terça-feira, 26 de agosto de 2008

Jornalismo - Entrevista com Jason Berger

Jason Berger é membro honorário de A Ponte.

in Postal do Algarve -Maio 2006

Texto e fotos de Paula Ferro

Tal como anunciámos na passada edição, aqui partilhamos convosco o maravilhoso encontro que tivemos com este jovem cheio de experiências enriquecedoras e que nos ofereceu, com paciência e simplicidade, um pouco da sua sabedoria.



Postal do Algarve – Nasceu nos Estados Unidos da América, estudou em Bóston. Quando veio pela primeira vez à Europa?
Jason Berger –
Vim como soldado no final da Segunda Guerra Mundial, em 1944-45.

Como se sentiu? Pensa que há um soldado dentro de si?
Não! Eu odiei essa situação. Nunca fui um bom soldado. Tinha uma boa relação com os oficiais porque era muito novo, estava sempre a dizer piadas e eles protegiam-me. Não tive de combater. Talvez se tivesse combatido, tudo teria sido muito diferente.
Sei que é de confissão judaica. Quando foi soldado teve conhecimento da existência dos campos de concentração e das atrocidades que aí se cometiam?
Berger (olhando de frente com ar sério e pesado) – Não! Eu não fazia ideia nenhuma. Não sabia nada do que se estava a passar.

Quando voltou de novo à Europa?
Em 1949, depois de ter saído da tropa e ter terminado os estudos na Art School de Boston. Voltei a França, à Normandia num pequeno barco francês. Cheguei ao Havre, trazendo o meu carro comigo. Percorri a costa e descobri um sítio para ficar em Saint Valérie. Já tinha lá estado em 1945 aquando de um acidente terrível de um comboio militar do qual eu era passageiro. Morreram 165 pessoas e a mim não me aconteceu nada! O comboio estava repleto de soldados. Um acidente horrível! Eu não fui o único que se salvou. Havia cerca de mil pessoas a bordo mas morreram muitos e eu não. (Levantou as sobrancelhas com um sorriso) Tive muita sorte!

Foi nesta segunda viagem à França que as paisagens da Normandia o levaram até Monet?
Eu já conhecia a pintura de Monet através dos seus quadros que se encontram no Museu de Bóston. Nessa altura pintei os mesmos sítios que ele pintou, lugares das obras que eu já conhecia.
Pintei as mesmas paisagens, as mesmas impressões.
Mais tarde, em Paris, frequentou as aulas de Ossip Zadkine. Como era Zadkine?
Era um homem maravilhoso! (Um sorriso iluminou-lhe o rosto). Era um homem muito inteligente. Parecia-se muito com Bertrand Russel, o filósofo inglês. Trabalhávamos modelos mas ele introduzia o cubismo o que foi muito interessante para mim.
Zadkine era escultor. A razão porque estudei escultura era porque tinha necessidade de conhecer o volume. Eu só conseguia pintar plano e os modelos têm três dimensões.
(Surgiu-lhe no rosto o sorriso de quem agarra uma imagem perdida no tempo) Ele era um homem maravilhoso porque falava de tudo com os alunos. Foi muito importante para mim porque mais tarde vim a ser professor e aprendi com ele também a ensinar.

Como é que se ensina arte?
Berger – (Pensou um pouco e com um ar divertido contou) Bem, perguntaram a um aluno meu o que eu ensinava e como é que eu ensinava. O meu aluno respondeu “Ele diz piadas e nós aprendemos!”

Zadkine também dizia piadas?
Oh Não! Ele era um homem muito sério. Dialogava com os alunos, falava de tudo mas de um modo muito sério.
Acha que se pode ensinar a ser artista?
Não. Tem que se nascer artista. Tem de se nascer dessa maneira.

O que é necessário ter-se para se ser artista?
É necessário ser-se obcecado!

Só isso?
Essencialmente. Mais ou menos isso.

Um pouco louco?
Louco, não diria. Obcecado pela pintura.

Não conseguir parar de pintar?
Exactamente.

Sente necessidade de estar sempre a pintar ou passa temporadas sem o fazer?Sim, sinto. Muitos pintores precisam de momentos sem pintar, em que precisam de descansar. Eu também. Mas passo muito pouco tempo sem pintar. Paro só quando viajo, quando ensino ou algo assim. Não por muito tempo. Sempre fui muito obsessivo.

A obsessão basta para se ser artista? Não é preciso mais nada?
É preciso técnica. A técnica é muitíssimo importante mas cada artista desenvolve a sua própria técnica ao longo do tempo.

