sábado, 30 de agosto de 2008

jornalismo - entrevista com Lis Petersen

Lis Petersen é membro do grupo A Ponte.

in Postal do Algarve - Janeiro de 2007

Para Lis Petersen, a Arte não se define em duas palavras.

É a força e a beleza que se encontra ao longo da História de Arte.



Lis Petersen é natural de Oslo na Noruega. É licenciada em Belas Artes (Bergen). Desde 1986 que participa em exposições individuais e colectivas em Portugal e noutros países europeus. Há vinte anos que vive e trabalha em Tavira. Faz parte do Cavalo Verde, um grupo de artistas de várias nacionalidades que habitam nos arredores de Tavira e tem uma exposição permanente no Restaurante Aquasul em Tavira de terça a sábado das 19 às 24 horas. Para mais informações sobre a pintora consultar http://www.lispetersen.com/ . Pode ser contactada no seu atelier na Rua Almirante Cândido dos Reis, nº 31 em Tavira

POSTAL DO ALGARVE – Quando descobriu que tinha tendência para as artes?
LIS PETERSEN -
Sempre gostei muito de pintar e de desenhar, desde criança. Na minha família sempre tivemos muitos quadros em casa. O meu pai gostava muito de pintura também pintava, não era profissional, pintava nos tempos livre. Ele tinha muitos livros de arte e eu passava horas e horas a olhar para as imagens desses livros. Quando eu tinha os meus doze, treze anos, gostava muito de ir ao Museu de Edvard Munch. Não era longe da minha casa e eu ia lá com frequência e passava lá muitas horas. E no museu existem desenhos, estudos, quadros enormes e isso marcou-me muito. Era fã de Munch.

Estudou Belas Artes.
Sim, mas antes já estudava arte. Na Noruega faz-se um curso de preparação para as artes. Queria trabalhar com fibras, acrílicos e têxteis então fiz um curso de costura e depois fiz um outro curso, num internato que foi uma imensa abertura para mim, tinha eu 17 ou 18 anos. Estive lá um ano. Naquela escola há salas para tudo. Sala de escultura, de teares, de cerâmica, de gravura… e os alunos têm chaves das salas, podem utilizá-las sempre que queiram e o tempo que necessitarem. Esta escola é numa ilha, a natureza é muito forte, com mar. Eu sou de Oslo, nunca tinha vivido assim no meio de uma natureza tão forte e isso inspirou-me bastante.
Depois da estadia nesta escola é que entrei em Belas Artes em Bergen.

Quando é que começou a expor?
Mais ou menos com 20 anos, estava já em Belas Artes. Belas Artes. A escola tem contactos com galerias e museus. Eu comecei por tentar participar nestas exposições digamos que institucionais e estabelecidas. Para participarmos temos que concorrer com profissionais. Existem mesmo concursos, com júris para podermos expor nestas galerias e nestes eventos. Na Noruega temos uma organização para artistas muito forte e muito bem organizado. São dadas muitas bolsas aos artistas e então estes tipos de exposições dão pontos, uma espécie de nota aos artistas. Se tivermos entrado para as Belas Artes temos uma classificação, se participamos neste tipo de exposições temos outra classificação. Por exemplo, se temos uma encomenda para um edifício do Estado temos outra classificação. Algumas galerias têm um tipo de júri, outras já têm outro tipo de avaliação para seleccionar os artistas.

Começou a expor pintura ou escultura?
Comecei por expor esculturas em betão misturado com fibras. Estava muito interessada nas texturas e nos contrastes. Por exemplo aquele tecido muito fininho com que se fazem os véus das noivas e os saiotes das dançarinas de ballet com muitas cores fortes. Tule. É muito feminino. Eu usava este tipo de tecido misturado com betão. Nessa altura expressava-me muito com este tipo de contrastes.

Como foi evoluindo em termos de materiais?
Inicialmente, em Belas Artes aprendi muitas técnicas diferentes: Pintura, desenho… Para já, para entrarmos em Belas Artes é necessário estar lá 10 dias a trabalhar na escola. Trabalhar fazer diversos exercícios em várias áreas, na pintura, na escultura, etc. Também temos que mostrar trabalhos feitos anteriormente e estamos sujeitos a uma entrevista e depois o júri é que escolhe quem vai entrar. Eu tive sorte porque entrei logo na primeira vez que tentei, fiquei muito feliz, muito contente. No primeiro ano todos os alunos estão juntos. Queiram eles seguir mais pintura ou escultura ou outro caminho, não interessa, estão todos juntos. No primeiro ano é pintura e muito desenho, anatomia, desenhar nu, e História de Arte. No segundo ano escolhemos para onde queremos ir. No segundo ano fui para a sala das fibras mas também fui para a de Pintura. Quando terminei Belas Artes voltei para Oslo. Aí juntámo-nos dez pessoas vindos das várias escolas de Belas Artes e alugámos um edifício que tinha sido um local de culto, uma espécie de igreja de uma religião qualquer. Era um espaço enorme, com rés-do-chão, primeiro e segundo andar. Tinha um jardim no centro, tectos altos, muitas salas grandes, era fácil para entrarmos com carrinhas e trazermos material, enfim, era mesmo o que nós precisávamos. A renda era barata e alugámos este espaço. Aí organizámos muitas exposições, concertos, teatro, espectáculos variados. Aqui comecei a pintar mais. Inicialmente era uma mistura. Pintura com relevos. Pinturas com textura. Mas foi aí que eu comecei mais a trabalhar peças para pôr na parede. Antes fazia mais peças para pôr no chão.

