Nós somos um somatório de emoções
Vítor Picanço é natural de Tavira e licenciado em Escultura pelas Belas Artes de Lisboa. Tirou o curso trabalhando em Arquitectura, Urbanismo, Topografia e dando explicações de Geometria Descritiva. Foi bolseiro da Gulbenkian. Leccionou Educação Visual, Geometria Descritiva e Oficina de Artes durante 28 anos em várias escolas e paralelamente sempre se dedicou à Escultura. Não trabalha, vive, porque tem prazer no que faz.
Podem ser vistos trabalhos seus na Galeria da Restauração em Olhão até dia 14 do corrente mês.
Com que idade descobriu que tinha tendência para a arte?
A tendência para a arte descobri no primeiro ano do liceu. Na escola primária houve uma passagem em que me mandaram desenhar um copo com água. As professoras ficaram encantadas porque se via a transparência no vidro. Mas aquilo não me disse nada. Depois no 1ºano do liceu, o professor de desenho começou a falar da qualidade dos meus trabalhos, a compará-los com os trabalhos dos outros, a pedir-me às vezes para fazer determinadas coisas e eu comecei a notar que havia uma tendência para as artes em mim. A pouco e pouco essa tendência foi-se intensificando. Quando cheguei ao 5ºano, o meu irmão Pedro Mestre foi para Arquitectura e comecei a pensar em também ir para Arquitectura. Fiz o 5ºano cortado a História. Nessa altura a alínea adequada para ir para Arquitectura tinha História e não me pude matricular nessa alínea. Matriculei-me na alínea F que dava acesso a diferentes cursos de Ciências. Como era bom aluno a matemática, a minha mãe sugeria-me seguir engenharia. Cheguei ao 7ºano e pensei que levar a vida inteira sentado à secretária a fazer contas não era para mim. Deixei de estudar e trabalhei com o engenheiro Fernando Mendonça durante algum tempo. A certa altura surgiu um concurso para desenhar planos de urbanização na Direcção Geral dos Serviços de Urbanização. Concorri e colocaram-me na cidade da Guarda. Três anos mais tarde saiu um decreto-lei que permitia seguir mesmo com deficiência a História. Pedi a transferência para Lisboa. Fiz o exame de admissão e fiquei aprovado. Matriculei-me nas cadeiras comuns às Artes Plásticas e Arquitectura. Como já tinha o bichinho da Escultura inscrevi-me também em Iniciação à Escultura onde constatei que a minha vocação era mesmo a Escultura e pus de parte a Arquitectura.
Também se sente atraído pela Pintura?
Gosto de Pintura, tenho lá umas tintas e umas telas e ando há bastante tempo a desejar, não é a querer (fez uma paragem sorrindo), a desejar fazer umas pinturazinhas mas a Escultura tem um apelo mais forte e a Pintura vai ficando de parte.
Gosto de Pintura, tenho lá umas tintas e umas telas e ando há bastante tempo a desejar, não é a querer (fez uma paragem sorrindo), a desejar fazer umas pinturazinhas mas a Escultura tem um apelo mais forte e a Pintura vai ficando de parte.
A pedra sempre. Gosto imenso da luta com a pedra.
Que pedras usa?
Qualquer uma. Desde os calcários vulgares à brecha, o mármore, o granito, o xisto…
Qualquer uma. Desde os calcários vulgares à brecha, o mármore, o granito, o xisto…
Aparentemente. Falha muito e para além de falhar, faz um pó muito fininho. A rebarbadora às vezes prende, embaça e dá uns esticões fortes. Os meus dedos mostram aqui uns golpezinhos da rebarbadora. (Sorrisos) São ossos do ofício!
Sim. Só com discos de diamante é que lá se chega.
O mármore já é mais fácil, menos o puro. O mármore mais puro tem uma espécie de cristais e falha com facilidade, tem que se ter muito cuidado. É muito delicado.
A rebarbadora. O escopo e o ponteiro para determinadas posições onde a rebarbadora não chega. A grosa e a lixa. À mão e com a lixadeira. A catrabucha a que chamam boneca para polir usando o chamado sabão de polir.
Há situações em que a pedra me sugere as formas do trabalho. Por vezes sinto necessidade de introduzir outras pedras tirando partido da composição das cores e das texturas. Noutras ocasiões também com materiais diferentes (metais, madeira, acrílico, etc). O outro caminho é imaginar a forma e depois procurar as pedras adequadas àquilo que se pretende. A luta é igual. (Abre um sorriso brilhante) O gozo é o mesmo. Levo é muito tempo à procura das pedras. Há a pesquisa. Às vezes não é a forma da pedra, é a textura, ou são as cores… Há quem me pergunte porque é que numa exposição não faço tudo numa só linha. Não, nós não comemos peixe todos os dias (sorrisos). Eu gosto de variar. Às vezes faço vários trabalhos do mesmo género mas a seguir apetece-me fazer outros. A maior parte das vezes tenho em mão vários trabalhos. Um dia apetece-me trabalhar num, outro dia trabalhar noutro. Não é pegar num e ir de seguida até ao fim. É conforme me apetece! Eu quero viver e viver é fazer aquilo que dá prazer fazer. Cito sempre o Professor Agostinho da Silva. Ele diz que o Homem não nasceu para trabalhar, nasceu para viver. Quando se faz aquilo de que se gosta, vive-se. Quando se faz uma coisa de que não se gosta trabalha-se.