Como é que se aprende a técnica?
Aprende-se estudando a técnica dos mestres e trabalhando, trabalhando muito.

O que valoriza mais num artista? A criatividade? A técnica? A novidade? O que é mais importante num artista?
Oh! Isso é uma pergunta difícil! (Parou um instante e respondeu calmamente) Penso que o mais importante num artista é a forma autêntica como expressa a sua personalidade. O mais importante é ser verdadeiramente ele próprio e ter uma boa técnica.

Acerca de técnica: Como é que pinta? Quando começa um quadro desenha primeiro?
Desenho a carvão e depois pinto por cima. Trabalho muito depressa e muito impacientemente.

Sentindo muito?
Sim!

Desenha a carvão e retira os restos do carvão?
Desenho a carvão mas muito suavemente.
E nos pormenores?
Uso a terebintina com alguma cor e pinto suavemente as linhas a carvão. Quando a terebintina seca, tiro o carvão para a tela ficar completamente limpa.
Quando vai pintar uma determinada paisagem, pinta-a quando a vê a primeira vez?
Normalmente olho para a paisagem durante muito tempo, muitas vezes, antes de a pintar. Então, quando a vou pintar já sei mais ou menos o que vou fazer. Tenho uma ideia geral dos elementos que vou pintar.

Tem preferência por algum período do dia para pintar?
Depende, se está muito calor ou muito frio. (Risos) Bem, eu pinto com luzes diferentes, por isso pinto a qualquer hora do dia. O importante é mesmo a temperatura.

Conheceu o Henri Matisse…
Eu não conheci Henri Matisse. Eu encontrei-o num café em Paris. Ele estava muito doente e a enfermeira russa não nos deixou falar muito tempo. Falámos de recortes. No início das suas pinturas fez recortes de desenhos em papel e mostrou-os em Paris. Falámos sobre isso. Só que a enfermeira russa não me deixou falar muito tempo com ele (exprimiu algum desagrado mas logo o rosto voltou a ganhar luz). Mas Matisse foi muito simpático e mostrou agrado em estar a conversar comigo.

Falaram das cores? Do fauvismo?
Sim, também.

Foi influenciado pelo expressionismo alemão.
Sim, mas não sou como eles.
Qual a diferença entre expressionismo e fauvismo?
O fauvismo tem a ver com a cor. O fauvista vê o quadro todo em termos da cor. Não é exactamente a mesma coisa que o expressionismo. O expressionismo tem a ver com o expressar dos sentimentos e o fauvismo com a forma como se usa a cor.
Também conheceu George Braque.
Sim, conheci-o na Normandia. Ele chegou a estar no meu estúdio.
Sofreu influencias de Braque?
Não particularmente. Fui influenciado por Matisse, mas não pelo Braque.

Há algum toque de cubismo no seu trabalho?
Sim, na maneira como componho.

Busca alguma geometria na natureza?
Não exactamente. O cubismo toca-me na maneira como reorganizo os elementos.

O seu método tem alguma coisa a ver com a pintura chinesa?
Gosto muito da pintura chinesa.

Há alguma similaridade? Na abstracção?
Não lhe posso responder a isso. Mas eu fui tocado pela pintura chinesa. Adoro a caligrafia chinesa. Os chineses quando pintam olham para o todo e retiram só o mais importante. Têm certas regras. Por exemplo, dizem que quando uma figura está muito perto de nós vemos-lhe os olhos mas à distância não precisamos de os ver.

Mas o Berger não pinta figuras!?
Qual é a diferença? A ideia é a mesma!
Conheceu André Lothe?
Não, eu não o conheci pessoalmente. Eu estudei o livro dele que é maravilhoso.

E Fernand Leger, conheceu?
Conheci. Não fui aluno dele. Apenas assisti às suas aulas. Ele olhava para o trabalho de um aluno e dizia: “põe este elemento dois centímetros acima e três centímetros para a esquerda”. Falava do posicionamento dos elementos na tela. Ensinava composição. Foi muito, muito interessante e muito importante para mim.

Dizia, indicava. Acha que um professor de pintura deve pintar sobre os trabalhos dos alunos enquanto ensina?
Bem, eu fiz isso algumas vezes mas outras vezes eu corrigia na parte de trás da pintura. Mostrava como devia ser feito. O aluno tem de descobrir por si mesmo como se faz. Se eu estiver sempre a pintar no seu trabalho, nunca chegará a aprender.

Ainda nos Estados Unidos foi aluno de Karl Zerbe. Como era ele?
Bem. Ele era Neue Sachlichkeit (Nova Objectividade). Era muito bom. Treinava-nos muito bem na composição. Nós estudávamos os velhos mestres e trabalhávamos o nu.

Neue Sachlichkeit (Nova Objectividade)…
Sim, era ver correctamente.

Ver correctamente todas as coisas? A realidade?
Sim.
Mas com ele trabalhou com modelos humanos e o Berger pinta sobretudo paisagens. O que retirou daí?
A ideia de observar correctamente. Isso eu trouxe para as minhas paisagens.

Porque pinta sempre paisagens?
Comecei porque a minha primeira mulher costumava pintar retratos e figuras. Então eu deixei isso para ela e comecei a interessar-me mais pelas paisagens e não tanto pelas figuras.

Mas também gosta de pintar figuras?
Hum!... Agora nem por isso.

Considera-se um homem da natureza?
Eu não sou bem um homem da natureza. Procuro na natureza motivos para o meu trabalho mas não se pode dizer que seja um homem da natureza.

Quando pinta procura alguma paisagem ideal?
Sem dúvida! Tal como disse eu tenho uma paisagem ideal na mente e escolho as coisas que estão perto dessa paisagem, que têm alguns elementos da minha paisagem ideal.

Juntamente com Marilyn Powers criou um movimento, o Direct Vision…
Direct Vision tem a ver com o trabalhar directamente a partir da natureza, trabalhar directamente de acordo com o que se vê.

O que se sente mais do que aquilo que se vê?
O que se vê e o que se sente.

Não é a mesma coisa, ou…
Mas o que se sente vem do que se vê. Nós éramos um grupo, trabalhávamos juntos em Bóston para apresentar uma certa ideia do mundo.

Todos os elementos do grupo tinham uma paisagem ideal como o Berger?
Não, mas eles faziam mais ou menos a mesma coisa que eu. Eles eram diferentes de acordo com as suas personalidades.
E todos pintavam directamente a partir da natureza?
Sim, claro. Sem duvida.

Consegue encontrar elementos da sua paisagem ideal nas paisagens de todo o mundo?
Sim. Absolutamente.

Quando vai dentro de um carro em movimento e olha para uma paisagem é diferente de olhar para a mesma paisagem quando se movimenta a pé?
Sim, é muito diferente. Quando vou de carro vejo diferentes aspectos: vejo as coisas chegando, quando as coisas chegam perto e quando passo por elas. Aí tenho uma composição de todas estas imagens na cabeça.

E quando vai a pé o que sente?
O que sinto? Olhe, sinto-me cansado! (Risos e continua) Quando vou a pé é diferente. Eu estou sempre à procura de possibilidades de composição para pintar.

Já descobriu algum local com todos os elementos da sua paisagem ideal?
Digamos que uns têm mais elementos do que outros.

E Portugal tem mais elementos do que outros locais?
Sim, acho que Portugal tem mais elementos.

Como descobriu Portugal?
Fomos para Frécamp, na Normandia. Choveu quatro semanas sem parar e cheguei à conclusão que não podia pintar. Aí pus toda a gente no carro, (um Simca) e viemos para Portugal. Estivemos em Faro e em Portimão. Quando estávamos em Faro vim visitar Tavira.

Porque decidiu passar os Invernos em Tavira?
Passámos por muitos sítios em Espanha e toda a Andaluzia está cheia de construções, de prédios, como por exemplo Marbella e tantos outros locais. Como já tinha estado em Tavira, voltei, à procura de um sítio para viver. Em Espanha só encontrei hotéis e alcatrão.

Existe alguma magia especial em Tavira?
É uma cidade muito bonita devido ao rio.
Há quantos anos pinta Tavira?
Oh! Meu Deus!?... (Fez a expressão de quem busca nos confins do tempo) A primeira vez que cá vim foi na época do Marcelo Caetano!...Em 1971.

Em Tavira o que o atrai em especial? O rio? A arquitectura?
O que está à volta do rio. Não vou muito para o campo. Pinto também cafés, o que está a acontecer, a vida subtil das pessoas sem que elas apareçam verdadeiramente. Enfim, a cidade!






Na Quinta da Sinagoga (Abril de 2006)
























No seu posto de trabalho, na varanda onde vivia, rente à Ria, em Santa Luzia (Abril 2006)







Três obras de Jason Berger:



Esplanada do restaurante Capelo em Santa Luzia








Um barco histórico.











Varanda da casa onde vivia, em Santa Luzia.






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