sábado, 30 de agosto de 2008

jornalismo - entrevista/reportagem com Uberto Stabile

in Postal do Algarve - 14 de Junho de 2007


"O presente não é um passado em potência, ele é o momento da escolha e da acção."
Simone de Beauvoir

“Quero que a poesia me inquiete, me crie intranquilidade!”



“A poesia é uma maneira de estar na vida.”


Uberto Stabile filho de italiano e espanhola, nasce em Valência em Julho de 1959. Licencia-se em História de Arte na Universidade de Valência onde cria a “União de Escritores do País Valenciano”, dirige o “Café-Livraria Cavallers de Neu”, e a “Editora Malvarosa”. “Estive também em Roma e Bolonha estudando e trabalhando. Fui aluno do Umberto Eco na DAMS (Direcção de Arte, Música e Espectáculos). Nessa altura ele ainda não era romancista. Depois escreveu ‘O Nome da Rosa’ e acabou-se o Umberto Eco professor.” Riu com jovialidade.
Uberto cresceu com a actividade poética misturada com os gestos quotidianos. “A poesia é um exercício de higiene mental” e o sorriso invadiu-lhe o rosto de uma certa traquinice, “é uma forma de estar na vida, de a entender e de a explicar, um modo de nos reafirmarmos perante o mundo e a realidade. Uma forma de compreender e interiorizar a realidade, um modo de a habitar. Uma maneira de estar na vida.”

Aos dezoito anos publicou o seu primeiro livro. Representou a Espanha na II Bienal de Jovens Artistas do Mediterrâneo em Bolonha (Itália) em 1987. Obteve vários prémios: Prémio de Poesia Villa de Allaquas em 1984, Prémio Valência de Literatura em 1987 e Prémio Internacional de Poesia Surcos em 1997. No final dos anos 90 funda a “Associação Andaluza de Gestores Culturais”.
Hoje, tem cerca de doze livros de poesia publicados. Existem obras suas traduzidas e editadas em Itália, Bulgária, França e Portugal. “Procuro a poesia que me inquiete, que me crie intranquilidade, não a que me deixe indiferente ou que possa ser aflorada de uma forma puramente intelectual. Quero que a poesia me transmita desejos, sobretudo emoções.”

“A poesia é uma relação com o exterior”

Embora há alguns anos esteja afastado do acto criativo devido a outras actividades que se prendem sempre com a cultura, Uberto Stabile continua a praticá-la “no sentido intelectual da palavra porque estamos vivendo sempre e onde há vida há poesia”. Ela abunda na sua maneira de ser, na sua forma de se relacionar com o mundo e com os outros “é uma forma de olhar, de sentir, é uma relação com o exterior”, e é também a estrutura, o suporte, que lhe permite sonhar e voar, sustentar as suas ânsias de liberdade e, mesmo quando o mundo o espera descabido de cor por ausência de poesia, “Sem poesia tudo é cinzento”, é ainda nela que Uberto encontra a esperança e a força para continuar a lutar pelos seus ideais e objectivos.
Foram sendo publicadas antologias do autor. Este ano surgiram três: “Cem dias de Maio” no México, “Maldita seja a Poesia” em Saragoça e “Só mais uma vez” em Portugal.
Para Uberto Stabile poesia e arte viajam juntas mas não são a mesma coisa, “digamos que a arte é mais convencional, mostra o estabelecido pelos seres humanos, é algo que vai variando segundo a época, em função de critérios estéticos que vão marcando as pautas do gosto. A poesia relaciono-a mais com a beleza do que com o gosto e isso escapa ao homem, é um sentimento… é do homem, mas não é artificial. Não é algo estabelecido, é algo sensorial, emotivo, está dentro de nós e está mais perto das emoções do que das ideias.” Faz uma pequena pausa. “O mundo da poesia é quase invisível.” Muda de posição na cadeira. “E não se recebe só do verso. O poema é o veículo mais oficial, é o aspecto mais convencional da poesia mas não é o único. Hoje em dia há muito mais linguagens visuais, há a poesia visual…a poesia está também no teatro, na fotografia, no cinema, está na rua, na natureza… muito mais do que antes. Os poemas são uma forma de tentar traduzir de alguma maneira essa poesia que é inata e está em todas as coisas.”
O autor não se limita a escrever poesia, escreve ensaio. Uma das compilações de textos de ensaio é “Entre Lamparinas e Barricadas” (entre 1994 e 2004).
Porque é activo sem ser nervoso, é-lhe difícil estar parado. Colaborou em: “Diário de Valência”, “Diário Levante”, “Diário Huelva Informação” e na Imprensa especializada, com “Ajoblanco”, “Cartelera Túria”, “Valência Semanal”, La Luna de Madrid” ou “Europa Viva”.
É também autor de um “Guia de Recursos Literários da Província de Huelva” e do “Dicionário Literário de Huelva”.