Adoro! Reformei-me e estive dois ou três anos a dar apoio aos meus colegas o que me deu muito gosto.
Dava Educação Visual e Geometria Descritiva?
Sim, e Oficina de Artes: Pintura, Escultura, Arquitectura e Design.
Sim, e Oficina de Artes: Pintura, Escultura, Arquitectura e Design.
Bolseiro da Gulbenkian.
Tive média de 15 no exame de saída no 4º ano e isso permitiu-me obter uma bolsa da Gulbenkian.
Tive média de 15 no exame de saída no 4º ano e isso permitiu-me obter uma bolsa da Gulbenkian.
E compor?
As linhas de composição são as linhas que nós fazemos quando estamos a compor, quando estamos a criar as formas. As linhas de força são linhas que não existem mas nós sentimos e todas elas fazem parte da estrutura do trabalho.
As linhas de composição são as linhas que nós fazemos quando estamos a compor, quando estamos a criar as formas. As linhas de força são linhas que não existem mas nós sentimos e todas elas fazem parte da estrutura do trabalho.
Existe também o equilíbrio e o peso.
Claro, esse peso é um peso visual. É muito importante também pensar na iluminação das formas.
Claro, esse peso é um peso visual. É muito importante também pensar na iluminação das formas.
A composição é fundamental.
Claro que é. Na Escultura não são só as linhas. São as cores, as texturas, as formas, os relevos…
O que é ser artista? (Recostou-se na cadeira sorrindo. Olhou-me com o verde do seu olhar todo iluminado.) Olha, vou responder-te com quadras do António Aleixo: “Ser artista é ser alguém./Que bonito é ser artista. /Ver as coisas mais além/do que alcança a nossa vista. /Arte é dom de quem cria. /Portanto não é artista /aquele que só copia /as coisas que tem à vista. /A arte é uma força imanente./ Não se ensina, não se aprende. /Não se compra, não se vende./ Nasce e morre com a gente.” Ele define perfeitamente o que é um artista e o que é a arte.
O artista vai mais além.
Esse é o artista porque o outro que faz as coisas muito bem feitinhas é o artífice, não é o artista porque não cria. Não compõe, não vai além daquilo que se vê. É o artífice. Executar é uma coisa, criar é outra.
Esse é o artista porque o outro que faz as coisas muito bem feitinhas é o artífice, não é o artista porque não cria. Não compõe, não vai além daquilo que se vê. É o artífice. Executar é uma coisa, criar é outra.
A parte principal é a criação. Por exemplo, um indivíduo que faz música e faz bem, embora se fale pouco dele nesse campo, é o professor Moniz Pereira, o treinador de atletismo. Ele é um fraco executante mas é um bom criador.
É evidente que é! Mas, por exemplo no futebol, os treinadores sabem como é que se faz mas nem sempre sabem fazer. O Mourinho que é considerado o melhor do mundo, (olhando para mim com um imenso sorriso, divertido com a minha admiração) foi fraco jogador. Foi um fraco executante mas é um bom criador de jogadas.
Ser bom executante não é importante para o acto de criar?
É que criar é conceber mentalmente e depois executar é transmitir através dos materiais que se usa, aquilo que se concebeu. O bom não é o perfeitinho. É o equilíbrio entre todos os elementos que se utiliza para fazer os trabalhos. É a impressão estética. Nós temos cinco tipos de emoções. Temos uma impressão de um perfume que é bom. O que é que quer dizer aquele cheiro? Nada. Nós temos uma emoção. Agradável ou desagradável. A música, com os sons. A visual, a gustativa, o olfacto e o tacto. Nós somos um somatório de emoções.
Texto e foto de Paula Ferro
Texto e foto de Paula Ferro
2 comentários:
Adorei a entrevista, , já lá vão 31 anos, ler sobre o Professor Vitor Picanço é motivo de grande emoção, e orgulho de ter sido seu aluno. Nunca escondeu que a escultura era o seu Mundo, destacava-se de outros Professores, pela sua visão, pelo empenho com que ensinava. Também no capitulo humano, era um bom conselheiro, homem de convicções fortes sem dúvida. Gostava de o rever, aliás cheguei a esta entrevista pesquisando nesse sentido.
O Professor Picanço é um excelente orador, consegue transmitir facilmente o que nós conseguiríamos dificilmente e com uma alegria divinal, gosto muito dele e não o esqueci, faço o meu trabalho de pesquisa de Escultura sobre ele, porque se há alguém capaz de me fazer entender escultura é o Professor Picanço. Enorme abraço para ele. Diana Estevens.
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