segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Jornalismo - entrevista com Isabel Macieira

Isabel Macieira é membro do grupo A Ponte. Neste momento é a Presidente do grupo.

in Postal do Algarve - 2006




Isabel Macieira é professora de Educação Visual ao terceiro ciclo do Ensino Básico, está a tirar o mestrado em História da Arte Portuguesa na Universidade do Algarve e descobriu a gravura em pedra no início dos anos 90. Executou o mural com elementos em pedra gravada que se encontra no mercado Novo em Tavira. Editou o livro “A Pintura Sacra em Tavira, sécs XV a XX”. Participou em diversas exposições individuais e colectivas em várias localidades e neste momento expõe no restaurante “A Ver Tavira” (junto ao Castelo) e nos Leões (Jardim da Alagoa) em Tavira.

Postal do Algarve – Com que idade descobriu a sua tendência para as artes?
Isabel Macieira – Acho que sempre tive uma certa tendência para as artes. Desde que me conheço que faço coisas. Comecei por cozer um saco todo com botões quando tinha 4 anos. Sempre tive muitas actividades diferentes, em áreas diferentes, porque precisava de fazer coisas.

Quando começou a fazer gravura?
No princípio dos anos 90 fiz um workshop de gravura com o Bartolomeu dos Santos e foi aí que descobri a gravura em pedra. Fiz muita coisa, esculturas, peças utilitárias. Depois, ganhei um concurso para fazer um mural. Quando comecei a fazer o mural tive de pintar a pedra, coisa que nunca tinha feito. Fiz o mural que está no Mercado Novo de Tavira e outro em Vila Viçosa. Isso abriu-me novos horizontes. Nessa altura comecei paralelamente a fazer gravura em papel.

Prefere algum destes tipos de gravura ou ambas se completam?Completam-se. Para a gravura em papel tenho que ter as matrizes feitas em pedra.

Já fez gravura com ácidos?
A gravura em pedra também se faz com ácidos mas são técnicas diferentes. Quando fiz o worshop passámos por todos os tipos de gravura. Fizemos em pedra primeiro e depois com chapas de metal. A matriz é em chapa de metal mas é um processo muito difícil ou quase impossível para mim porque pressupõe uma série de maquinaria e de instalações que eu não tenho. Agarrei-me à gravura em pedra porque sempre gostei muito de pedras e também porque é uma coisa que posso fazer as condições que tenho.

Pensa criar outras condições?
Ah! Não sei. Como temos uma óptima oficina de gravura em Tavira que é a do Bartolomeu dos Santos, poderei vir a pedir-lhe para experimentar lá outras técnicas mas para já a minha ideia é prosseguir com o que estou a fazer. Faço isto como hobby, não é a minha actividade principal. Tenho que conciliar as coisas de modo a conseguir chegar a tudo o que estou a fazer. Uma das coisas que faço é desenhar. Os meus desenhos são muito pequeninos porque normalmente são feitos em blocos. São apontamentos de viagem, desenhos que um dia poderei passar para outro suporte e transformar.

Como foi trabalhar com Bartolomeu dos Santos?
Foi muito engraçado e muito reconfortante. Abriu-me perspectivas novas e no ponto de vista da minha necessidade de expressão e da maneira de o fazer. Estas experiências são sempre muito válidas. Depois disso já tive mais workshops com outras pessoas e noutras áreas. É sempre muito enriquecedor. Na minha profissão tenho que ser muito criativa e a criatividade tem que se ir construindo. Há que alimentar esta fonte senão acaba-se por se entrar num ciclo em que nos estamos a comer a nós próprios.

De pintar, gosta?
Gosto. Faço trabalhos experimentais a pastel e lápis de cor. Tenho diversos tipos de trabalho, de traço e de expressão que têm a ver com diversas situações mas digamos que a pintura não é aquilo que me falta primeiro. Falta-me mais facilmente agarrar numa pedra e perceber o que ela me quer dizer. Para mim a pedra é mais do que um material. A pedra é o suporte mais intemporal que nos rodeia. É onde estão todas as marcas das nossas memórias desde que nos conhecemos como seres humanos e mesmo antes disso. Aliás, acho que se não existisse este material nós nem nos conhecíamos. Não nos poderíamos aperceber da história que se passou há um milhão de anos.
Tenho um poema que acompanha o meu trabalho e tem muito a ver com o facto de a pedra ser um livro de memórias.

Sou pedra viva, misteriosa
encerro em mim os segredos
as memórias quasi intemporais
dos tempos eternos

Sou o elo de ligação
entre ti e o passado
e nesta continuidade
revelo-te também o futuro.

Tirou um curso com especialidade em Artes Decorativas Portuguesas…
Estudei na Fundação Ricardo Espírito Santo em Lisboa que ainda hoje existe, é a Escola Superior de Artes Decorativas e que também é uma escola de restauro. Fiz esta especialização porque era o que a escola me oferecia.

Fez o Mestrado em História da Arte Portuguesa.
Estou a fazer agora a tese de mestrado.

Gosta de História da Arte Portuguesa.
Gosto de História de Arte e acho que é muito importante que se estude a Arte Portuguesa porque é nossa e foi durante muitos anos denegrida em termos de qualidade, da quantidade e das suas existências. Este tema vem na sequência de um trabalho que fiz com a Câmara Municipal de Tavira. Foi o inventário da pintura sacra do concelho. Para além de se tratar da Arte Portuguesa, trata-se dos acertos regionais. É importante que se conheça, se estudem e que passem a figurar em inventários aquilo que temos. As coisas desaparecem e as pessoas nem se dão conta porque não sabem da sua existência. Comecei por me propor a fazer um inventário. Depois tive a orientação de um grande especialista em pintura, o Vítor Serrão e o trabalho evoluiu para um inventário contextualizado e com toda a envolvencia da actividade artística local entre o séc. XV e o séc. XX.

Porquê Arte Sacra?
No nosso país a arte até ao séc. XIX foi tendencialmente Arte Sacra. Os mecenas são a Igreja e há muito pouca pintura que não pertença à Igreja e cujos temas não sejam religiosos.

É importante a existência de uma Galeria Municipal em Tavira?
Sim e acho que já se está a pensar nisso. Percebo que o Palácio da Galeria, porque tem um conjunto de exposições que são intercâmbios com outras fundações e outros centros, tenha uma programação onde não caibam certos eventos mas isso não impede que haja outro espaço. O Mercado da Ribeira é muito bonito mas tem alguns senãos: falta alguém para dar explicações e tomar conta das coisas e há alturas em que a poluição visual é de tal ordem que as pessoas entram e saem sem se aperceberem que ali está uma exposição. Os bares também não são os locais ideais. A exposição, muitas vezes é olhada mas não é vista. É bom que se vá de propósito a um local para ver uma exposição.

Acha que o artista se pode construir?
Hum!...Tal como costumo dizer aos meus alunos quando afirmam que não têm jeito para desenhar, o desenho, tal como correr, falar, nadar, etc, melhora muito com a prática e saber ver é muito importante. Hoje as áreas artísticas estão muito diversificadas. As novas tecnologias trouxeram por arrasto uma série de outras áreas. Hoje podem-se formar pessoas nas áreas das artes sem serem artistas na acepção clássica do termo. Há pessoas que têm mais necessidade de exteriorizar determinadas sensações, determinados sentimentos através de um meio plástico. Esta é a noção mais próxima de artista, creio eu, e isso é uma coisa que nasce com a pessoa.

A Isabel é de Lisboa. Porquê Tavira?
Ah! (abriu um imenso sorriso) Tavira é uma terra muito especial e passou a ser a minha segunda terra.

O que é para si a cor?
Como costumo dizer a cor “derrete-me”! Uma das razões porque fiquei tão ligada a Tavira é por causa da luz, da cor e do cheiro que são muito fortes e bonitas aqui. Continuo a “deixar-me derreter” pela cor de Tavira ao fim de 20 anos que cá vivo! (Sorri com satisfação.) Não consigo fartar-me nem um bocadinho!

Texto e foto de Paula Ferro

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