quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Jornalismo - Entrevista com José Delgado

José Delgado Martin é membro do grupo A Ponte.

in Postal do Algarve em Abril de 2006.
José Delgado Martin, pintor e ceramista espanhol, descobriu em criança a sua tendência para as artes. Dos 12 aos 19 anos estudou na Escola de Artes Aplicadas em Granada. Tirou Belas Artes em Madrid. Entre os 16 e os 21 anos ganhou vários prémios de pintura. Teve uma galeria em Detmold – Alemanha. Pertenceu à Berufsverband Bildender Kűnstler (Associação de Artistas Plásticos) na Alemanha. Está incluído no dicionário inglês Who’s Who desde 1978. Foi professor de arte na Alemanha. Expôs em diversos países da Europa e no Japão. Agora vive nos Moinhos da Rocha, na Assêca – Tavira com um gato e os seus bonsais, rodeado de obras de arte.
Postal do Algarve– Com que idade fez a primeira exposição?
José Delgado Martin –
Quando tinha 19 anos. Com 20 anos expus na sala de arte mais famosa de Granada. Nunca nenhum pintor juvenil tinha exposto antes no Centro Artístico de Granada. Nessa altura era tudo aguarela. Durante muito tempo só pintava aguarela.

Quando começou a pintar a óleo?
Não me lembro! Já faz tanto tempo!? Mas o prémio de Madrid já foi com um quadro a óleo. Em 54 já pintava a óleo e também pintava aguarela.

Quando descobriu a sua tendência para a cerâmica?
Descobri ao mesmo tempo que para as outras artes. Sempre gostei de trabalhar com as mãos. Ainda gosto. Mas a cerâmica é o meu hobby. A pintura é o meu trabalho. A cerâmica é muito interessante porque tem volume. Quando pinto, não tem volume. A perspectiva, tudo, tenho que pensar e manipular. Na cerâmica não. Fazer cerâmica não é um trabalho, é viver, é um prazer.

Investiga. Os vidrados, por exemplo.
Claro, e os diferentes tipos de argila. Há argilas muito diferentes, de baixas e altas temperaturas. E a nível das minhas cores. Eu faço as minhas cores. Se não fazes as tuas próprias cores, é cerâmica mas não é cerâmica como deve ser.

As suas peças têm uma grande durabilidade.
Depende. Os vidrados de baixa temperatura não duram tanto. Podem durar 100.000 anos ou mais mas têm que ser muito bem cozidos e tem de haver uma grande unidade entre a argila e o vidro. As de altas temperaturas podem durar milhões de anos, não se decompõem nunca. Alteram-se, claro, mas se estiverem bem cozidas sobre grés ou porcelana vão existir sempre como as pedras. Eu trabalho-as com cinza de árvores de aqui ou de Granada ou da Alemanha. Com cinza da lareira. A cinza tem um vidro natural porque a planta precisa de cálcio, fósforo, magnésio, silício, sódio, potássio… e depende da madeira, de que árvore é. Cada árvore tem uma composição diferente.

Usa prata.
Isso é quando não uso a cinza. Com vidros de baixa temperatura. Ponho prata, cobre, cobalto… depende do que quero fazer. Eu não faço os vidros. Compro vidro primitivo só mate ou só brilhante e ponho os óxidos metálicos de que preciso, e outros vidros. Um bocadinho aqui, outro ali, para dar uma qualidade diferente. Pinto duas camadas com diferentes óxidos. Isso é o mistério da minha cerâmica. Ponho por baixo brilhante e por cima mate ou dois mates, ou dois brilhantes com óxidos metálicos diferentes e pequenas modificações. Camadas mais grossas ou mais finas. Isso é que dá a mudança de cor. Pinto à mão. À pistola sai tudo perfeito e eu não gosto de vidros perfeitos. Gosto de vidros que vivem.