“sou político e escrevo”

Para Stabile a poesia não está distante do mundo, pelo contrário, o mundo, o todo do que nos rodeia, está impregnado de poesia, por isso esta também existe no mundo social, aquele mundo que o ser humano habita até por definição. A poesia não está fora do acto, da inter-acção com o social, do “interventivo”. “Não estou ligado a nenhum partido mas não sou um ser apolítico, sou político e escrevo. Através das minhas formas, intervenho. E tento chegar à sociedade em que vivo com discursos que são a minha maneira de entender a realidade, criticando nalguns momentos e noutros tentando explicar o que vejo.” A poesia é também uma forma de intervir, de participar e de se ser em todos os campos, por isso exprime também o que sentimos perante o próximo, o que queremos do mundo que habitamos, o que nos desagrada naquilo que aqueles que partilham o mundo connosco fazem do mundo que nos é comum. “Alguns críticos integram-me no que se chama a corrente da poesia da consciência porque fala das pessoas, da sociedade, da guerra, da discriminação racial, da discriminação e violência dos géneros, da imigração, dos problemas que afectam a sociedade de hoje e sobre os quais temos que tomar uma posição”.
Em 1991 vai viver para Huelva e funda a “Associação Cultural 1900”. “Vim trabalhar na Casa Museu Juan Ramón Jiménez. Fui director da Feira do Livro de Huelva durante dois anos e finalmente director da área da cultura da Câmara de Punta Umbria”.
Em 1994 começa a editar a revista de poesia “Aullido” que introduz em Espanha textos de outros países Ibero-Americanos e cria e organiza os “Encontros Internacionais de Editores Independentes”.
Pensa sempre em escrever romance mas é uma promessa continuamente adiada por falta de tempo. “O acto narrativo permite-nos distanciarmo-nos do texto, podemos criar personagens, podemos sair, colocar na boca de outros ou simular narradores. A poesia é mais aberta, mais pessoal, vê-se mais quem nós somos. Na narrativa podem-se usar muitos filtros, muitas personagens, caracterizações e o psicológico tem um papel muito importante. Na poesia somos mais nós, mostramo-nos mais, é mais directa, mais emotiva e portanto mais pessoal.”


