segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Prosa poética - Paixão e Primavera

Quando a melancolia me agarra, solto as borboletas e espero que as primaveras renasçam com a ameaça de um amor que me cheira a mel. Lanço as lágrimas às ondas de malmequeres derramados entre os tojos e devolvo-me ao borbulhar das realezas mansas que estão por amanhecer.

As lantejoulas do campo, feitas de estevas bravas, aconchegam-se no meu olhar sedento de fulgores e esperanças. Sorrisos de cores vadias espraiam-se pelas serras algarvias por onde navego, invertebrada e perdida, à cata de uma raiz traída.
Assaltam-me palpitações grávidas de lume e viajo como quem dança sobre amores-perfeitos sem os conseguir alcançar.
A natureza redescobre-se nos risos de júbilo dos pássaros atracados ao vapor das horas. No bico eles transladam espumas sem espasmos e rompem o desfazer-se dos dias para se entregarem à continuidade serena.
E as flores abrem a boca, para a entrega solta e louca com que me alimentam a poesia.

Existem canteiros adelgaçados de lembranças secas, momentos defuntos e sementes daninhas a abrolhar de novo. Ervas pegajosas de medo corrompem o despontar dos lírios no meio das santas noites que querem povoar a minha primavera reanimada.
Há dores que uivam dentro de mim como lobos açoitados e cansados de namorar o luar. Uma magia maldosa solta-se do que já não permanece. Olhares de outras eras voltam em sombras para me saquear deste sonho que quero viver desembaraçado de feridas. Limpo a testa de suores nocturnos que me inundam de um passado gretado e enterrado nas areias de pântanos longínquos onde decidi não voltar.
E sigo o voo de uma andorinha que chega com bagagens por inventar. Sonho voar com ela no devaneio que construo para me habitar. Agarro pedaços de vento maciço de sementes. Acerca-se o instante onde há muito me quero inaugurar.

2

Estendo-me na rede quase estival que pendurei no jacarandá do meu quintal e espreguiço-me como quem se atesta de esperança enquanto meu corpo baloiça ao Deus dará dos sussurros de um levante qualquer que agasalha o pôr-do-sol, também ele ressuscitado neste novo dia, em que tu chegaste, para me vestir de melodia.
Rompem as nêsperas nos campos anunciando uma nova época.
Vaidosas das flores que as rodeiam, as árvores redobram os verdes e nos quintais, as laranjeiras misturam a flor e o fruto enquanto se revoltam em folha fresca os mastros já caducos, e os jasmins já lançam cheiro do seus brancos de leite manchados de rosa.
Levantam-se as malvas em moitas e acordam as sardinheiras.
Rabeiam as campainhas amarinhando pelas encostas. Os rícinos ficam rubros e as papoilas, ora tímidas entre os malmequeres, ora em grupo, dão vermelhos vivos ao campo. Os tojos ganham força e lançam-se por entre os cardos inundando de luz a serra, no meio das estevas à solta.
Delírios de buganvília acesa com gritos de cores airosas alastram o muro que nos acolhe, fugitivos dos olhares ruidosos. Em silêncios barrados de madrepérola e jubilo em maresia, desnudo com muito jeitinho os cachos fartos de alfarroba e mel que me ofereces nos gestos com que transformas o meu corpo numa harpa que te segue enquanto se entrega. Deleites de papoila e malmequer invadem os torpores que me colas ao avermelhado do rosto quando teus beijos me lavam e enchem de intempéries suaves. Descem por mim odores de alfazema e alecrim quando teu olhar me percorre em véus de silêncio prenhe de surpresa nas palavras que se escondem e sobre o meu corpo derramas.
As polpas dos teus gestos soltam sedas de sedes e salivas puras, cascatas de suspiros vãos escorregam entre os dedos das tuas mãos enquanto me transformas numa primavera em flor, assim, louca, aberta e livre, entregue ao sabor do teu amor.

Sem comentários: