terça-feira, 26 de agosto de 2008

jornalismo - Entrevista com Ivo

in Postal do Algarve Fevereiro de 2007


Pintar e desenhar é ordenar sensações.

A Arte Africana e o jazz, são coisas autênticas diferentes de mim.



POSTAL DO ALGARVEQuando descobriu que tinha tendência para as artes?
IVO
– Na adolescência. Por volta dos 15, 16 anos. Comecei a desenhar. Tinha um grupo de amigos também interessados por desenho, jazz. Alguns de nós também por poesia. Começámo-nos a interessar por diversas formas de expressão e quase todos nós começámos a desenhar. Comecei a comprar livros de arte. Havia muito poucos. Havia muito pouca informação. A visitar exposições. Havia muito poucas. Mas ia à Gulbenkian e a algumas galerias de Lisboa. Fui-me começando a entusiasmar, a entusiasmar, até que dos 18 para os 19 decidi mesmo que o que queria era ser pintor.
Entrei no Ar.Co em 79, tinha 19 anos. Estive lá um ano e meio. Fui para Angola, fiz um ano de cooperação e quando voltei é que fui para as Belas Artes. Nessa altura é que estive no Ar.Co e nas Belas Artes em simultâneo.

O que estudou no Ar-Co?
Desenho, pintura e gravura.


Optou mais pela pintura?
Eu desenho. Trabalho sobre papel. Às vezes também faço um objecto ou outro de escultura. Essencialmente faço desenho e pintura.

No Palácio da Galeria expõe sobretudo pintura.
Pintura e tenho uma escultura resultante da transformação de um objecto (escadote).
O que me preocupa mais é o lado estético.

Cada trabalho tem um significado?
Quando uma pessoa faz um trabalho não é um mero exercício formal. Nesta exposição os trabalhos têm todos, uma ou alguma relação entre eles. Depois cada um é individual ou funcionam dois a dois. Umas vezes por complementaridade, outra por oposição, não será bem oposição mas… Por exemplo, este trabalho “Ao luar”. Um amigo deu-me um escadote como objecto utilitário. Desde 1982 a escada tem sido um elemento a que recorro das mais diversas maneiras. A escada é uma metáfora, tem a ver com ascensão, com o tentar subir a escada para descobrir um desconhecido, ou a pessoa superar-se… de qualquer maneira, aquela escada, o objecto em si, tinha um potencial estético. Gostei da escada. Há outros escadotes que não me dizem nada. Deram-me o escadote há dois anos. Utilizei-o no atelier como escadote. Mas queria fazer dele um trabalho. Fui pensando em várias coisas até que me vieram muitas soluções. Fiz várias tentativas com outras coisas, até que cheguei ao trabalho em si.. Resumindo, porque o objecto despertou em mim ideias e eu comecei a trabalhar com o que tinha em mãos que era o próprio escadote, tive que fazer muitas opções a partir das quais surgiram outras soluções.

As opções são mais estéticas ou pela mensagem?
O que me preocupa mais é o lado estético porque as mensagens… se o trabalho tiver interesse, vai ter sempre ampliações.



Faz desenho tradicional, desenho à vista?
Já não. Raramente. Enquanto aluno fiz. Não só como aluno. Faço às vezes auto-retrato. Uso um espelho. Fiz muito. Fazia nu, e gostava imenso, tanto nas Belas Artes como no Ar.Co. Fiz seguramente centenas e centenas de sessões ao longo dos sete ou oito primeiros anos.

Pintura e desenho, qual a relação?
Tem toda. Dificilmente há fronteiras. Para certas pessoas há, bem definidas. Para o Pollock era exactamente a mesma coisa. Para mim, o desenho está mais próximo de qualquer coisa mais mental e mais espontânea, se assim se pode dizer, e na pintura podem-se criar mais artifícios. Pelo menos nos meus trabalhos, nos desenhos há menos artifícios. Mas a arte está é artifício.


Pintar e desenhar é ordenar sensações.


O que é para si a arte?
Isso eu não sei (risos). Mas é qualquer coisa que deve ficar. (Pausa) É uma actividade humana. Só os homens têm essa actividade, onde há uma necessidade de comunicação com os sentidos e as sensações. Digamos que pintar e desenhar é ordenar sensações.

Ordenar?
Ordenar. Com uma mancha de castanho pode-se dizer nariz e pode-se dizer boca, ou umbigo, ou outra coisa, ou abstracto, e noutro contexto é outra coisa. Foi apenas ordenada de maneira diferente.

Pode existir pintura sem desenho?
Pode. Se calhar pode. Mas o que é que é o desenho? Não é preciso desenhar primeiro e pintar depois. Eu nunca esboço nada.


A técnica é um meio, não é um fim.




É fundamental o domínio da técnica?
Sim. Mas é um meio, não é um fim. Há desenhos de Paul Klee aquele pintor, professor da Bauhaus, suíço alemão, são desenhos feitos a tinta da China que não requerem muita técnica mas têm uma vida!? (sorriso) Têm uma grande expressão e qualquer coisa de muito autêntico.

Têm vida própria?
É isso. E não precisam de técnica. Claro é preciso a técnica de pegar no instrumento. Não é preciso muito mais do que isso. Ou se calhar, ele já a sabia tão bem que não precisava disso.

Há um quadro seu onde coloca fios de nylon e pinta para depois retirar os fios e surtir um efeito.
Sim. Foi a primeira vez que utilizei isso. Nunca o tinha experimentado daquela forma.

Isso é técnica?
Sim (franzindo a testa em controvérsia) é técnica mas se calhar o mais interessante é a ideia, é o click que se teve para lá chegar. Podia não resultar. Há qualquer coisa mais importante que a técnica. É difícil falar sobre pintura. Explicar todo o processo criativo é mais interessante do que falar do quadro e o processo criativo difere de quadro para quadro. Não é totalmente diferente mas difere um bocado.

Composição é importante?
É! Composição é. Mas a composição pode ser feita de um milhão de maneiras.

Faz a composição antes?
Em simultâneo.

O que é um artista?
Não sei. Quer dizer, acho que é alguém que não tem medo de fazer mal.

Ser audaz?
Sim. É isso. Ser audaz! É fácil ser-se macaco de imitação. É essa rebeldia de aprender mas não seguir o mestre. Não parar quando o mestre manda. Porque o aluno está a viver o trabalho de outra maneira, de uma forma interior. O professor é sempre exterior ao aluno. Quando estou a dizer algo a um aluno, são sempre possibilidades. Um professor nunca pode ser definitivo. Deve ter a capacidade de potencializar as características inerentes àquela pessoa que está diante dele. E às vezes consegue-se! (sorriso de satisfação) Às vezes consegue-se!

História de Arte.
Acho que é muito importante conhecer a História de Arte e a arte não ocidental. Gosto muito de arte africana e tenho estudado algumas coisas. Tenho lido sobre arte africana e a arte dos Tchokwé . Tchokwé é uma tribo de Angola. Vivi em Angola, convivi e vi algumas coisas. São de Angola e do Congo ( R.D.Congo, ex- Zaire ) e devido às guerras estão muitos na Zâmbia. A arte africana interessa-me como me interessa o jazz, são coisas autênticas, mais por isso, são coisas autênticas diferentes de mim.


Texto e foto de Paula Ferro

Sem comentários: