quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Jornalismo - Entrevista com Henrique Gabriel

in Postal do Algarve - Julho de 2008
“Os paraísos perdidos estão somente em nós mesmos”.
Marcel Proust

Cada obra surge como um fragmento de uma busca da resposta possível.
Cada tela é a revelação de uma parte de mim
Uma viagem a Santiago revolucionou a sua vida

Henrique Gabriel nasceu no Concelho de Arganil, em Vila Cova de Alva. Comecei por lhe perguntar quando descobriu que tem alma de artista. Respondeu que “se ter alma de artista é sentir o mundo como uma pergunta que procura uma resposta, uma busca do sentido da existência, uma procura por algo que adivinhamos estar em algum lugar e ser fundamental para o entendimento do Todo, então diria que é algo que nunca me foi estranho. Acredito no entanto que de alguma forma não é privilégio, ou fado, de apenas alguns eleitos mas algo inerente à condição humana. O que talvez faça a diferença é ser-se mais ou menos inconformista, é o aceitarmos ou não o visível e aparente como real e imutável e as ansiedades da vida como algo sem redenção. É no assumir dessa demanda, desse estado de espírito que surge a necessidade de exteriorizarmos os vazios e empreendermos a caminhada, aí surge o artista e cada obra surge como um fragmento de uma busca da resposta possível.
Talvez que cada obra seja como a peça de um puzzle e no seu conjunto a resposta que o artista procura, o seu Graal, a sua Pedra Filosofal
”.

Foram 20 anos a trabalhar como criativo gráfico

Em 1977 frequentou o Curso das Artes Plásticas da ARCA em Coimbra mas acabou por enveredar pelas Artes Gráficas mas desde pequeno o seu sonho era ser pintor. “Nasci numa pequena aldeia beirã. Os meus pais tinham um pequeno comércio. Muito pequeno tive acesso ao lápis e ao papel pardo que fazia parte integrante do balcão da mercearia. Foi o meu primeiro estirador, o meu primeiro cavalete, subia acima de um banco e desenhava. Ao contrário da maior parte dos meus colegas de escola primária os meus pais puderam proporcionar-me a continuação dos estudos. Quando chegou a altura de optar por um curso superior, como era hábito na época, quem desenhava optava por arquitectura mas sinceramente nunca senti que fosse curso para mim. Acabei por (na altura achei que era uma pausa) começar a trabalhar numa gráfica em Coimbra. Foi a minha grande escola profissional. Quando por volta dos 21 anos vim para Lisboa”, onde frequentou o Curso de Design Gráfico na ARCO, “os meus conhecimentos técnicos de artes gráficas aliados ao facto de sempre ter continuado a desenhar abriram-me as portas das agências de publicidade. Foram 20 anos a trabalhar como criativo gráfico até ter a minha própria agência. Em 1997, tirei um mês de férias e fui percorrer a pé o Caminho de Santiago de St. Jean Pied-Port a Santiago de Compostela. Quando regressei, deixei a publicidade e assumi a pintura como ocupação a tempo inteiro.

Percorrer o Caminho de Santiago foi o culminar de uma etapa dessa busca

Esta viagem revolucionou a sua vida e devolveu-o aos sonhos de tenra idade. “Há quem defenda que o Caminho de Santiago existia muito antes do Cristianismo. Para os druidas, que acreditavam na reencarnação, terá sido um caminho de limpeza cármica. Terminava em Finisterra, à beira-mar onde tomavam um banho de purificação e assistiam ao pôr-do-sol, a morte do Sol, que no dia seguinte surge de novo, brilhante de vida, para mais uma etapa de morte e renascimento. Fulcanelli fala do Caminho de Santiago (em sentido figurado ou não) como fundamental para o alquimista na concretização da Grande Obra. A história do caminho é para mim a história de cada um que ao longo dos tempos o percorreu. Assim sendo só posso falar da minha experiência. Desde sempre dediquei grande parte do meu tempo à leitura de temas que versam a espiritualidade nas mais variadas vertentes e percorrer o Caminho de Santiago foi o culminar de uma etapa dessa busca. No primeiro dia de caminhada, no cimo dos Pirinéus, encontrei o primeiro de muitos peregrinos com quem me cruzei. Era um gigante da Corunha, Santiago Navarro, figura imponente do alto dos seus 63 anos e das suas barbas brancas, para quem o caminho já não era desconhecido. Dois dias depois juntou-se a nós um brasileiro Jaime Sprícigo e caminhámos juntos bastantes dias criando um forte laço de fraternidade. Um dia enquanto o Santiago dormia, sentei-me ao seu lado e desenhei-lhe um retrato. Ficou tão contente com aquele pequeno presente, que nos dias que se seguiram mostrou-o a todos com quem nos cruzávamos. Quando regressei a casa, comprei material e pintei-lhe uma tela que hoje está em casa dele na Corunha. Foi a minha primeira tela, continuei a pintar e em 2000 optei pela pintura a tempo inteiro. Tudo o resto já não me fazia sentido”.
Participou de várias exposições colectivas e individuais em vários pontos do país, em Espanha, e Estados Unidos da América. “Fiz a minha primeira exposição sobre o Caminho de Santiago em 2001, é um tema inesgotável e de várias formas o Caminho também se manifesta assiduamente como que me indicando que estou no caminho certo. Dou um exemplo, meia hora antes de inaugurar esta exposição no Convento de S.José, estava a passear num jardim próximo e de repente sou surpreendido por uma personagem sentada num banco do jardim. Compridas barbas brancas, pelo peito, cajado com uma cabaça pendurada e vieira ao peito. Um peregrino de Santiago, ali mesmo no Centro de Lagoa. Trocámos histórias, convidei-o a ir à inauguração. Concedeu-me o privilégio da sua visita, brindámos o Caminho com um vinho do Porto e despedimo-nos com um abraço a tratarmo-nos por irmãos. Já percorri vários Caminhos para Santiago e dei algumas palestras sobre o tema, frequentemente perguntam-me quantas vezes fiz o Caminho, respondo que o Caminho de Santiago não se faz, inicia-se. Aprende-se uma forma de viver, de comunicar, de estar com os outros e de estar com nós mesmos. Em Setembro próximo, após 11 anos vou-me reencontrar com o Santi e com o Jaime e percorrer o Caminho de Salamanca a Finisterra. Estas amizades são para a vida”.

Para mim pintar é uma forma de meditação

Para Henrique Gabrielpintar é uma forma de meditação. Nunca faço esboços as imagens acontecem quando crio o espaço para essa manifestação. Um espaço de abstracção, é uma caminhada para outros lugares, outras formas. Sinto cada quadro como um vislumbre de um outro mundo que existe em algum lugar do meu imaginário e que só através da pintura me é acessível. Cada tela é a revelação de uma parte de mim onde racionalmente não consigo chegar”.
Para mais informações sobre o artista pode consultar http://www.hgabriel.com/.

Paula Ferro

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