Que materiais utilizava?
Nessa altura ainda estava muito longe da têmpera que uso hoje. Pintava muito sobre plástico, PVC e tinha que usar outro tipo de tinta para pegar no plástico.

Hoje que materiais utiliza?
Tempera é feita com ovo e pigmentos e linhaça. Eu vou mostrar. Faço uma base e quando acabo de trabalhar ponho no frigorífico para não se estragar. Aqui, esta é a base.
(mostrando os materiais e como se juntam) O ovo, a linhaça e aqui estão os pigmentos. Temos aqui vários tipos de pigmentos. Esta era a técnica utilizada nos frescos, nas primeiras pinturas que se faziam. É uma das técnicas a óleo mais antigas. É uma técnica a óleo porque a linhaça é óleo. E os pigmentos eram tirados da natureza, dos minerais e das plantas.
Como chegou a este tipo de tinta?
Experimentando. Eu gosto muito de experimentar. Procuro sempre novas técnicas.

O que é para si a arte?
(Olhou para mim surpreendida e riu) Arte… Ninguém tem a definição de arte.
Em Belas Artes a História de Arte foi muito importante para mim. O nosso professor de História de Arte que também era pintor e o director da escola pertencia a uma família de pintores conhecidos. Ele chama-se Morten Krog é filho de Per Krog e neto de Cristian Krog. Esse professor tinha uma colecção de slides de obras de arte que parece que é a melhor do Norte da Europa. Ele sabia imenso de História de Arte, sabia transmitir o que sabia e mostrava fotografias muito boas. Não havia aluno que quisesse perder uma aula dele ( sorrindo ). Quando acabei Belas Artes, fiz uma viagem à Europa, fui à Holanda, à Alemanha, Inglaterra, Espanha e França com o objectivo de ver museus. Quando encontrava ao vivo as obras que o meu professor me tinha mostrado em slides, era muito forte, muito forte mesmo! A primeira vez que estive no Museu do Prado em Madrid, foi quando a Guerenica chegou à Espanha. Foi uma sensação muito forte ver o Guerenica assim ao vivo e ver estudos de Picasso do dia a dia. Foi muito forte. O que é que é arte para mim? É esta força, esta beleza… não consigo definir arte assim em duas palavras.


Fiquei fascinada com Portugal. O olhar agarrava-se a tudo o que via


Porque veio para Portugal?
Na Noruega era preciso ter outro tipo de trabalho em simultâneo para poder pagar a renda, os materiais, para comer e tudo isso. O meu dia a dia era muito dividido entre o trabalho para ganhar dinheiro e o atelier. Então decidi encontrar um sítio onde ficasse dois ou três meses a trabalhar concentrada e depois voltava para a Noruega e trabalhava para ganhar dinheiro num outro período do ano. Mas eu fiquei muito apaixonada por Portugal, pelo ambiente, pelos sons, pelo cheiro, pela luz, por tudo… Andava nas ruas de Lisboa fascinada, com o olhar agarrado a tudo o que via. Depois vim logo para Tavira. Algumas pessoas disseram-me que Tavira era uma cidade muito bonita. Vim ver e gostei muito. Tive sorte, aluguei uma casa e comecei a pintar aqui.

Tem sobrevivido da pintura?
Sim mas é difícil. Bem, depende daquilo que se precisa. Eu não sou muito materialista, não preciso de muita coisa para funcionar, para viver
.
Tem uma exposição permanentemente do Restaurante Aquasul em Tavira.
Sim. Vou mudando os trabalhos mas tenho sempre quadros expostos lá.

Quantas horas costuma trabalhar por dia?
Depende. Normalmente venho para aqui de manhã, depois vou fazer o almoço dos meus filhos, volto para cá à tarde até à hora de tratar do jantar e quando tenho encomendas ou trabalhos em mente para fazer também venho para cá à noite.

Pode-se dizer que trabalha as suas oito horas por dia.
Sim, oito, nove e às vezes mais.


Pintei a menina de Velásquez almoçando com Picasso, conversando com Matisse…
O que gosta mais de pintar?
Quando eu vim para Tavira, comecei a pintar ornamentos de ferro, varandas, calçadas de Tavira. Fiz uma exposição na Noruega com todo esse material. Voltei para cá e tinha uma exposição individual marcada em Oslo. Nessa altura vivia no campo e comecei a pintar paisagens. Aqui a natureza é muito bonita, muito forte, a cor da terra, as alfarrobeiras velhas, as casas, a luz, o céu…e também fiz alguns quadros da cidade. Fiz essa exposição e depois tive que parar porque nasceram os meus filhos, gémeos. Durante dois anos tive que cuidar inteiramente deles. Quando recomecei a ter tempo estava desejosa de trabalhar, ansiosa por voltar a agarrar nos pincéis. Nessa altura comecei a pintar mais figuras, pessoas. A pintar os meus filhos, os brinquedos deles… Eles inspiram-me muito. Entretanto passamos um Inverno na Noruega. Alugámos uma casa perto da casa de Edvard Munch.


Edward Munch marcou-a muito.
Sim, ele marcou muitos pintores noruegueses. E nesse sítio também me sentia muito inspirada. Ruas com casas velhas de madeira, muito pitoresco. Há uma praia lá com pedras gigantes. Um quadro de Munch muito famoso que se chama Melancolie, é um homem a pensar na praia, naquela praia onde eu estava. Isso também me entusiasmava muito. Depois voltei para Portugal e pus-me a olhar para tudo, à procura de algo que me inspirasse verdadeiramente, e descobri! Os cães vadios. É muito especial daqui. Lá na Noruega não há, é tudo muito organizado e os cães têm sempre dono! Então eu diverti-me muito a pintar estes cães.
Depois de pintar os cães voltei-me um bocado para a História de Arte. Gosto muito de alguns pintores espanhóis. Por exemplo Picasso, Velásquez, Goya, Tapies… Então inspirei-me na menina Velásquez e comecei por fazer a minha versão dela. Mas ela também tem um cão lá ao lado no quadro original e comecei a brincar com ela, a usá-la como a personagem principal dos meus quadros. Ela a brincar com o cão, a sair do quadro…depois a menina de Velásquez foi almoçar com vários pintores, (e ia mostrando o seu port folio de trabalhos antigos) aqui está a almoçar com Basquiat, um outro pintor que me influenciou muito. Aqui a menina almoça com Picasso, aqui com Tapies , um outro pintor espanhol de quem gosto muito e aqui com Pollock. Aqui ela está com os touros de Picasso…Aqui já temos a menina a pôr a mesa, a fazer coisas do dia a dia.

Quanto tempo andou a pintar a menina de Velásquez?
Muito tempo. Depois eu procurava quadros na História de Arte de que gosto muito e inspirava-me. Aqui ela está a conversar com Matisse, com Manet… Outra coisa que eu faço muito são registos do meu quotidiano, do que fazem os meus filhos, do que me acontece… Com estes quadros (mostrava mais um port folio) fiz uma exposição individual na Galeria Espírito Santo em Loulé. Esta série é com os meus filhos, chama-se Gémeos. Aqui estão a dar cambalhotas na praia, a lutar, a brincarem um com o outro, a dormir, a andar de bicicleta…



Explora a cor?
Sim, a cor é muito importante para mim e exploro muito a cor mas é mais por períodos. Há períodos em que trabalho mais o vermelho, outros períodos exploro mais outras cores. Todo o trabalho é um processo. Por exemplo neste quadros da menina de Velásquez eu estava a trabalhar com tempera mas é uma tempera mais grossa, tem mais óleo, por exemplo aqui, (ia mostrando nos seus port fólios) quando mudei para este atelier comecei a pintar em papel e a tinta mais aguada, e aqui a tinta é misturada com areia. Houve uma altura em que eu tinha uma colecção imensa de areia. Areia de várias praias, com cores diferentes, umas mais finas, outras mais grossas…Toda a gente me trazia areia . Por exemplo neste trabalho tenho vários tipos de areia, areia da praia aqui e areia de Marrocos, escura. Primeiro pinto na tela, ponho areia e depois pinto em cima da areia. Neste momento estou mais interessada em pintar sobre papel com traço rápido, com mais acção, mais movimento. Depois escolho e colo na tela. Isto começou com exercícios que eu fazia de manhã aqui no atelier para soltar a mão e depois fui descobrindo que alguns dos exercícios não eram para jogar fora e sim um caminho a explorar. Hoje é uma forma pessoal de me exprimir. Descobri isto trabalhando. Isto é resultado de trabalho. Tal como já disse, a pintura requer talento mas sobretudo trabalho. 4 ou 5 por cento é inspiração mas todo o resto é trabalho, trabalho, trabalho…


Texto e fotos de Paula Ferro

O atelier de Lis Petersen:







































































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