segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Jornalismo - Entrevista/Reportagem com Leif Lonne

Leif Lonne é membro do grupo A Ponte.

in Postal do Algarve - 20 de Março de 2008

Esta entrevista/reportagem insere-se no conjunto de entrevistas que fiz com os artistas da exposição colectiva "Geografias Variáveis" que decorreu entre Março e Junho no Palácio da Galeria em Tavira.

Passei toda a minha vida a aprender a desenhar como uma criança
Pablo Picasso

A minha arte pertence à sociedade

Ser pintor é um trabalho muito solitário

Os Sindicatos são fortes porque os artistas são unidos







Leif Lonne nasceu na Noruega em 1959. Quando lhe perguntei como descobriu a sua tendência para a arte respondeu:”fugi do jardim-escola quando era pequeno!” Ambos rimos. Depois continuou: “sempre gostei de desenhar. Sempre tive uma necessidade muito grande de me exprimir de modo criativo. Sempre. Desde muito pequeno”. Sorriu novamente com ar traquina. “Depois também sempre soube que se fosse artista jamais teria um patrão.” Olhou-me com tranquilidade. “Quando tinha 20 ou 21 anos encontrei um pintor norueguês que me levou para uma pequena comunidade de artistas. Depois de pintar meio ano entrei na maior exposição da Noruega que é feita com júri”. Olhou para as recordações e voltou a sorrir. “Tive um princípio maravilhoso. O primeiro quadro que expus, não o queria vender. Quando voltei da inauguração, o quadro já tinha sido vendido.” Soltou com ar de quem não se esquece mas não se importa.
“Ser pintor é um trabalho muito solitário,” o rosto ganhou uma outra dimensão dentro da mesma interioridade, “admiro grupos como Cobra e Blauerouter porque gosto de ver os artistas todos juntos. Não interessa em que área cada um cria. Criar é criar e para mim criar é expressar-me, exprimir-me”. Curta paragem. Fixou-me com o seu olhar azul simultaneamente metálico e cândido, “nós somos sérios e somos solitários.” Mas devemos estar unidos” Parou. Novo sorriso. “Há muito tempo que não via uma vibração tão positiva como a que estou encontrando agora em Tavira”. Durante instantes ficou dependurado num pensamento. ”Na Noruega os artistas estão muito unidos e bem organizados. Gostaria de agir no sentido de criar algo semelhante a isso em Tavira”.
Leif lonne tem contactos com Portugal há cerca de 20 anos. Em pequeno já sonhava vir viver para Portugal ou para Espanha.

Para cada edifício público que se construa, uma percentagem dos investimentos vai para o plano artístico.
Viveu em vários colectivos artísticos na Noruega, onde “existem organizações estatais e dentro delas se criam colectivos, pessoas que se identificam e formam os seus próprios grupos. Lá os Sindicatos são fortes porque os artistas são unidos e conseguiram que tornasse lei que para cada edifício público que se constroi, uma percentagem dos investimentos vai para o plano artístico”.
Nunca frequentou nenhuma universidade senão a da vida e do contacto com outros artistas nas suas mais diversas formas de se manifestarem. “A técnica fui adquirindo com os artistas que me rodeavam e com cursos que fui tirando. Cresci num ambiente artístico. O meu pai era violoncelista, maestro e escritor. Desde pequeno que estou no meio da música, da literatura e os artistas em geral eram frequentadores assíduos da casa dos meus pais.”

O sonho do meu pai sempre foi que todas as crianças pudessem tocar um instrumento sem pagar por isso.


É um artista multifacetado. “Não, não sou só pintor, também sou escritor e músico. A minha necessidade de me exprimir é tão intensa que jamais se esgotaria numa só área”.
Ser músico também lhe nasceu na infância. “Comecei a tocar guitarra clássica com 10 anos. Tinha aulas de música em casa e andei numa escola de música para crianças. O sonho do meu pai sempre foi que todas as crianças pudessem tocar um instrumento sem pagar por isso. E conseguiu-o de algum modo. Ele trabalhava no Sindicato dos Músicos”.
A actuar como músico começou no início da adolescência “Toquei em vários grupos na Noruega. Com 13, 14 anos comecei a tocar Rock’n Roll. Também pinto em Rock’n Roll”. E sorriu.
“Fui muito influenciado pelo. Lou Reed. Ele tocava nos Velvet Undergound que ensaiavam na Factory de Andy Warhol. Aqui se dá em mim a ligação entre a música e a pintura, na Pop Art de Andy Warhol. O meu sonho é criar algo como a Factory onde as artes se interliguem e criem juntas”.
Duriti e Malatesta são os pseudónimos de Leif Lonne e Luís Monteiro (percussionista) no CD recém-criado por ambos. “As letras e as músicas são minhas, os arranjos fizemos juntos, eu e o Luís”. O CD fala de principalmente “de vários marginais. Quero mostrar que acredito numa sociedade aberta, na abertura das pessoas. Gostaria de chamar a atenção para a compreensão dos que estão em posições marginais pois existem razões para as coisas acontecerem.”
Ninguém me venha dizer o que é que eu tenho que fazer em arte