Intercambio cultural com cidades portuguesas

Quando chegou ao sul de Espanha, Uberto Stabile preferiu dirigir-se no sentido de Portugal, país cuja cultura há muito o “encanta”, a vincular-se a uma metrópole como Sevilha. “Antes de trabalhar em Punta Umbria já tinha estabelecido laços com Portugal através da Associação Almargem”, quando conheceu José Bívar e José Machado Vaz, “organizámos concertos, exposições e recitais, tanto em Faro como em Huelva. Reporto-me para 1994. Publicámos o livro de poesia de Fernando Esteves Pinto ‘Siete Planos Coreográficos’, fizemos uma exposição de escultura de Adão Contreiras e várias exposições de pintura de diversos artistas. Trouxemos a Huelva o grupo ‘Ecos de Coimbra’ e outros de música experimental de Lisboa, assim como fizemos recitais de poesia de José Vaz Machado e Fernando Esteves Pinto entre outros e quando eu já trabalhava na Câmara, criámos programas estáveis interculturais: ‘Cantos do Sul’, festival de música popular com Loulé. Com Loulé temos um intercâmbio há muitos anos com música, eles vêm todos os verões ao festival de bandas de música e vem sempre a orquestra filarmónica Amigos de Minerva de Loulé tocar a Punta Úmbria. Esta cidade está irmanada com a nossa e temos tido sempre a presença de bandas de música de jazz no nosso festival que vêm através do festival de jazz de Loulé. Tínhamos um festival que queremos recuperar. Chama-se ‘Cantos do Sul’. É de música folclórica e popular, popular tanto portuguesa como espanhola. Por último temos uma série de pequenas actuações de literatura, de exposições… Houve um momento de quebra mas estamos a recuperar todas as actividades”.
Com o Sulscrito está a desenrolar-se a “ ‘Palavra Ibérica’ que é uma colecção, temos também o prémio de poesia e o Encontro de escritores, com o mesmo nome, ‘Palavra Ibérica’, em colaboração com o “Sulscrito” e a Câmara de Vila Real de Sto António.”
“O Sulscrito – Círculo Literário do Algarve”, foi fundado por Fernando Esteves Pinto, Luís Ene, João Bentes e Pedro Afonso e é gerado a partir de um convite de Uberto Stabile para organizar uma antologia de poesia portuguesa em edição bilingue a publicar em Espanha. O projecto concretiza-se. Em Março de 2006, publica-se a antologia bilingue de poetas portugueses “Poema Poema”. Foram feitas apresentações em Loulé, Vila Real de Sto. António, Faro, Huelva e Porto. Ainda em Março se realiza o “1º encontro “Palabra/Palavra Ibérica” de autores hispano-lusos em Punta Úmbria. Autores portugueses convidados pelo “Sulscrito”: Rui Costa, Joaquim Paulo Nogueira, Fernando Dinis, Sara Monteiro, Fernando Cabrita e José Carlos Barros. Espanhóis estiveram presentes, entre outros, os escritores: Manuel Moya, Francis Vaz, Rafael Delgado, Maria Gómez, Josefa Virella, Inmaculada Luna, António Orihuela e José Luís Piquero. Paralelamente ao encontro foi inaugurada a exposição de fotografia “Mirada Ibérica” de Margarida Delgado e Ángeles Santotomás. Uma réplica desse encontro acontece em Abril, no Centro Cultural António Aleixo em Vila Real Sto. António. Sai ainda em Março de 2006 o primeiro volume da colecção “Palavra Ibérica” publicado em Espanha em edição bilingue com tradução de Uberto Stabile, “Muchas Veces Me Sucede Olvidar Quien Soy” de Luís Ene. Em Março de 2007 é publicado “Las Moradas inutiles”, também editado em Espanha, de José Carlos Barros, com tradução do poeta espanhol Manuel Moya e em Maio de 2007,“Só mais uma vez” de Uberto Stabile, traduzido por Rui Costa, editado em Portugal pela Livrododia Editores, parceira editorial na colecção “Palavra Ibérica” que é coordenada por Fernando Esteves Pinto.

“A cultura não deve pertencer só a certas elites”

Em 1994 foi criado o Prémio Nacional de escultura em Punta Úmbria. A partir de 2000 passou a ser “o ‘Prémio Ibérico de Escultura – Cidade de Punta Úmbria’. Está aberto a escultores tanto de Espanha como de Portugal, é Ibérico. Nestes últimos seis anos, dois dos primeiros prémios foram para portugueses e um segundo prémio também. Foram atribuídos a Ricardo Franco, Maria Leal da Costa e Paulo Perre. Abriu um sorriso. “Creio que este é o município de Espanha que mais actividades mantém com Portugal”. Sorriu de novo com um ar despreocupado e contente. “Houve um ano em que agrupámos todas as actividades que esta Câmara mantém com Portugal num só programa, era intitulado ‘Aulas de Cultura Portuguesa’”.
Mas os projectos de Stabile com portugueses não páram. “ Já criámos também a rede de cidades culturais da Feira das Culturas de Serpa.”
Punta Úmbria foi recentemente irmanada com Tavira e Stabile já deu passos no sentido de serem feitos projectos com a Câmara Municipal de Tavira. Acaba de chegar de Serpa e já está com um pé em Loulé num encontro literário entre a Casa da Cultura de Loulé e Punta Úmbria, “‘Palavras ao Sul’ é um evento que vai acontecer pela primeira vez e marca um reencontro de actividades. Está muito próximo, é dia 15 e 16 de Junho.”
Mas Stabile é determinado, organizado e não se contenta. Acredita na diferença e na riqueza acrescida que significa o intercâmbio, no resultado positivo do contacto das diferenças entre si e continua a estimular projectos entre os dois povos “ e...” faz uma pausa, com um sorriso meio de admiração, meio divertido “…Punta Úmbria fica mesmo aqui ao lado”, sorri abertamente por sentir óbvio o que expõe, “as línguas têm a mesma origem, a cultura portuguesa tem riquezas incríveis, a todos os níveis. Os portugueses e os espanhóis têm raízes comuns, têm diferenças e pontos de encontro muito fortes, faz todo o sentido que se conheçam melhor um ao outro”. Stabile sonha com estender o interesse pela cultura e o acesso a ela, ao maior número de pessoas possível. “A cultura não deve ser algo que pertença só a certas elites. A cultura deveria ser acessível ao maior número de pessoas possível e é preciso que as pessoas assimilem, é preciso que entendam essa cultura que lhes chega, senão nada faz sentido”.
Texto e fotos de Paula Ferro

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