Viveu em Paris.
Sim, fui para Paris com 24 anos. Vivi lá um ano. Não fiquei mais porque não me deram autorização para trabalhar. Trabalhava como pintor de casas. O meu pai também pintava casas e esse foi o meu primeiro ofício. Eu tive sempre que trabalhar e estudar. Em Madrid trabalhei e estudei. Em Granada trabalhei e estudei.

Em Paris também estudou arte?
Não pude. Fui só à Sorbonne livre.

Quando foi para a Alemanha?
Em 1960. Em Maio de 1983 voltei para Granada, comprei uma casa que restaurámos e é onde vivem os meus filhos e a minha mulher. Em 2000 vim para Portugal.

Foi importante para si, como artista, sair de Espanha?
Sim, muito importante. Muitíssimo. Eu penso que todos os artistas têm que ver outras tendências noutros países, noutros sítios. É muito importante. O isolamento não é bom para nenhum artista nem para nenhuma pessoa.

Foi influenciado por outros artistas?
Claro que tenho influências! Tu influencias-me, o outro influencia-te e nós influenciamos os outros. Não só olhando para o que fazem mas também falando e criticando. Críticas construtivas. Também as negativas são boas às vezes. Os outros ajudam-nos a evoluir. O que não é bom é ficares na tua casa e dizeres que és o melhor artista do mundo e os outros são todos maus. Isso é que não é bom. Tu és artista e fazes o que tu fazes porque pensas e interpretas as coisas como tu és. Ele é artista e faz como ele é, e eu, faço como eu sou. Os outros são diferentes de nós, não são melhores nem piores, são diferentes, porque sentem as coisas de outra forma.
Deu aulas na Alemanha. O que é para si ensinar arte?
Para mim ensinar, seja o que for, é tentar transmitir algo que sabes a outras pessoas que não o sabem. Há muitas formas de ensinar. A técnica, pintar, desenhar, qualquer pessoa pode aprender como aprende a ler, a escrever, matemáticas ou outra coisa qualquer mas o artista nasce artista. Melhor, pior… diferente. O ser artista nasce, não se pode ensinar. Pode-se ensinar técnicas, inclusivamente a lidar com as emoções mas não se fazem artistas. A arte tem a ver com sentimentos, com emoções que queremos transmitir. Também não é só criar. Criar é criatividade. Nem toda a gente é criativa e nem todos os que são criativos são artistas. Podem ser inventores, cozinheiros, pessoas que fazem coisas muito especiais e que não existiam antes mas isso não é ser artista, é criar.

O que é um artista?
José pensou um pouco e respondeu de repente – Um louco!

Texto e fotos de Paula Ferro
Mais alguns apontamentos sobre José Delgado Martin:



Embora seja uma espécie de eremita e valorize profundamente os seus diálogos consigo próprio, assim como os seus silêncios, José é um óptimo anfitrião.




Gosta das pessoas e de as ver confortáveis.



Recebe-nos sempre com um sorriso no abraço e um café ou um chá, muitas vezes também acompanhado por aqueles bolinhos que ele também sabe fazer, todos cheios de ervinhas, de preceitos e da posse dos segredos da ancestralidade.


Conversar com ele é sempre agradável.

O José transmite calma, tolerância e tem sempre uma dica nova para ensinar ou para nos ajudar a pensar.

Há mais de 30 anos que se dedica também ao estudo da homeopatia.

Ao passear pela sua casa, sente-se o cheiro a raízes, à mistura entre o sonho, a magia e a terra, que nos atenta com um acender de melodias dentro de nós, e nos traz pedaços de infância, embrulhada em memórias de histórias de encantar.



Peças de cerâmica e quadros, uns a óleo, pintados a espátula, outros a aguarela, obras de outros artistas, bocados da natureza que ele encontra nos seus passeios pelo campo, livros... surpresas acontecem por tudo quanto é canto, todos a chamar sensações, sonhos, histórias dentro de nós que se querem revelar.

E este mar de pequenas surpresas, à nossa espreita, ligam casa e jardim.





Uma musa, escondida entre bonsais, aguarda-nos à entrada.


Algumas das peças que José usa no seu quotidiano, fabricadas por ele.


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