos empresas de exploração agrícola com estufas: HUBEL, uma empresa portuguesa que implantou estufas hidropónicas para frutos vermelhos em vários locais, nós estivemos na Quinta da Campina; e Maravilhas Farms, uma empresa espanhola que faz a sua exploração em Vale de Caranguejo, junto às salinas.
Contactei também o José António Cerejo, jornalista do Público, que redigiu um texto sobre este tema em 11 de Novembro.
O projeto dos 17 ha da Quinta da Torre d’Aires parou no dia 30 de Outubro mas desconheço quem travou realmente o processo.

Quais os inconvenientes destas estufas?
Muitos, se bem que a da cidade de Balsa seja especial devido ao acrescido valor arqueológico. Fora do centro histórico de Tavira, que é rico em memórias culturais, não há um património assim tão extraordinário que nos permita deitar fora pedaços da memória coletiva, muito menos com a relevância de Balsa que foi um local importante para todo o Império Romano, na época.
É importante saber que para instalar uma exploração agrícola com este tipo de estufas é necessário:
Arrancar árvores (algumas delas centenárias), como oliveiras, alfarrobeiras, azinheiras e sobreiros, sendo estas duas últimas, espécies protegidas;
Nivelar a terra com máquinas muito potentes;
Retirar entre 30 a 60 centímetros da camada superior da terra, que é a mais fértil, porque a sua riqueza pode, eventualmente, trazer doenças e contaminações às framboesas;
No caso da Balsa, é uma catástrofe total porque para além de retirar a terra arável, destrói todos os vestígios arqueológicos de forma irrecuperável;
Na zona da Balsa, a inclinação natural deste promontório faz com que as chuvas empurrem os resíduos químicos das explorações agrícolas diretamente no Parque da Ria Formosa. Pior, quando as marés altas são elevadas, as partes mais baixas, no lado Sul, ficam alagadas. Isto agrava-se quando existem, nesta zona, produtores de ostras e ameijoas que servem grandes restaurantes em Lisboa. Está a ser criado um problema de saúde pública por um lado, e por outro, a destruir-se fontes de rendimento locais que, com investimento e trabalho têm vindo a evoluir.
Não se percebe como é que há coisa de três anos interditaram a passagem de barcos a motor entre Sta Luzia e Torre d’Aires para proteção dos cavalos-marinhos, o que concordo, e agora expõem essa mesma zona a possíveis agressões por resíduos tóxicos deste tipo de exploração agrícola. Falo dos cavalos-marinhos mas podemos falar de outras espécies pois toda a fauna e flora marinha vai sofrer com este tipo de agressões que podem mesmo colocar em risco a atividade piscatória.
Este tipo de exploração agrícola exige grandes quantidades de água. Embora as águas da hidroponia sejam em grande parte reaproveitadas, a água é fundamental para uma série de tarefas obrigatórias. A seca é um dos problemas desta zona, 2015 tem sido um ano de seca severa. Parece-me pouco racional investir em projetos que exijam grandes quantidades de água nesta zona.
Todos estes projetos são aceites pelo Parlamento Europeu e subsidiados, em quantias muito simpáticas, tendo como um dos objetivos dar emprego aos cidadãos locais mas o que se passa é que 80% da mão-de-obra destas estufas provém de países asiáticos e da Europa de Leste, alojados em condições deploráveis e com horários muito pouco convencionais.
Outro dos objetivos destes subsídios é favorecer a exportação. Toda esta panóplia é feita para que plantas do Norte da Europa venham crescer ao Algarve, para aqui terem maior quantidade de frutos extemporâneos que regressam ao Norte da Europa.
Em 2015 já existem 400.000 m2 de terreno plastificado no concelho de Tavira e estão previstas mais instalações. Isso assusta-me. Para 2016 está previsto um projeto da Maravilha Farms, uma empresa espanhola, a realizar a Norte da EN125, entre a Cumeada e Sta Rita, de flores exóticas que, decerto, irão implicar estufas. Há outro proje4to de ervas aromáticas, também com estufas, previsto para a zona da Luz de Tavira… Mas será que já não se consegue fazer agricultura sem estufas?
Olhando para a paisagem. Para mim, as estufas são uma intrusão visual insuportável. A vista do alto de Sto Estêvão, ou de qualquer colina, é uma maré de branco plastificado que nos devolve os raios solares de um modo agressivo, incomodativo, mesmo insuportável.
O risco, a nível do turismo e dos futuros residentes, é muito grande. Há muitos proprietários de casas que decidiram vir residir nesta zona, fizeram investimentos nesse sentido, alguns deles até bastante caros e, com esta situação, querem-se ir embora, mas agora não conseguem vender as suas casas nem por metade do preço. Isto quer dizer que, independentemente da crise geral, todo o Algarve tem vindo a desvalorizar e cada vez mais. A nível de turismo, estamos a chamar pessoas para um turismo da natureza, que é o que faria sentido neste local, mas os turistas chegam aqui e veem estufas por todo o lado, projetos de “fracking” e plataformas de petróleo, coisas que eles recusam nos seus países. Claro que o turismo vai descer.
 Não há vantagem nenhuma em colocar estufas de hidroponia para frutos vermelhos em terrenos que, por si, já são férteis, terrenos de primeira que é o que está a acontecer no sotavento algarvio, terrenos que podiam ter outro tipo de culturas mais adequadas às características desta zona. Para o modo como estas culturas são feitas é indiferente o tipo de terra onde se faz o cultivo porque as plantas estão em vasos com terra preparada, não são colocadas no solo. Porque não colocam estas estufas num local já betonado? Numa zona industrial, por exemplo? Sim, até porque este tipo de exploração agrícola mais se parece com uma indústria do que com agricultura.
E este descalabro todo no Algarve é da responsabilidade de quem? De todas as instituições, começando por Bruxelas, com o modo como distribui os fundos comunitários, é do governo e do Cavaco Silva que há três anos veio aqui decretar que o sotavento algarvio era, em toda a Europa, o local mais indicado para a produção de frutos silvestres, é das Câmaras Municipais e dos Ministérios e Direções Regionais que têm a seu cargo a agricultura, o ambiente, a ecologia, a Ria Formosa, a arqueologia, a cultura e o turismo, é de toda a região, incluindo os cidadãos pelo seu desinteresse, por não exercerem a sua cidadania, pois a partir do momento em que não estão contra e não travam o processo, compactuam com ele.

Costumas dizer que a descaracterização da cidade de Tavira te entristece. Foram cometidos muitos erros?
Sim, muitos, mas vou só apontar alguns:
O monstro PLAZA, abaixo da EN125, dentro do perímetro da Ria Formosa.
Em Sta Margarida de Tavira, que é uma zona lindíssima, alta, onde colocaram um Parque Industrial (que são normalmente feios) com três ou quatro armazéns isolados e quase inativos.  Como é que isto é possível? Como é que se estipula uma zona destas para Parque Industrial e depois o que temos é betão sobre a terra e muito vazio sem movimento?
Outra coisa que me desola completamente é a ponte que sai do Mercado Municipal de Tavira. Retira toda a vista sobre o Rio Gilão em direção às Quatro Águas. Retira a vista do mar e das salinas.
Há mais… mas quero apenas deixar aqui uma outra constatação: no concelho de Tavira há 56 cabeleireiros(as), 15 lojas chinesas, 20 esteticistas, 20 imobiliárias e 7 grandes superfícies para produtos alimentares que têm vindo a obrigar as pequenas lojas a ter que fechar, mas não existe nem uma única livraria. O que é que isto quer dizer?


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