Baudelaire citado por Walter Benjamin in “Pequena Historia da Fotografia.
A ideia indica o caminho e a técnica adapta-se.
O sistema das artes é ‘meandroso’ e a sua compreensão um processo laborioso
Uma das minhas actividades profissionais é a reprodução de obras de arte. Outra é fotografar pessoas
Miguel Proença nasceu em Lisboa em 1963. A sua formação começa por ser feita em Agronomia na Universidade da Florida nos E.U.A., “Formei-me em Agronomia e tive a oportunidade de trabalhar no Verão de 88 na Amazónia com os agricultores do Acre, onde vivia Chico Mendes”, fez uma pausa como quem fica preso a um pensamento, “foi pouco antes de o terem assassinado”. Nova pausa e continuou. “Pretendia encontrar formas de utilização da terra com maior sustentabilidade ambiental”. Fixou-me. “Como agrónomo participei também em alguns projectos em Moçambique na década de 90 e actualmente dedico-me em 'part-time' à produção de figo fresco”, explica.
Na fotografia “comecei aos solavancos, em finais dos anos 70, depois de contactar com o trabalho de Bill Brandt, Richard Avedon e Eugene Smith que ainda hoje são referências importantes. Fiz um portfólio a preto e branco e consegui uma bolsa para frequentar a Bournemouth and Poole College of Art and Design, em Inglaterra”. Fez uma pausa franzindo a testa. “Com a subida da Thatcher ao poder, combinado com o facto de Portugal ainda não estar na CEE, retiraram-me a bolsa a meio do ano e regressei a um ensino mais tradicional em Portugal, este na área das ciências. No entanto, já estava ‘contaminado’ pela fotografia”.
Os projectos que mais me interessam são no foro da fotografia documental, normalmente de longa duração
Em Milão, entre 1998 e 2001 estudou Reportagem, Laboratório e Linguagem Fotográfica na John Kaverdash e no Circolo Filológico de Milão. Trabalhou como fotógrafo profissional “ em 2001-02, para uma revista mensal, ‘Milano Free Magazine’. Fazia a fotografia de capa e dava apoio às entrevistas”. De regresso a Portugal fez uma pós-graduação em estudos de fotografia no IADE (2003-05). Neste momento frequenta um Mestrado em História de Arte Contemporânea, na Universidade Nova em Lisboa.
A fotografia atrai-o em várias áreas mas "os projectos que mais me interessam são no foro da fotografia documental, normalmente de longa duração". Neste âmbito já foram publicadas “Artes e Artimanhas da Terra para o Mar”, com imagens da Ria Formosa e texto de Raquel Delgado Martins em 2000, e “Alqueva, paisagem que muda, povo que espera”, com texto de António Oliveira Soares, em 2007. Em Portugal já apareceram trabalhos seus em várias publicações, desde a imprensa regional à nacional, “no entanto o formato que mais me interessa é o da exposição - livro. É a combinação perfeita entre o efémero e o duradouro. Se o livro é uma forma privilegiada e íntima para ver e ler imagens, as imagens fotográficas ao vivo têm uma força própria. Uma reprodução de uma imagem fotográfica é um objecto diferente. Aliás, uma das minhas actividades profissionais é a reprodução de obras de arte. Outra é fotografar pessoas ”.
Tudo aquilo que me transmite energia criativa é arte
Fotografar obras de arte “é uma fotografia bastante técnica que exige uma cadeia de produção, desde a captação da imagem à sua reprodução, calibrada e afinada. Uma vez estabelecidas estas condições, quando me dedico a trabalho pessoal quase que não preciso de pensar em técnica e consigo dar toda a atenção ao que estou a fotografar. Outra questão que se levanta nesta actividade, é o contacto com outros autores e a sua obra, que é muito educativo”.
Para Miguel Proença a fotografia também pode ser vista como arte, “tudo aquilo que me transmite energia criativa é arte. O registo em que trabalho é fotografia e o trabalho que torno público resulta de um processo criativo”. Pequena pausa. “No entanto, o sistema das artes é ‘meandroso’ e a sua compreensão um processo laborioso e necessariamente pessoal. As bóias de apoio são meras ilusões”.
O ideal é a técnica ser suficiente para não termos de pensar nela quando estamos a fotografar
Há diferenças entre a imagem artística, a publicitária e a jornalística. “Embora as finalidades sejam diferentes, as categorias não são estanques entre si e podem mudar com o tempo”. Pausa. “Como exemplo, algumas imagens encomendadas para criar uma ideia moderna de Portugal na época salazarista, foram usadas nessa altura como publicidade e hoje são consideradas arte. Ou seja, o cariz documental está sempre associado à fotografia. As outras questões não necessariamente, encarregando-se o tempo de clarificar estas relações”, balança a cabeça numa espécie de pausa e arranca de novo, “no caso da utilização da fotografia, em particular na forma pictorial para salões e publicações, algumas espantosas, usadas pelo regime salazarista para estabelecer a fachada da modernidade no estrangeiro, aí a fotografia sofreu um grande atraso no país em relação ao resto da Europa. Nesta altura, a publicidade foi péssima para a fotografia portuguesa”. Pausa. “Claro que ao ser o meio privilegiado de comunicação através de jornais e revistas, a fotografia era um pilar da educação visual deste país” Parou um pouco. “Uma das grandes excepções a este quadro foi Fernando Lemos, que expôs pela primeira vez em 1952 em Lisboa. Pouco tempo depois ‘trocou a pátria em que nasceu, Portugal, por aquela que ele ajuda ainda hoje a construir, o Brasil’”.
A pele como fronteira sensorial, a receptora de estímulos que vão participar na construção da memória e na relação com o mundo
Fotógrafos que admira, “devo mencionar o trabalho de Nuno Calvet, uma das figuras maiores da nossa fotografia no final do século, que muito me toca, ainda hoje, pela luz que torna estranho”. Mas existem outros, “Fernando Lemos, a separação do destino entre o existente e o que criamos”. Pausa. O pensamento pendurado num sorriso. A "São Trindade, a fotografia como diário pessoal”. Pausa curta. “Paulo Nozolino com a sua carga emotiva”, o olhar roda e capta outra imagem guardada, sorri de novo, “Pepe Diniz com os retratos surpreendentes, também os retratos de Céu Guarda”, nasce outra expressão. “Paulo Catrica e a sua persistente produção, e António Júlio Duarte e José Manuel Rodrigues, cujos trabalhos me continuam a surpreender.”
Sobre o trabalho exposto no Palácio da Galeria inserido na colectiva “Geografias Variáveis”, Miguel Proença afirma “A ideia de lugar da experiência, título da exposição, é da pele como fronteira sensorial, a receptora de estímulos externos que necessariamente vão participar na construção da memória e logo na relação com o mundo”.
Texto e fotos de Paula Ferro
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