domingo, 31 de agosto de 2008

jornalismo - entrevista/reportagem com Diogo Guerra Pinto

in Postal do Algarve - Abril de 2007

Esta exposição esteve patente ao público na Artadentro em Faro.


A arte é a ideia da obra, a ideia que existe sem matéria
Aristóteles


Quando pinto realizo-me completamente.


A natureza ajuda a centrar-nos na essência

A cor dá o toque final, o ambiente, é tudo o que está

Começou por se sentir atraído pelo desenho. Fazia desenhos sozinho. Gostava. Tem um tio pintor. Ainda adolescente foi passar uma temporada com ele, para pintar. Essa experiência rendeu-lhe mais algum tempo a trabalhar a solo mas a coisa tornava-se cada vez mais séria. Pintar exigia mais e mais de si. Entrou para o Ar - Co “para trabalhar mais a sério, canalizar mais o trabalho”. Frequentou esta escola durante cerca de sete anos em várias áreas incluindo desenho e pintura. “Gostei bastante. Tinha excelentes professores. São os professores que puxam por nós, entusiasmam, estimulam e ensinam a encurtar caminho. Chamam-nos a atenção para pormenores. Ajudam-nos a ter uma distância em relação ao trabalho, imparcialidade. Isso é importante para percebermos o que é que estamos a fazer. Há dois momentos: o de fazer e o de olhar para o trabalho que se fez, para ver o que estivemos a fazer. O próprio trabalho fala de si próprio e é preciso compreendê-lo”.
Pintar é sempre um momento único. “Quando pinto é um momento muito especial. Sinto-me realmente bem como homem”, enche o rosto com um meio riso meio sorriso, como quem fala de algo muito especial e íntimo, “realizo-me completamente. Aquele momento é um momento em que estou consciente mas é único. O momento em que estou em contacto com outro lado do homem que sou e, onde encontro…” pausa curta para encontrar a palavra certa “…uma força”.


O pintor e o homem… se calhar não os consigo separar

O pintor e o homem são uma e a mesma pessoa. “Quando evoluo como pintor também evoluo como homem. É uma questão de estratégia, de disciplina, consciência de mim, do outro, do mundo que está à volta, em todos os sentidos…” Uma pequena pausa para pensar. “O pintor e o homem… se calhar não os consigo separar”.
Aborda temas como a Natureza e o Homem. “São temas de que gosto, sou sensível a isso, desde sempre acho que são belos”.
Passeávamos pela galeria e Diogo ia falando dos seus quadros, um por um. “Esta carne”, aponta para um quadro onde pintou um bocado de carne pendurada num talho, “tem a ver com a morte e a vida, com esse ciclo, a morte que mantém vivo ” Viramo-nos para outra direcção. “Este urso aqui”, aponta, “‘o urso empalhado’. Está num pedestal, pretendi criar uma certa artificialidade. O fundo foi a partir de pormenores da natureza, de floresta e depois, o urso empalhado que tem a ver com aquilo mas não tem a ver”. Passamos a outro quadro “O índio surgiu, foi surgindo. Gostei da imagem. Costumo trabalhar a partir de coisas que tiro, de fotografias, imagens de revistas, de jornais… Inspiro-me e depois recrio. Foi de um jornal, o índio tem esse lado heróico, épico, e a maneira como na fotografia estava representado: uma coisa que está extinta mas ainda existe, resquícios do passado. Tem um bocado a ver com a relação da natureza”.

Pintar é um acto de fé, um acto de vida
Enquanto me falava dos quadros ia-me confidenciando sobre os seus hábitos de trabalho. Diogo trabalha quotidianamente, tem um horário como qualquer trabalhador de empresa mas nem todo o trabalho do artista se resume ao pintar, é muito mais vasto do que isso. "Às vezes percebo que é fundamental dar voltas e sair. Costumo trabalhar a partir de imagens impressas mas o contacto com as coisas é fundamental. Desenho bastante. É aí que surge a ideia”. O princípio de tudo é o desenho com lápis em papel mas “não desenho com o lápis sobre a tela. Na tela acabo por desenhar, com o pincel, mas não com o lápis. […] A reflexão acontece, a princípio, a nível do desenho. Segue o desenho, as ideias que tiro quando olho para uma figura, uma imagem. Aí surge a pintura”. Pintar altera o seu modo de olhar o mundo. Conforme vai encontrando novas impressões, vai descobrindo novas maneiras de exprimir as ideias que tinha inicialmente e essas também se alteram conforme as decisões que vai tomando, com a maneira de pintar, com o que acontece. “Uma coisa puxa a outra e a outra puxa a outra”. O acto de reflectir e o de pintar têm características diferentes. O gesto transformado em acto que pinta, é algo mais intuitivo e impulsivo, “já não tem a ver com aquela reflexão, aquilo que me levou a pensar o quadro, aquilo que aquela imagem me levou a pensar e por isso a fazer. Já é outra coisa porque quando se está a pintar já é um acto de fé, é um acto de vida”. As coisas adquirem outra dimensão, passam a ser pensadas, sentidas, como que vividas porque existe o contacto e transformam-se em algo mais familiar e compreensível. “É como a morte, quando se está a pintar sobre ela já é outra coisa. Coisas que me fazem espécie, temas como a vida e a morte fazem-me uma certa impressão e quando trabalho neles já é outra coisa. Trabalho a cor, a tinta, já é um aspecto completamente diferente e depois a imagem final é quase inconsciente, não se pensa muito, pensa-se com o pincel”.

A natureza tem algo a ensinar-nos

A cor é muito importante. Tal como o desenho é o embrião, “a cor dá o toque final, o ambiente, a cor é tudo o que está. Quando estou contente com a cor é quando o quadro está acabado, quando consegui o efeito tonal que queria, seja pelo contraste, pelo tom, luz ou sombra que quero”.
Continuámos o nosso passeio pelos quadros. Parámos diante de uma tela com cães que parecem lobos. Um ar ameaçador num ambiente nocturno mas cheio de luz amarela e intensa. “São cães a atacarem ou a defenderem-se de alguma coisa que está por trás. Isto tem a ver com medo”. E teorizamos sobre os sentimentos ou sensações. “O medo tem a ver com a confrontação. Tem a ver com isso. E em contacto com a natureza, através de imagens, das sensações que nos desperta, dá-nos paz”, como que afugenta e ajuda a resolver os medos.
Subimos as escadas e o primeiro quadro com que me deparei é uma caveira. Cheia de movimento, de vida. “Foi quando trabalhei durante mais tempo caveiras. Continuo a fazer, é um tema recorrente. Agora, não tem que ser. Esta é a mais recente”. Na parede em frente uma enorme tela em tons mais avermelhados, escuros, com uma rapariga agarrada a um enorme cão, "‘A Bela e o Monstro’. É a ideia de que parti, de bela como beleza de fragilidade, e o cão de luta, a força e o dominar a fera também”. Outro quadro, "O Retiro’"“Retirar-se para um ambiente natural e estar ali, consigo próprio, a natureza e o homem A forma como o homem se descobre. O homem não existe sem natureza. Sinto que ela tem algo a ensinar-nos. Olhá-la contemplando. Quando contemplamos a natureza distanciamo-nos do nosso dia a dia e isso ajuda-nos a centrar-nos. A centrar-nos na essência”.


Texto e fotos de Paula Ferro








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