domingo, 31 de agosto de 2008

jornalismo - entrevista/reportagem com Pedro Ramos

in Postal do Algarve - Junho de 2007


“O instrumento do actor é o seu corpo”

“Somos todos naturalmente maus e bons”

“Espectáculos com os diferentes graus de leitura para chegarmos ao maior numero de público possível”

Pedro Ramos em pequeno não conseguia definir-se por uma só profissão. Quando lhe perguntavam “O que é que queres ser quando fores grande?” Ele não sabia porque se sentia atraído por todas e por nenhuma em especial, então descobriu que se fosse actor, podia ser de todas as profissões. “Inicialmente foi isso, depois eu sempre fui um bocado ‘teatreiro’, gostava do facto de poder ser outra pessoa ou de “ter, conhecer e compreender outras personalidades e comportamentos que não apenas os meus”. Afirma Pedro. Essas personalidades que se representam em cena já existem de algum modo em nós. “Somos todos naturalmente maus e bons, temos todas as características. Consoante o nosso papel social assim nos controlamos e dominamos certas partes. Um actor tem que se conhecer bem a fundo, saber quais são as suas qualidades e os seus defeitos e saber usar essas coisas que podem ser más para uma coisa útil que é a representação, o teatro.” O actor tem de se trabalhar muito a si próprio. O seu corpo é o seu principal instrumento. “Quando digo corpo é esse conjunto todo, o corpo e a mente, toda a minha história, todo o meu passado, tudo aquilo que eu sou, todos os conhecimentos que tenho sobre o que quer que seja e depois saber seleccionar todas essas informações que tenho em mim, para construir cada personagem que represento”. O actor tem de estar muito atento a tudo o que se passa em seu redor, a todos os níveis. Desde as expressões dos transeuntes, onde vai buscar muito material para a representação, fora de si próprio. “Muitas vezes criamos as personagens a partir da observação que fazemos das pessoas. Estamos sentados no café e olhamos. Conseguimos ler determinadas posturas físicas, sabemos que uma pessoa que está curvada e encolhida dificilmente será uma pessoa muito feliz, extrovertida… há pessoas que são muito abertas e muito espampanantes mas se calhar aquilo também esconde qualquer coisa ali por trás e serve de defesa. Na minha opinião a psicologia e o teatro têm muitos pontos em comum. Os actores têm obrigação de ter um pouco essa capacidade de psicólogo, de observar, de perceber como é que aquelas pessoas funcionam, através das suas linguagens corporal, oral, sensorial, etc. O instrumento do actor é o seu corpo. Ao representarmos personagens, se queremos passar uma personalidade que não é a nossa, temos que saber jogar com o nosso corpo física e psiquicamente, de forma a ajudar, a complementar aquilo que queremos mostrar às pessoas”.

“Temos que nos manter o mais informados possível”


Actor e personagem não se confundem, apenas se misturam de uma forma consciente e controlada “seria um grande problema para um actor identificar-se com as personagens e confundir a sua personalidade com a personalidade da personagem. Duvido que aconteça e se acontece é patológico, é doentio. Não tem nada a ver com a arte de representar fazer uma coisa dessas, essa confusão!”
O actor tem de se manter informado sobre aquilo que o rodeia, sobre o que acontece na sociedade e no mundo, “até de toda a história que temos por detrás. Uma das coisas que nos ensinaram na escola é que temos que nos manter o mais informados possível sobre o que nos rodeia, sobre o que acontece. Temos que ter conhecimentos de antropologia, de sociologia, de psicologia, talvez até mais do que saber especificamente como cozer o sapato para representar o sapateiro. É mais importante lidar com as emoções e saber expô-las do que condicioná-las”.

“É bom quando as pessoas dizem ‘ai que fácil, eu também sou capaz de fazer’”

Pedro Ramos
estudou teatro “na Escola de Formação Teatral do Centro Cultural de Évora / Cendrev”.
Numa escola de teatro “Aprendem-se métodos de representação. Existem vários métodos e formas para representar, o trabalho de actor é um trabalho que tem evoluído muito e está em constante evolução. Tem-se aulas técnicas (corpo, voz) aulas práticas de interpretação, aprendem-se teorias sobre o teatro e a sua história, o que é o teatro, para que serve. Uma das coisas que se deve aprender numa escola é a razão política, social de se fazer teatro, qual é o objectivo de existir teatro”.
Pedro é perfeccionista e nunca fica totalmente satisfeito com o que faz. Quer sempre mais de si próprio “é bom quando as pessoas dizem ‘ai que fácil, eu também sou capaz de fazer’, dá trabalho passar essa impressão de tão simples e leve e fácil. Que não é! Mas se conseguirmos passar essa imagem temos o nosso trabalho de alguma forma conseguido”.
O teatro é uma grande constante na sua vida. “Comecei na escola primária naquelas festinhas de fim de período. Com quinze anos comecei a fazer teatro amador na minha terra, em S. Bartolomeu de Messines. Desde que fui para o grupo de teatro amador nunca mais deixei de fazer teatro. Depois estive na universidade, continuei a fazer teatro amador. Fui para a escola de teatro, estive lá três anos. A seguir trabalhei na ACTA em Faro, no Baal 17, em Serpa e depois criamos o AL-MaSRAH em Tavira.”

“Se não for educador, se não for pedagógico, é inútil fazer teatro!”


O teatro tem um lugar no mundo sem sombra de dúvida. “Podíamos pensar que é uma coisa inútil porque há a televisão e o cinema, temos outras formas de entretenimento, mas o teatro pode ser muito mais do que isso. Obriga as pessoas a irem a um sítio em que se encontram, no local onde acontece uma representação com pessoas iguais a elas, que estão ali à frente delas. A grande diferença em relação ao cinema. As pessoas sentem as respirações e tudo o mais.” O modo de exprimir verdades também é diferente. “Devido aos condicionalismos que existem num espaço fechado, todo o cenário, tudo, todo o espectáculo será muito mais simbólico, muito menos realista do que no cinema por exemplo”. Não gosta do teatro só para alguns, quer chegar a todos. “Preferencialmente fazer espectáculos com os diferentes graus de leitura para chegarmos ao maior numero de público possível”, e sempre tentando deixar a semente da abordagem crítica e por isso mais consciente da vida, “levantando determinadas questões, fazendo pensar através, também, da identificação ou repulsa, emocional ou racional, pelas personagens.”
Concorda com a existência de oficinas de teatro, não apenas para quem quer ser actor e sim para todas as pessoas, de todas as idades porque se percebermos o que está por detrás de uma representação, tornamo-nos mais críticos relativamente àquilo que estamos a ver e “é importante que as pessoas se descontraiam, que percam aquelas barreiras sociais que todos nós temos no nosso dia a dia e que consigam soltar-se. Os exercícios relacionados com o teatro obrigam a que as pessoas se libertem de muita coisa”.
O teatro é dinâmico e transformador, “se não for político, político no sentido social, não político no sentido partidário. Se não for educador, se não for pedagógico, motivo de discussão, de reflexão… é inútil fazer teatro!”


Texto e fotos de Paula Ferro


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