Francis Bacon é outra das suas referências, “era um grande pintor e é um bom exemplo de como se consegue misturar a beleza e o horror”.
Já expôs em diversas cidades da Noruega, em “L’Escale” entre outros espaços de Bruxelas, em Lisboa e em vários pontos do Algarve Há 14 anos que vive nos arredores de Tavira.
“A minha arte pertence à sociedade”, afirma, “mas quando a sociedade não me dá o que eu peço pela minha arte, então prefiro guardar os meus quadros para mim. São meus, fui eu que os fiz!” O azul metálico do seu olhar soltou uma nesga de um brilho diferente.
Sabe muito bem o que quer e não pinta por encomenda. “Se me pedissem para pintar um retrato maravilhoso de flores bonitas eu diria o mesmo que Janis Joplin respondeu quando lhe pediam para interpretar o ‘Bobby Mcgee’ ao fim de duzentas e cinquenta vezes nesse mês e ela respondia que não era um ‘juke-box’”. O seu caminho como pintor, tem-lo feito com os seus próprios passos. “Que ninguém me venha dizer o que é que eu tenho que fazer em arte. Conformismo nunca! Conformismo é uma forma de prostituição”.
Nas relações humanas considera que o “compromisso é o melhor caminho para mentir e enganar, tanto a nós próprios como aos outros. Todas as relações são diferentes, não só entre pessoas diferentes mas também na forma como cada um de nós se relaciona com todos os outros e consigo próprio”. Olhou-me sério. “Para mim conformismo é oportunismo, hipocrisia e compromisso. Eu detesto todas estas formas de estar”.


Considero-me um pintor rupestre como Basquiat


Tem já um livro publicado, “tenho várias publicações em jornais, faço parte de uma ontologia juntamente com Bukowisky. Por acaso com um conto sobre Tavira”.
A poesia e a música interligam-se numa semelhança com o belo-horrível de Francis Bacon, Os subúrbios, a forma de estar na marginalidade é o seu tema preferido, “o asfalto é a minha natureza. Enquanto muita gente procura as montanhas e o mar, eu procuro o alcatrão.” Considera-se um pintor rupestre. “Quando cresci os meus pais tinham reproduções de pinturas rupestres em casa. O meu pai também gostava de arqueologia. Isso influenciou-me. Considero-me um pintor rupestre como Basquiat”.
Sente-se inspirado por pintores antecedentes e contemporâneos. “O meu pintor preferido de sempre é Asger-Jorn, um dinamarquês do grupo Cobra. Edward Munch e Juan Miro também me inspiram bastante”.
Leif fala de muitos pintores, alguns deles com quem partilhou momentos de criação e outros com quem partilhou a necessidade imperiosa de criar e apenas conheceu através da História de Arte. “Admiro mesmo muito uma islandesa que se chama Sigurdur-Gudmundson, faz instalações. Fotografias de instalações”.
Tem consciência da influência que outros artistas tiveram na sua forma de estar na arte. “Picasso e Braque mudaram a forma olhar para o mundo com o cubismo, e Magritte fez uma pintura com o cachimbo e chamou-lhe ‘isto não é um cachimbo’. Ser pintor não é inocente, pode-se fazer a manipulação do olhar sobre as coisas”. Parou, olhou para cima e de seguida abriu um sorriso antes de falar. “O maior erro no mundo da arte, no século passado, foi o Hitler não ter ido para a Academia de Arte de Viena de Áustria. Assim tinham-se poupado milhões de vidas humanas. Ele queria era ser pintor. Se tivesse conseguido ser pintor, talvez o Hitler tivesse sido uma pessoa totalmente diferente”.
A cor é muito importante para o seu trabalho. “O olho humano tem capacidade de ver mais ou menos oitocentas mil tonalidades diferentes das cores. Eu adoro-as a todas!”. Um sorriso largo enche-se na cor que lhe assolou a lembrança. “Olha!” fixa o olhar, pára um segundo, sorri e diz: “Acerca do racismo há uma coisa que eu tenho para dizer” Pausa. “O racismo é disparate. Nunca consegui ver duas pessoas que tivessem a mesma cor”.
Podem ser vistos trabalhos deste artista na exposição colectiva “Geografias Variáveis” que se encontra patente ao público no Palácio da Galeria.

Texto e fotos de Paula Ferro

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